Mentor da European Innovation Academy, o norte-americano tem 33 anos e já criou duas empresas. A parte mágica do 'early stage' é a que mais o entusiasma.
Era investigador académico na área das ciências computacionais na Universidade de Berkeley, na Califórnia, quando decidiu tirar uma licença do programa para lançar uma startup tecnológica. O trabalho demorou sete anos. Aos 33, Anand Kulkarni percebeu que a fase das startups que mais o entusiasma são os primeiros passos e, por isso, acaba de criar a sua segunda empresa. “É quando a magia acontece”, garante o fundador da recém-nascida Crowdbotics.
Em Portugal durante três semanas para ser o mais jovem mentor da European Innovation Academy (EIA), o norte-americano conversou com o ECO sobre a febre do empreendedorismo, sobre investidores e sobre a paixão de fazer o que se gosta.
O que é mais complicado: ser empreendedor ou mentor?
Esta é a terceira vez que sou mentor na EIA, e tem-se tornado cada vez mais interessante. Passei a idade certa para participar como aprendiz mas talvez o tivesse feito se o programa existisse há mais tempo. Como fundador, poderia ter sido muito útil, em 2011. Agora que comecei a segunda empresa, acho mais divertido ser mentor do programa do que participar no EIA. É mais divertido ser mentor do que ser fundador, também. Porque é muito mais divertido ter ideias cool sem que o risco seja nosso. Fazer coaching a pessoas durante a fase mais interessante do processo: como chegas à ideia? Como sabes se o mercado vai consumir aquilo que estás a criar? Só se experiencia essa fase algumas vezes e muito no início, como empreendedor. O resto é trabalho duro para fazer crescer e expandir o negócio. Há muitas maneiras de tornar esse processo interessante mas esta é a parte mais mágica. Criar a ideia e testá-la na realidade, em pessoas que a vão usar… ou não. Porque as pessoas que nos rodeiam vão dizer “não”, “não” e, finalmente, alguém dirá “sim, isso dá-me jeito, vou pagar por isso”. E esse é um momento mágico, porque fizeste alguma coisa a partir do nada.
Como descreve este tipo de ambiente como é o da EIA, em que existem estudantes e mentores prontos para descobrir as ideias e criar negócios, mas sem nenhuma experiência anterior?
Há um ensinamento: o de que qualquer pessoa pode ser um empreendedor, desde que lhe sejam dados os corretos frameworks e apoio. Quando comecei a minha primeira startup, a minha experiência era completamente técnica, eu era um académico em ciências computacionais. Tornei-me CEO de uma empresa e aprendi a fazer tudo na empresa sem ter noção de nada. Se eu pude fazer isso, acredito que qualquer destes estudantes seja capaz de fazê-lo. Na altura todos éramos fundadores pela primeira vez, por isso acho possível. Os participantes da EIA estão completamente abertos a aprender a levar em frente um negócio, que é muito diferente de ser estudante mas também é completamente distinto de ter um trabalho normal. Tens de aprender a tratar da tua própria psicologia, e lidar com o falhanço e com a rejeição. O programa da EIA permite fazer isso.
Porquê? Pelos mentores, pela metodologia?
Porque é muito sistemático. Na EIA passamos muito tempo mesmo no processo inicial de constituição de equipa, aconselhamento de equipas consoante as suas estruturas, responsabilidades, o que é difícil porque quando as pessoas são inteligentes e estão motivadas, todos querem sair vencedores dessa discussão. Para uma empresa ter sucesso, é preciso contratar bem e cedo e, ao mesmo tempo, assegurar que todas as vozes são ouvidas. Equilibrar isso para pessoas que estão motivadas o suficiente para começar uma empresa é difícil.
Vê Portugal com potencial de ser um dos ecossistemas mais marcantes nos próximos anos?
Estava muito curioso para saber como funcionava o ecossistema empreendedor. Sabia do país mas não sabia nada do ecossistema. E fiquei bastante surpreendido e feliz por perceber que existem vários aceleradores, é fenomenal. E de ouvir sobre grupos como a Beta-i, que estão a operar cá. Estes tipos de investimentos locais no empreendedorismo são muito bons de ver porque não vemos muitos sítios da Europa a atrair tal número de projetos e entusiasmo. Assim, vamos começar a ver grandes projetos a crescer a partir do ecossistema e isso demora mas, ao mesmo tempo, funciona como um catalisador para outros empreendedores.
É como se os empreendedores dessem de volta ao ecossistema?
Se há outras pessoas a ser bem-sucedidas, as outras pessoas acreditam que o podem fazer também. Em Silicon Valley é muito fácil porque vemos a toda a hora estudantes e recém-licenciados a começar empresas e a terem sucesso. Eles voltam e dizem: eu fiz por isso tu também és capaz. Acho que, em Portugal isso também acontecerá. E programas como o EIA talvez permitam ao país saltar alguns passos. Dando a conhecer pessoas que já fizeram, há uma boa mistura que dá conta de que quando se combina diferentes modelos, atitudes e diferentes culturas e países, a velocidade a que as coisas andam é muito mais rápida. Os americanos, por exemplo, são muito virados para o empreendedorismo, talvez haja até uma tendência de andar depressa de mais, de dar passos maiores do que as pernas.
Mas têm um mercado enorme… podem fazê-lo…
É verdade, mas há muitas empresas que falham, também nos Estados Unidos. Às vezes corre bastante mal, o que significa que muita gente perde dinheiro. Mas é a maneira como agem, e como estão expostos a diferentes mercados, muitos americanos ignoram os mercados europeu e asiático, por exemplo. África e Médio Oriente…
Mas precisam deles?
Não se trata de não precisar deles mas de não estar a criar potencialmente soluções que podem ser as certas para mercados interessantes. Estás a perder oportunidades de mercado. Se dissermos que os meus clientes são as pessoas ricas de S. Francisco, isso será um nicho muito pequeno. E não será, para empreendedores, um mercado suficiente para ter impacto e para encontrar parceiros noutros países e mercados.
Fundou uma empresa, e agora outra, a segunda. O que aprendeu no processo?
No processo de começar uma empresa, aprendemos muito sobre nós e sobre a nossa responsabilidade para com outras pessoas. Se começas uma empresa a pensar no nível de sucesso, é preciso que não trabalhes só para ti mas para a equipa toda e com os clientes, porque eles fizeram um investimento no teu produto. E também tens de ter clara a dependência face aos investidores, que querem reaver o dinheiro. Isso força uma mudança, porque começar uma empresa torna-te bem mais responsável do que quando és apenas um estudante. Há uma transformação, que te vai também tornar um líder. É um caminho muito gratificante, mas também pode ser muito difícil. Obviamente, não é tão doloroso que me faça não querer fazê-lo uma segunda vez.
Por que começou o segundo negócio?
Depois de lançarmos o primeiro negócio e quando a empresa começa a escalar, a estrutura começa a não ser capaz de ser flexível o suficiente. À medida que nos tornamos mais bem-sucedidos, temos de servir os clientes que já existem, o que faz com que seja sempre mais do mesmo. E requer inovação e repetição, um maior mercado, novos desafios, e novos papéis que podemos ocupar dentro das empresas. Mas, convenhamos, olhar para algo que seja radicalmente diferente.
Para mim, em particular, há muito mais coisas interessantes a acontecer em machine learning e inteligência artificial que eu estou curioso por ver, diferentes daqueles problemas que solucionávamos na empresa. Acho que não é possível ter sucesso em duas empresas de uma vez. É quase como um vício, eu queria voltar a essa fase inicial, o ponto zero, do early stage. Essa fase é muito entusiasmante, é quando a magia acontece. Se falares com outros mentores da EIA, alguns já fundaram quatro ou cinco empresas. ‘Comecei cinco empresas, duas das quais foram à bancarrota, duas foram vendidas por pouco mais do que custaram e uma foi um enorme sucesso’. Estes tipos, estas pessoas, ficam viciados em criar empresas, uma vez que percebemos que podemos usar as mesmas ideias uma e outra vez, com novas tecnologias, novos problemas…
Isso faz com que os empreendedores, mesmo aqueles que falham, tentem recomeçar sempre?
O mesmo acontece quando se falha. Aprende-se com cada falhanço, e percebes o que fizeste mal de cada vez. A ideia é: não farei o mesmo e posso fazer bem determinada coisa. É bom criar algo de que as pessoas gostam, que usam e admiram. Para mim é muito satisfatório ter pessoas a trabalhar connosco, há aquela sensação de que as pessoas querem trabalhar connosco e de que estamos a fazer um bom trabalho. Uma forma de seguir a ideia de que estamos a criar algo. E esses momentos valem a pena, as pessoas vão voltar, e mesmo que falhes como empreendedor, vais sempre experienciar um nível de entusiasmo e sucesso. Isso é aquilo que vai fazer-te continuar a trabalhar motivado em determinada coisa.
Empreendedorismo é como um mindset e pode ser uma solução para o nosso mundo, é difícil encontrar um trabalho… Mas essa é a maneira certa de olhar, o fundamento essencial?
Obrigado a ser empreendedor? Acho que, para muitas pessoas — provavelmente para grande parte das pessoas –, ser empreendedor não é um lifestyle com o qual se identifiquem. Mas, ao mesmo tempo, o empreendedorismo é o motor do crescimento económico. Não acho que o empreendedorismo seja a única solução, mas há um forte framework de empreendedorismo e uma capacidade de estar nos próprios sapatos. As pessoas não devem ser obrigadas a considerá-la a única opção, é ótimo que as pessoas tenham apoio e segurança se optarem por esse caminho, porque isso pode tornar as coisas mais fáceis e simples.
Em Silicon Valley, acho que levar este repto a cabo é mais fácil, e acredito que seja por isto: as pessoas dizem que começar negócios é muito arriscado. O tipo de risco que importa é: se isto correr mal, vou ter comida? Terei apoio social, alguma segurança de saúde, se decidir ser empreendedor? Em Silicon Valley há um amplo número de entidades que estão preparadas para pagar pequenas quantias de dinheiro, à saída da faculdade, para permitir aos jovens empreendedores passarem alguns meses a criar o seu projeto, com uma pequena estrutura. E há muitas entidades de seed capital que disponibilizam essas quantias. É algo em que devemos pensar no modelo europeu.
Mas, e quando não há alternativa? A missão está concretizada quando pagas as contas…
Depende de se tens ou não paixão por aquilo que fazes. Está bem se queres ser cabeleireiro e abrir o teu pequeno negócio. O problema é quando não tens alternativa. A paixão é o que vai fazer-te continuar mesmo quando há dificuldades no caminho, porque nos perguntamos “será que eu devia estar a fazer outra coisa?”. Quantas mais ferramentas tivermos de apoio a esse tipo de empreendedorismo, mais fácil é. Há muitas coisas que não podemos aprender.
Sempre quis ser empreendedor?
Eu pensei que fosse ser académico, investigador. Em Silicon Valley há uma grande transição entre académicos que viram empreendedores. Ensinas, investigas, e essa investigação traz uma ideia que se transforma numa empresa.
E quanto percebeu que ia ser empreendedor?
Muito tarde. Quando a empresa conseguiu tração, clientes e investidores, tirei uma licença… talvez tivesse dado um bom académico. Nos Estados Unidos, muito do desemprego que desaparece tem a ver com novos negócios. Portugal tem dez milhões de habitantes, uma startup bem-sucedida teria um enorme impacto. É do mesmo tamanho que a área de S. Francisco. As empresas que crescem lá, em média, demoram nove anos a serem cozinhadas. Por isso, é um ciclo bem longo até conseguires produzir essas empresas bem-sucedidas.
Quais são as principais perguntas que lhe fazem a respeito de começar uma startup?
Depende da fase em que estão como empreendedores. Os que estão numa fase mais incipiente pedem basicamente permissão: “Posso?”. Claro que sim, respondo. Ou, ‘não me perguntes, olha para o espelho e pergunta a ti’. Mas outros estão em volta do ‘O que fazer a seguir?’. Têm uma ideia, acham que podem fazer crescer a empresa, o que fazem a seguir? É hora de procurar investimento?
Muitas pessoas que estão a começar negócios acham que juntar dinheiro, financiamento, é o primeiro passo. Não tem nada a ver com a tecnologia, tem a ver com resolver problemas. Dar conselhos é fácil, mas ensinar pessoas a fazer negócios… é mais difícil.
Na minha primeira empresa, passámos dois anos sem ganhar um cêntimo. Na verdade tínhamos dois clientes. Achávamos que devíamos estar a programar todo o tempo, era isso que era ser empreendedor. O que mudou é que quase tivemos de fechar a empresa. Dois anos depois, com vários produtos lançados e disponíveis no site, percebemos que não tínhamos clientes e fomos ao YCombinator perguntar o que devíamos fazer a seguir. Já não tínhamos dinheiro, eles não iam dizer que estávamos a falhar. Mas deram-nos um bom conselho: não tentem levantar dinheiro, tentem fazer dinheiro. Se fizeres dinheiro vais sobreviver, e se fizeres muito dinheiro o teu negócio vai ser atraente para os investidores. Esta foi a primeira vez que tentámos vender os nossos produtos de maneira mais agressiva. Estávamos à espera que as pessoas aparecessem e comprassem o que estávamos a produzir. Uma startup não se trata da tecnologia, trata-se do negócio.
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Anand Kulkarni: “Fundar startups é uma espécie de vício”
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