Dos edifícios verdes às renováveis e aos carros a hidrogénio.”Espaço pode acelerar a transição energética”

Chiara Manfletti, presidente da Portugal Space, garante que há uma longa lista de tecnologias espaciais que podem contribuir para uma maior sustentabilidade na Terra. Saiba quais são.

É já nesta sexta-feira, 5 de junho, Dia do Ambiente, que a Agência Espacial Europeia e a Comissão Europeia vão apresentar a nova plataforma RACE – Rapid Action Coronavirus Earth, uma ferramenta importante que permitirá o acesso aos principais indicadores ambientais, económicos e sociais para medir o impacto dos planos de confinamento implementados nos diferentes países da Europa, bem como acompanhar o evoluir da retoma da atividade económica.

Em entrevista ao ECO/Capital Verde, Chiara Manfletti, presidente da Portugal Space, garante que há uma longa lista de tecnologias espaciais que podem contribuir para uma maior sustentabilidade na Terra. E dá exemplos: desde o desafio lançado pela Agência Espacial Europeia para a criação de novas soluções para “edifícios verdes” com base em tecnologia espacial; até navios autónomos guiados por GPS e portos marítimos cada vez mais eficientes e sustentáveis.

O Espaço tem ainda respostas para uma gestão mais eficiente da produção de energias renováveis ou para a gestão das florestas e prevenção de incêndios, sem esquecer a luta contra o plástico nos oceanos. Há ainda a questão do lixo espacial: são mais de 750.000 detritos perigosos na órbita da Terra.

Que papel tem o Espaço na transição energética europeia?

Li o Green Deal e fiquei muito desiludida porque o Espaço não é mencionado uma única vez no documento. E é pena porque pode fazer muito para ajudar. Pode ser porque ainda não se sabe muito sobre isto, ou por outros motivos. Quando há políticas há sempre interesses por trás delas. O lobbying industrial tem um grande impacto nas políticas delineadas pela Comissão Europeia. Há muita especulação. Para mim o Espaço é essencial, e tal como a transição digital deve estar presente em todos os setores. Há muitos exemplos: lá de cima vemos onde há mais procura de energia e mais exposição solar, ao mesmo tempo, o que pode ajudar na implementação de energias renováveis; para otimizar a utilização de energia eólica, temos um projeto que mede a velocidade do vento e permite fazer perfis em três dimensões e ajudar a decidir qual o melhor sítio para instalar uma central eólica. Pode-se usar a informação da observação terrestre para criar cidades mais verdes, mais sustentáveis. Quando vemos as cidades de cima, vemos onde há mais procura de energia e mais sol, o que permite instalar painéis solares e tornar os edifícios mais verdes e energeticamente independentes. Os dados espaciais permitem acelerar a transição energética e aumentar a eficiência.

Algumas das imagens mais fortes do confinamento, primeiro na China e depois na Europa, foram obtidas a partir do Espaço, mostrando uma redução dos níveis de poluição na atmosfera.

Uma imagem vale mais do que mil palavras. Mostrar o antes e o depois Covid-19 em termos de poluição fez aumentar a consciência e chocou as pessoas. Podemos fazer zoom a cidades e países e mostrar às pessoas o que está a acontecer perto de si, à sua volta, no seu bairro, na sua rua. As responsabilidades são partilhadas, o que acontece com o meu carro, com a minha casa, com a minha rua, afeta o mundo. Por isso temos de mostrar o impacto das suas ações. Os cientistas descobriram que os vírus têm comportamentos diferentes em função da temperatura ao longo do ano. Aqui, o Espaço pode ajudar com padrões meteorológicos, para ajudar a prever o que vai acontecer com uma possível segunda vaga.

O Espaço ajudou a aumentar a consciência para as alterações climáticas?

O Espaço tem muito mais potencial do que apenas mostrar imagens da poluição atmosférica. A pandemia trouxe evidências e mostrou toda a informação que o Espaço pode dar, mas é muito mais do que isso. Mais do que mostrar, permite agir. O Espaço permite-nos ver o mundo de cima, o que tem muitas vantagens. No que toca ao ambiente e ao clima há mais de 50 variáveis, que incluem os oceanos, por exemplo. Destas variáveis, mais de metade (26) podem ser observadas e medidas a partir do Espaço. Esta já é uma contribuição concreta. Sim, vimos imagens relativas às emissões, à produção de óxido nitroso. Mas no futuro, o desenvolvimento da nova missão Sentinel, passa por medir também as emissões de metano para a atmosfera. Isto porque estamos a enviar sondas para Marte, à procura de vida através da presença deste gás, e podemos fazer o mesmo na Terra, medindo o metano e o CO2 produzido no planeta por humanos. As imagens dos satélites mostram o impacto direto da Humanidade no ambiente. E porque não um dia medir os níveis de ruído?

Uma imagem vale mais do que mil palavras. Mostrar o antes e o depois Covid-19 em termos de poluição fez aumentar a consciência e chocou as pessoas. Podemos fazer zoom a cidades e países e mostrar às pessoas o que está a acontecer perto de si, à sua volta, no seu bairro, na sua rua.

Chiara Manfletti, presidente da Portugal Space

Como é que o Espaço pode ajudar a resolver outros problemas?

O exemplo mais simples e imediato que posso dar, do nosso dia-a-dia, é a previsão meteorológica, que vem dos satélites e que permite prever tempestades e furacões. Mas há mais exemplos. Imagine que podíamos prever uma erupção vulcânica de grandes dimensões, e antecipar grandes níveis de destruição e de poluição decorrentes dessa erupção. No caso de Portugal, ao olharmos para o país a partir do Espaço podemos medir muitas coisas: se há árvores ao pé de torres e linhas elétricas, que possam causar incêndios em períodos de seca; a percentagem de biomassa nas florestas, para saber a quantidade de madeira em risco de arder e prevenir essa situação através da gestão do território. Em 2022 vai ser enviado para o espaço um satélite para fazer estas medições de biomassa. É possível também medir o grau de seca dos terrenos em Portugal. E podemos juntar os dados dos satélites com a informação recolhida localmente, através de sensores. Podemos também prever os ventos — velocidade, direção, intensidade — e usar essa informação no combate aos fogos. Isto podia ter ajudado nos incêndios da Austrália, mas ainda não estava totalmente desenvolvido. Da mesma forma, podem ser localizadas minas e pedreiras, para encontrar reservatórios de água.

Falou nos oceanos. Como é que a tecnologia espacial pode ajudar protegê-los?

Trata-se do AI Moonshot Challenge, um projeto que combina inteligência artificial com observação terrestre para identificar plásticos nos oceanos. É um enorme desafio. O plástico é algo muito difícil de identificar de uma distância de 600 km, muitas vezes pela sua pequena dimensão. Os derrames de petróleo são outro problema, que podem ser monitorizados do Espaço para mitigar os seus impactos negativos. Mas há mais exemplos ligados à natureza e aos transportes.

Tais como?

Há uma missão espacial para perceber de onde veio a água do planeta Terra. Uma das teorias é que veio de cometas, Por isso a Agência Espacial Europeia desenvolveu uma sonda para ser enviada a cometas e analisar a presença de água, com uma câmara integrada que está agora também a ser usada em florestas, no topo da árvores, para identificar vapor, nevoeiro ou fumo resultante de incêndios. É mais um exemplo de transferência de tecnologia espacial para ajudar a travar as alterações climáticas. Algumas destas soluções já são uma realidade, outras ainda estão em desenvolvimento. Outra experiência a decorrer na Estação Espacial Internacional tem a ver com plantas e as suas raízes, onde há uma enzima que ajuda as plantas a procurar fontes de água. Se esta enzima for estimulada, as plantas vão dirigir as suas raízes para o sítio certo, em sítios onde haja menos água. As plantas vão tornar-se mais resistentes à seca. Nos transportes, tendo em conta que no Espaço se usa oxigénio líquido e hidrogénio líquido como combustíveis para os motores dos foguetões, em França uma empresa de táxis já desenvolveu um projeto para criar táxis que andam a hidrogénio, por exemplo. Do espaço não se tiram apenas fotografias, há uma real transferência de tecnologia para a transição energética.

No caso de Portugal, ao olharmos para o país a partir do Espaço podemos medir muitas coisas: se há árvores ao pé de torres e linhas elétricas, que possam causar incêndios em períodos de seca; a percentagem de biomassa nas florestas, para saber a quantidade de madeira em risco de arder e prevenir essa situação através da gestão do território. Em 2022 vai ser enviado para o espaço um satélite para fazer estas medições de biomassa. É possível também medir o grau de seca dos terrenos em Portugal

Chiara Manfletti, presidente da Portugal Space

A tecnologia espacial vai permitir que um dia os navios circulem sozinhos pelos oceanos, sem mão humana?

Visitei uma empresa no Reino Unido que tem uma tecnologia que permite observar os portos do espaço: os navios que entram e saem, quantos são, de que tipo são, o que transportam, que rotas fazem. Com essa informação, usam os dados para ver como os preços dos produtos transportados vão evoluir ao longo do tempo, para que os investidores saibam quando comprar e quando vender. É uma mais-valia para as empresas e para a economia. Outro projeto permite usar as comunicações via satélite (GPS) e também da superfície terrestre para permitir uma navegação autónoma dos navios que transportam mercadorias ou patrulham os oceanos. Podemos otimizar rotas, tendo em conta dados meteorológicos e a observação terrestre. Ou seja, algo como o naufrágio do Titanic nunca teria acontecido, porque os satélites teriam avisado sobre a presença de um icebergue na rota marítima do navio. Os navios autónomos também permitem poupar combustível e uma operação mais eficiente nos portos.

Falamos de quê quando falamos de lixo espacial?

O lixo espacial é um tópico importante. Há um número significativo de detritos lá em cima e cada um deles é uma ameaça. Significa que estamos a deixar lixo no espaço e isso não me agrada. Estes detritos viajam a alta velocidade e podem colidir com satélites, danificando-os ou retirando-os da sua órbita. Podemos ficar sem comunicações, acaba-se o GPS, por exemplo. Para começar temos de atualizar a base de dados e pensar como vamos retirar o que lá está em cima e trazer para a superfície terrestre. E depois garantir que em missões futuras, o que vai para o Espaço regressa e é reciclado da forma correta. Podem não ter sido os europeus a pôr este lixo espacial lá em cima, mas achamos que temos essa obrigação. Daí ser importante que as empresas que trabalham no espaço estejam atentas à necessidade de criar soluções sustentáveis, como sejam satélites que possam autodestruir-se quando chegam ao fim de vida ou conseguir ir ao espaço buscar satélites que já não estão em operação. Portugal vai contribuir com projetos de inteligência artificial para ajudar a resolver o problema do lixo espacial. O país pode e deve contribuir com tecnologia de ponta e liderar este processo.

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