“As expectativas são de consolidação da nossa posição de liderança nas áreas da cibersegurança”

David Silva Ramalho, associado coordenador da Morais Leitão, assumiu a liderança do novo serviço jurídico de defesa digital da firma. À Advocatus, assumiu estar preparado.

David Silva Ramalho, associado coordenador da Morais Leitão, assumiu a liderança do novo serviço jurídico de defesa digital da firma. À Advocatus, explicou que, após lidarem com vários casos de ataques informáticos e outros processos de cibercrime e prova digital, perceberam que era altura de concentrar o conhecimento adquirido num só serviço.

Sobre o novo desafio, assume estar preparado e que as expectativas são de “conquistar” e “continuar a merecer confiança”. Já o seu percurso profissional de 14 anos descreve-o como uma “evolução linear”.

David Silva Ramalho, associado coordenador da Morais LeitãoHugo Amaral/ECO

Assumiu a liderança do recente serviço jurídico da Morais Leitão, a defesa digital. Em que consiste este novo desafio?

Após lidarmos com variadíssimos casos de ataques informáticos, e outros tantos processos onde se discutiam temas de cibercrime e prova digital, percebemos que era altura de concentrar o conhecimento adquirido num só serviço, com óbvia vantagem para os nossos clientes e para a consolidação da liderança da Morais Leitão nestas áreas. O objetivo foi duplo: primeiro, sistematizar e estruturar as respostas que a experiência nos dizia que podiam ser sistematizadas e estruturadas; segundo, estabelecer, para fins internos e externos, uma equipa altamente especializada, com disponibilidade e capacidade para lidar, de forma eficaz, inovadora e sofisticada, e a todo o tempo, com os problemas jurídicos e tecnológicos que a prática coloca.

Pareceu-nos que a melhor forma de prosseguir estes objetivos seria através de uma estrutura tripartida, que reclama diferentes tipos de expertise, e que estruturámos do seguinte modo: a componente da cibersegurança, que inclui uma vertente preventiva, de implementação de políticas de mitigação de risco e de compliance, e uma vertente reativa, de resposta a incidentes e gestão de crise informática, que inclui o acompanhamento e a implementação das vias de reação em caso de ataque informático, como seja a criação de um ponto único de contacto, a notificação a autoridades independentes, a articulação com autoridades judiciárias e órgãos de polícia criminal, a identificação das fontes de prova digital, a preparação das vias de reação e a gestão de contactos públicos; a componente do cibercrime, que respeita essencialmente ao contencioso penal digital, ou seja, a representação judiciária em processos-crime que envolvam crimes praticados em ambiente digital ou por meio informático, onde incluímos também, pela ampla experiência que temos tido, processos que envolvam criptomoedas e tokens; e, por fim, a componente de prova digital, que separámos do cibercrime, embora muitas vezes surja a ele associado, precisamente porque inclui outras áreas do direito em que estes temas se colocam, como seja o direito das contraordenações.

Por fim, e porque o direito não é uma ilha, estabelecemos parcerias com entidades credíveis e amplamente reconhecidas no domínio das tecnologias de informação, que nos permitem oferecer um serviço completo em cada uma daquelas componentes.

Qual vai ser o seu papel?

O meu papel não será muito diferente do que materialmente já desempenho há vários anos nestas áreas, embora agora de forma mais institucionalizada e suportada, e com a enorme vantagem de ter uma equipa de advogados da Morais Leitão também especialmente dedicados a este serviço. Para além do desenvolvimento e otimização do serviço, que é sempre um trabalho em progresso, cabe-me a mim assegurar que existe uma resposta pronta e integrada a todas solicitações recebidas, acompanhar os processos nas suas diferentes vertentes (técnica, estratégica, etc.), e, claro, promover o crescimento e a continuação da especialização dos advogados mais novos que trabalham nestas áreas.

Após lidarmos com variadíssimos casos de ataques informáticos, e outros tantos processos onde se discutiam temas de cibercrime e prova digital, percebemos que era altura de concentrar o conhecimento adquirido num só serviço.

David Silva Ramalho

Associado coordenador da Morais Leitão

Como foi receber este convite por parte da Morais Leitão?

Em rigor, este convite surgiu já há algum tempo. A Morais Leitão, primeiro dentro do departamento de Criminal, Contraordenacional e Compliance, depois de forma mais transversal, identificou antecipadamente o potencial desta área e, sabendo que eu tinha uma apetência especial por ela, desafiou-me a desenvolver um serviço mais estruturado. O convite foi simpático e generoso, a aceitação foi imediata, mas com consciência da responsabilidade associada. O modelo foi sendo aprimorado, em parte para garantir que organicamente o serviço já existia e fluía com naturalidade antes da sua formalização e divulgação, mas também porque a experiência dos processos, numa área em constante mutação, levou a que o modelo tivesse de ser adaptado, de uma visão inicial mais rígida, para um formato mais flexível. Até que, no final do ano de 2023, houve uma conjugação de pessoas, parceiros tecnológicos e ideias que fez com que o serviço pudesse ser finalmente estruturado como tínhamos idealizado.

Sente-se preparado para este desafio?

Sinto-me preparado em grande medida porque é este desafio. A ideia foi amadurecida, discutida, trabalhada, com tempo suficiente, e este era claramente o momento de avançar. Se fosse outra a área, talvez hesitasse, mas sinto-me confortável quanto a estes temas e com experiência relevante e suficiente para apresentar ao mercado, juntamente com os meus colegas, uma solução inovadora. Ao longo de mais dez anos de dedicação ao contencioso sancionatório, participei em processos que cobrem praticamente todo o espetro de crimes informáticos, lidei com todo o tipo de problemas jurídicos de prova digital, tanto na vertente profissional, como aliás na académica, e tenho tido oportunidade de lidar e de aprender com alguns dos maiores especialistas europeus nesta área em diversos fóruns internacionais sobre estas matérias. Tudo isto leva-me a crer que estaremos em condições de dar uma resposta de primeiro nível a todas as solicitações que temos e viremos a ter nestas áreas.

David Silva Ramalho, associado coordenador da Morais LeitãoHugo Amaral/ECO

Este serviço é composto por quantos membros?

Formalmente são quatro os advogados tendencialmente associados a este tipo de processos. Além de mim, aceitaram este desafio o Nuno Igreja Matos, a Adriana Brás e a Inês Costa Bastos. Mas na prática, e sem contar com os nossos parceiros tecnológicos, somos mais. O nosso departamento conta com quase trinta advogados, e a alocação de processos, mesmo os de crime informático, é feita também em função da especial apetência e experiência de cada um. Temos já advogados que trabalham, dentro do cibercrime, mais com temas de burla por meio informático, outros que têm mais experiência em assuntos relacionados com criptomoedas, e outros em resposta a incidentes, como hacking e ransomware. Esses advogados, por seu turno, trabalham e trabalharão com outros, tendencialmente mais novos, que vão adquirindo experiência nesses e noutros domínios, e assim vão cobrindo as diferentes áreas, não apenas do Contencioso Criminal, mas também, e no que aqui importa, do cibercrime e da prova digital.

Quais são as expectativas para os primeiros meses deste novo serviço?

As expectativas são, antes de mais, de consolidação da nossa posição de liderança nas áreas da cibersegurança e do contencioso de cibercrime e da prova digital. Depois, são de crescimento, claro, primeiro na dimensão e importância dos assuntos que nos são confiados, e mais tarde, em função das necessidades, também na equipa, de modo a conseguirmos manter em permanência os níveis de qualidade e de rapidez que temos conseguido assegurar.

Este segundo objetivo, de crescimento, faz-se de duas formas. Acompanhando cada caso em permanência e com atenção personalizada, para garantir que a qualidade do nosso serviço é refletida nos resultados e em recomendações futuras, mas também procurando fazer saber, perante os nossos clientes e o mercado, que temos o conhecimento, a capacidade técnica e os meios para fazermos aquilo a que nos propomos.

Tudo isto é importante, e é o que podemos e estamos a fazer, mas não basta para conseguirmos captar as oportunidades que surgem. É necessário um último elemento, que não está inteiramente dependente de nós.

A gestão de ataques informáticos tem muito em comum com a representação em processos-crime. Em ambos os casos existem vulnerabilidades, fragilidades, pontos fortes e pontos fracos, opções a tomar, estratégias a seguir, narrativas diferentes, análises de indícios e conclusões a retirar. Mas talvez o ponto principal que têm em comum seja a necessidade de se confiar totalmente no advogado que os lidera. Essa confiança, esse último elemento, que exige transparência e honestidade do cliente e sentido de responsabilidade do advogado, depende de um encontro de vontades. A nossa expectativa, nestes meses e não só, é precisamente conquistar e continuar a merecer essa confiança.

O modelo foi sendo aprimorado, em parte para garantir que organicamente o serviço já existia e fluía com naturalidade antes da sua formalização e divulgação.

David Silva Ramalho

Associado coordenador da Morais Leitão

Integra a Morais Leitão desde 2016. Como têm sido profissionalmente estes cerca de sete anos?

Entrei na Morais Leitão já como advogado. Trazia comigo hábitos próprios, adquiridos em três escritórios, que talvez fossem produto da autonomia que sempre me foi dada para gerir os processos, e que, entre outros efeitos, se refletiam num estilo de advocacia mais individualista e, à falta de melhor expressão, “controlador” dos processos. Contrariamente ao que seria de esperar, não me foi pedido que mudasse. Pelo contrário, da Morais Leitão sempre recebi a mensagem de que se preza mais a liberdade dos advogados do que a sua conformidade e que a diferença é, ou pode ser, um valor em si mesmo.

Curiosamente, este modo de ver a advocacia em sociedade, como um conjunto de indivíduos altamente qualificados que trabalham de forma diferente para resolver problemas jurídicos a favor dos clientes, ao invés de fomentar o individualismo, estimula o trabalho em equipa. Torna-o a solução natural, precisamente por ser a forma mais eficaz e completa de oferecer respostas aos problemas que temos de resolver.

Isto para dizer que estes anos na Morais Leitão têm sido anos de evolução e adaptação a um modelo de trabalho que privilegia as relações de equipa e que encontra complementaridade na diversidade. Com isto não vou dizer que perdi definitivamente a tal pretensão de controlar os processos, até porque me parece que é mal de que padecem os advogados de contencioso em geral, mas sou hoje um advogado diferente do que era quando entrei, no sentido em que procuro ativamente trabalhar com outros advogados em diferentes processos, para melhorar a qualidade da nossa resposta.

No que concerne às suas áreas de especialização – criminal, contraordenacional e compliance – quais são as principais mudanças que precisam de ser feitas com urgência?

A resposta não é fácil porque pode ser dada em pelo menos quatro planos: o da política criminal, o da legislação, o dos meios e o da prática. E é difícil dizer quais são as mudanças mais prementes porque existem questões que revestem maior importância num concreto processo ou num concreto momento do que noutro, pelo que qualquer resposta poderá ter alguma dose de injustiça e arbitrariedade.

No entanto, se tivesse de identificar as principais mudanças que hoje me parecem urgentes, começaria por uma estrutural, uma legislativa e uma operacional.

A estrutural passa pela necessidade de repensar o modelo de Ministério Público (MP) que temos. O MP não é um sujeito processual imparcial, e é normal que não seja, considerando que é quem conduz a investigação e quem tem a seu cargo a defesa da acusação, e por isso não faz sentido ficcionar que o é. Aliás, tanto não é imparcial que em 2019 a Procuradoria-Geral Distrital do Porto deu instruções aos seus procuradores para não pedirem absolvições em vários casos que tivessem repercussão mediática. Mais vale assumi-lo abertamente e extrair as consequências necessárias dessa assunção. Essas consequências são várias, mas incluem reforçar a sindicabilidade das suas decisões e dos seus atrasos, reforçar o papel do juiz de instrução, enquanto juiz das liberdades, criar a figura do procurador do processo, que acompanha o processo desde o inquérito até ao recurso, e retirar os gabinetes dos procuradores dos tribunais, onde estão paredes-meias com os juízes.

A segunda medida, de natureza legislativa, passaria por uma revisão do nosso regime processual penal em matéria probatória, de modo a consolidar num só código os métodos de obtenção de prova, criando um regime próprio e transversal para os métodos ocultos, e prevendo na lei, com clareza e requisitos próprios, os métodos que à data de hoje não resultam diretamente da lei e que, ainda assim, são usados, nuns casos de forma mais transparente que noutros, para a recolha de prova, num quadro legal que só com muita benevolência se colocaria numa zona cinzenta.

Por fim, e no que respeita à investigação criminal, simultaneamente reforçaria os meios atribuídos à polícia para investigar e retiraria da esfera de competências da Polícia Judiciária as bagatelas penais que ocupam as mesas dos inspetores, ao lado de processos de muito maior complexidade. E fá-lo-ia, não apenas para aumentar a eficácia da investigação criminal, que interessa a todos, mas também para proteger os arguidos. É que a prática demonstra que a falta de meios da investigação criminal acaba por prejudicar as garantias de defesa. É o arguido que tem de suportar os atrasos da investigação, muitas vezes tendo de apresentar a sua defesa antes de as perícias estarem concluídas, porque o MP decide acusar sem esperar pelos resultados; é o arguido que tem de ver os prazos de duração do inquérito sucessivamente prorrogados, por vezes com o alargamento de prazos de prisão preventiva, por a investigação não ter meios para investigar mais depressa; e é o arguido que nas fases seguintes do processo arca com as consequências das demoras excessivas do inquérito, com constantes decisões em benefício da celeridade processual e em prejuízo dos seus interesses (e já agora dos seus direitos).

David Silva Ramalho, associado coordenador da Morais LeitãoHugo Amaral/ECO

Com cerca de 14 anos de experiência, como descreve o seu percurso profissional?

Procurando uma expressão composta, talvez escolhesse evolução não linear. Comecei o estágio no escritório de Carlos Pinto de Abreu, ainda antes de ser sociedade de advogados, numa boutique de direito penal, onde tive a sorte de trabalhar com vários advogados experientes, que desde o início depositaram total confiança mim. Intervim em muitos processos, mediáticos e não mediáticos, lidei com todo o tipo de crimes, e fi-lo sempre com tempo para analisar todas as questões que se colocavam, sem preocupações de lançamento de horas, sem as burocracias e formalidades que as grandes estruturas exigem, com contacto direto com os clientes, e, talvez mais importante, ou pelo menos mais distintivo, com várias oportunidades de assumir a defesa de clientes em julgamento (creio que, passados todos estes anos, já posso confessar que o primeiro julgamento que fiz foi também o primeiro julgamento a que assisti). Foi nessa altura que comecei a desenvolver o meu interesse pela área do cibercrime e da prova digital e que comecei a frequentar as primeiras conferências internacionais sobre o tema.

Depois mudei para a CMS Rui Pena & Arnaut, um escritório consideravelmente maior, de dimensão internacional, onde comecei a minha atividade numa área com contacto menos regular com o contencioso criminal, até finalmente transitar para o departamento de Contencioso, onde permaneci o tempo remanescente. Recebi depois um convite para a Sérvulo & Associados, pela mão da minha, então patrona e agora amiga, Teresa Serra, onde vim a concluir o estágio e a passar os primeiros três anos da minha carreira, num ambiente em que a advocacia de contencioso e a academia conviviam abertamente e com grande proveito. Foi nesse período que concluí o mestrado e que comecei a dar aulas de Direito Penal e Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde permaneço até hoje. E foi nessa fase que começaram também a surgir os convites, que felizmente permanecem até hoje, para participar em diversas conferências, nacionais e internacionais, em matéria de cibercrime e prova digital.

Por fim, na segunda metade de 2016, fui contactado pelo Tiago Félix da Costa, que queria saber se eu estaria interessado em mudar-me para a Morais Leitão. Depois de algumas conversas, também com o Rui Patrício, fizeram-me uma oferta que não pude recusar e até hoje aqui continuo, com o maior gosto e também com a maior convicção no acerto da minha decisão.

Qual foi o melhor conselho que lhe deram na sua carreira?

É difícil identificar um conselho que se destaque. Os melhores conselhos que recebi foram sempre não verbais e não direcionados. Foram pelo exemplo, e desses tenho recebido muitos ao longo da minha carreira. Mas para não fugir à questão, se tivesse de escolher um, talvez fosse o que me foi dado há uns meses, por um advogado de onde recebi vários exemplos, e que foi, mais vírgula menos vírgula, qualquer coisa do género “tu podes ser muito forte, mas só consegues subir se tiveres quem te ajude a carregar os pesos”.

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