O relatório Technology Vision 2022 aponta as tendências que vão marcar os próximos anos. Rui Teles, managing director da Accenture, explica o que está em causa.
O metaverso vai ser uma nova etapa na fusão ente o mundo digital e o mundo físico. Rui Teles, managing director da Accenture, explica em entrevista por escrito ao ECO que, perante os novos desafios no mundo digital, as empresas devem estabelecer políticas e princípios de atuação no metaverso, focados nos produtos, serviços e experiência que pretendem entregar ao mercado.
A Accenture indica no Technology Vision 2022 que o mundo físico “vai ser cada vez mais como a internet”. Apesar das suas virtudes, a internet pode ser um sítio escuro, onde prolifera o discurso de ódio, a manipulação e a cibercriminalidade. Devemos querer mesmo que o mundo se funda cada vez mais com a internet?
A fusão entre o mundo digital e aquilo que conhecemos como mundo físico será uma realidade cada vez mais natural à medida que o Metaverso se integra no nosso quotidiano. A redução de fronteiras entre físico e digital será agora muito mais acelerada. Acreditamos que até 2030 a nossa existência e a existência das “coisas” que nos rodeiam estará espalhada entre um mundo físico e um mundo virtual, pelo que os riscos atuais da internet vão exponenciar-se nesta nova realidade.
O metaverso é um lugar onde as pessoas podem encontrar-se e interagir, onde ativos digitais podem ser criados, comprados e vendidos, mas também onde aspetos físicos do nosso mundo podem ser representados e controlados em tempo real. Podemos, portanto, esperar que questões de ética, privacidade, segurança, questões comportamentais, equidade e inclusão, segurança e integridade surjam como desafios a superar.
Para enfrentar esses desafios, as empresas devem estabelecer políticas e princípios de atuação no metaverso, focados nos produtos, serviços e experiência que pretendem entregar ao mercado. Para isso é necessário traçar um roadmap de evolução no metaverso e é essencial focar uma parte da organização a olhar para esta realidade. Vemos muitas empresas europeias a constituírem grupos de trabalho e departamentos específicos para esta nova realidade, sempre com a segurança como um aspeto fundamental e basilar desta estratégia, pois é necessário realizar a avaliação de riscos, desenhar a segurança do futuro, proteger a identidade digital, os ativos virtuais e regular a informação no metaverso.
Indicam também que o “mundo programável” tem três camadas: o conectado, o experiencial e o material. O que são e como se distinguem?
Muitas organizações já estão a investir e implementar há bastante tempo a primeira camada de tecnologia mundial programável, criando uma base conectada. De acordo com a investigação global IoT Enterprise Survey de 2021 da Omdia, 90% dos inquiridos disseram que a IoT era essencial para as suas estratégias de transformação digital, ou já estava implementada em várias partes do negócio.
A segunda camada do mundo programável é a experiencial. Baseados nos dados recolhidos por IoT e dispositivos edge e processados a velocidades 5G, os gémeos digitais são uma componente central desta camada. Estes modelos digitais do mundo físico oferecem às organizações uma visão em tempo real dos seus ambientes e operações, e podem transformar as experiências das pessoas nos mesmos.
A camada final do mundo programável é a material e diz respeito a como as coisas são feitas. Inclui uma nova geração de produção e materiais, que trarão a programabilidade para os aspetos verdadeiramente físicos dos nossos ambientes. Os avanços nas técnicas de produção digital estão a mudar como e onde os bens físicos podem ser produzidos, tornando realidade os produtos com elevada procura e os produtos hiperpersonalizados.
A redução de fronteiras entre físico e digital será agora muito mais acelerada. Acreditamos que até 2030 a nossa existência e a existência das “coisas” que nos rodeiam estará espalhada entre um mundo físico e um mundo virtual, pelo que os riscos atuais da internet vão exponenciar-se nesta nova realidade.
A maioria dos case studies conhecidos mostram mundos virtuais semelhantes a desenhos animados. Esta tecnologia vai tornar-se mais realista? E que impacto é que o realismo pode ter na forma como os utilizadores se relacionam com e no metaverso?
Neste momento as empresas estão a delinear a sua estratégia de integração no Metaverso, o qual passa pela interseção de mundos novos, desde a construção de novas realidades físicas e virtuais até à prestação de serviços em ambientes já criados. Embora o Metaverso esteja muito associado a um mundo semelhante a desenhos animados, é previsível que haja um realismo gradual e crescente nesta nova dimensão, capaz de suportar decisões relevantes no que à gestão diz respeito. A título de exemplo, uma empresa em expansão pode construir completamente o seu próprio Metaverso antes mesmo de agir no mundo real. Antes de colocar um tijolo para uma fábrica, pode construir um gémeo digital que defina exatamente como será o seu aspeto. Antes mesmo de contratar uma pessoa, pode criar um sistema de avatares e avaliar as necessidades de recursos humanos com muito maior consciência. Antes de receber um único dólar ou introduzir um cartão de crédito, pode já ter delineado o seu próprio sistema NFT.
Este novo mundo compreende várias tecnologias, incluindo extended reality, blockchain, inteligência artificial, gémeos digitais, objetos inteligentes – onde se incluem carros e fábricas e edge computing – soluções que permitem construir uma estratégia variada para a presença das empresas no Metaverso e extrair desta nova realidade o máximo de potencial para o crescimento do seu negócio.
O que é que as organizações devem ter em conta na hora de criar produtos e serviços a pensar nesta realidade?
O Metaverso traz um conjunto de mudanças críticas que se vão espelhando na alteração dos comportamentos dos vários stakeholders. Como tal, as empresas deverão partir do pressuposto de que esta nova realidade irá transformar a forma como percecionamos o nosso mundo. À medida que as tecnologias emergentes como o 5G, ambient computing, realidade aumentada e materiais inteligentes se tornam mais avançadas, os ambientes digitais serão cada vez mais integrados no nosso mundo físico. Esses ambientes vão transformar a forma como as pessoas interagem com o mundo ao seu redor e possivelmente vão alterar tudo o que é construído – o que terá impacto direto na forma como as pessoas se sentem e como se relacionam com o mundo que as rodeia. Neste sentido, é expectável que as empresas repensem a sua presença online e que percebam a urgência do momento, uma vez que ainda têm a oportunidade de se antecipar ao mercado e de liderar uma próxima onda de negócios digitais. Para tal, é imperativo que comecem a definir novas estratégias, as quais devem incluir este novo mundo digital e a exploração de potenciais novos produtos e serviços.
Um fator crítico de sucesso para o metaverso prende-se com a promoção da confiança na tecnologia e nas experiências subjacentes para impulsionar a adoção e a aceitação do utilizador. E essa confiança depende de conceitos com os quais os consumidores e as empresas se preocupam hoje – como segurança, privacidade, proteção, sustentabilidade, equidade, inclusão, acessibilidade e bem-estar. A credibilidade das marcas e a relação de confiança e proximidade com os consumidores será um fator essencial para controlar estes aspetos.
À medida que as tecnologias emergentes como o 5G, ambient computing, realidade aumentada e materiais inteligentes se tornam mais avançadas, os ambientes digitais serão cada vez mais integrados no nosso mundo físico.
Portugal tem 5G há muito pouco tempo, enquanto noutros países a tecnologia já está há vários anos amplamente disponível. As organizações nacionais foram penalizadas pelo atraso no lançamento da quinta geração?
Sim, obviamente as organizações e gestores portugueses estiveram um ano em desvantagem ao relação aos outros Estados-membros, visto que Portugal foi dos últimos países a lançar o 5G, seguido apenas pela Lituânia. Estamos atrasados em relação a países como os EUA e Espanha, sendo que neste último se encontram muitos dos nossos concorrentes. Só agora que esta tecnologia foi implementada nas nossas empresas e sociedade, é que poderemos de facto beneficiar da sua força disruptiva.
O poder diferenciador do 5G é inegável, as suas características mais proeminentes são a maior largura de banda e velocidade que permitem uma transferência bidirecional de grandes volumes de dados e por exemplo de vídeo de alta definição. A banda larga de alta velocidade é fundamental para suportar aplicações como realidade aumentada (AR) e realidade virtual (VR) que exigem uma transferência de dados robusta em ambas as direções e que irão possibilitar maneiras totalmente novas de envolvimento com pessoas e informação na era da visão computacional (CV) e do machine learning (ML). Para os consumidores, o 5G traduz-se numa maior velocidade de transmissão no entanto, para as empresas, tem um impacto muito mais abrangente e significativo, traduzindo-se numa maior capacidade de inovar e mais competitividade.
Como é que a IoT se relaciona e interage com o metaverso e vice-versa?
A segunda tendência denominada “Programmable World: Our planet, personalized” centra-se na ideia de um mundo personalizável, o que se enquadra na nossa definição de Metaverse Continuum. Para além disso, refere a convergência de tecnologias como a Internet of Things (IoT), sensores, gémeos digitais, 5G, computação ambiental, realidade aumentada, materiais inteligentes e muito mais. Esta convergência está a abrir caminho para as empresas reformularem a forma como interagem com o mundo físico.
Pensemos no IoT como uma tecnologia que permite comunicar de forma detalhada e em tempo real o estado de uma determinada “coisa”. Informação essa que pode ser representada digitalmente num Gémeo Digital e contextualizada num mundo digital com várias outras “coisas” representadas. E que esse mundo digital tem muito mais informação do que a simples perceção humana do mundo físico. Sendo que essa informação pode ser obtida através de dispositivos de realidade aumentada, como por exemplo uns óculos de RA, possibilitando uma gestão mais eficiente dessa mesma “coisa” física.
Mas também pensemos que um gémeo digital, ou o mundo virtual que o contextualiza, pode ser alterado e essa alteração ter repercusão imediata e direta no mundo físico. Com por exemplo um veículo autónomo que tome determinada decisão em função de um algoritmo que analisou o mundo virtual que o rodeia e que é uma representação fidedigna do mesmo mundo físico.
Qual a importância das “alianças industriais” a este nível, mencionadas pela Accenture no relatório? Isso é possível num mundo cada vez mais competitivo?
A maioria das empresas não irá desenvolver por si todo o tipo de tecnologia existente no mundo real, o que nos leva a crer que a interoperabilidade entre os produtos de diferentes organizações será fundamental para a evolução eficiente do Metaverso.
Esta capacidade das empresas conectarem diferentes tecnologias com o máximo de segurança possível permitirá criar “mundos programáveis” com maior projeção e com maior facilidade de integração de novas ofertas. Para além de que as “alianças industriais” poderão ser interessantes na integração das empresas no Metaverso com estratégias mais sólidas e com menores riscos para todas as partes.
Se pensarmos por exemplo no setor dos transportes e veículos autónomos, existe uma combinação inevitável de várias tecnologias e de vários parceiros do eco-sistema. Desde as comunicações 5G, ao processamento de video, à gestão inteligente das infraestruturas rodoviárias, à própria tecnologia do veículo e a materiais inteligentes, tudo deverá ser integrado em prol de uma interoperabilidade que promova o desenvolvimento de um propósito comum baseado em standards.
Vários países encetaram iniciativas para promover e desenvolver estes hubs de inovação, congregando várias entidades que formam um ecossistema para um propósito comum, tendo em vista um desígnio nacional ou mundial. Em grande medida estes objetivos passam pela criação de uma sociedade mais sustentável, pela promoção da trasição energética e pelo cumprimento de metas climátias. Portugal deverá olhar para estes exemplo, definir claramente os seus objetivos a nível nacional, promover uma economia mais resiliente e digital, bem como definir o seu contributo diferenciador a nível Europeu.
Como em todos os momentos da história, o principal desafio prende-se com a velocidade de adaptação neste percurso de digitalização das empresas. A próxima geração da internet está a expandir-se a uma velocidade bastante considerável e irá impulsionar uma nova onda de transformação digital muito maior do que alguma vez pudemos assistir, com capacidade de alterar a forma como todos vivemos e trabalhamos.
Onde residem os principais desafios para o desenvolvimento desta tendência?
Como em todos os momentos da história, o principal desafio prende-se com a velocidade de adaptação neste percurso de digitalização das empresas. A próxima geração da internet está a expandir-se a uma velocidade bastante considerável e irá impulsionar uma nova onda de transformação digital muito maior do que alguma vez pudemos assistir, com capacidade de alterar a forma como todos vivemos e trabalhamos. A par da adaptação dos modelos de negócio, à medida que a linha entre a vida física e digital das pessoas fica cada vez mais ténue, as organizações têm o desafio de construir um Metaverso responsável – abordando questões como confiança, sustentabilidade, segurança pessoal, privacidade, acesso e uso responsáveis, diversidade e muito mais. As ações e escolhas que fazem hoje vão preparar o cenário para o futuro das suas empresas. Mas, para garantirem o sucesso, as organizações têm de começar a desenvolver as estratégias que lhes vão permitir navegar nesta mudança e posicionar-se na vanguarda desta nova realidade.
Em primeiro lugar, a maioria das empresas não vai desenvolver todas as tecnologias do mundo real internamente e, portanto, a interoperabilidade e a “aliança industrial” entre diferentes produtos de cada empresa será fundamental.
Em segundo lugar, à medida que as empresas ampliam os seus projetos no Metaverso, irão introduzir muitos mais dispositivos conectados e inteligentes e criar novos pontos de entrada que conectam os nossos mundos físico e digital. Cada um destes pontos de entrada abre possibilidades para a inovação e novos tipos de experiências de cliente, mas cada um cria também um risco potencial, pelo que a segurança, a responsabilidade ética e a garantia de privacidade e autenticidade são aspetos cruciais.
Finalmente e embora exista muita incerteza sobre a forma das empresas gerarem valor nesta nova realidade, a experimentação e o desenvolvimento de protótipos são fundamentais para as empresas poderem aprender e ajustar a sua estratégia para o Metaverso.
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“As empresas têm de começar a definir novas estratégias digitais”
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