Eugénio Rosa: “Montepio precisa do apoio do Estado. Não em dinheiro, mas em garantia”

Eugénio Rosa candidata-se novamente à liderança da Associação Mutualista devido à situação difícil do grupo. Se for eleito, vai cortar os salários e benesses atribuídos ao conselho de administração.

Eugénio Rosa volta a apresentar-se às eleições para a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), que terão lugar a 17 de dezembro, devido à situação “extremamente difícil” do grupo. O candidato da Lista C considera que a instituição precisa de apoio do Estado, mas não em dinheiro. “É um apoio mais de garantia, como aquilo que o ministro Mário Centeno disse uma vez no Parlamento, de que não deixaria cair o Montepio. (…) É preciso reforçar esse apoio”, afirma em entrevista ao ECO.

Se vencer as eleições para a maior mutualista do país, Eugénio Rosa, 80 anos, adianta que a primeira medida que tomará será reduzir as benesses e remunerações do conselho de administração. O atual presidente da AMMG ganha mais de 30 mil euros por mês, mas Eugénio Rosa quer cortar para metade. “A administração tem de dar o exemplo aos trabalhadores”, argumenta.

Quais são os objetivos da sua candidatura?

Já não é a primeira vez que concorro às eleições. Concorro novamente porque a Associação Mutualista e o grupo Montepio enfrentam uma situação extremamente difícil. Achei que não podia “abandonar o barco”, embora antes de me candidatar tenha feito um esforço para se criar uma lista de unidade. Propunha-me a não ir para o conselho de administração, mas ficar no conselho fiscal, a fiscalizar e a ter uma intervenção. Não foi possível essa unidade, porque a outra parte queria ficar com totalidade dos lugares do conselho de administração.

Estamos a falar da lista B?

Sim. Queriam ter a maioria absoluta do conselho de administração, mas nós não pudemos aceitar isso, a unidade não se constrói desta forma.

Sempre defendi que, devido à situação grave que enfrenta o Montepio, era preciso constituir uma lista de unidade, pois só unindo essas forças é que a gente podia recuperar o Montepio. Não foi possível. A minha intenção mantém-se: se formos eleitos, construíremos essa unidade mesmo após estas eleições. Vai ser um objetivo fundamental. Sem unidade não conseguimos resolver os problemas do Montepio.

Se ganhar as eleições, vai conversar com as outras listas?

Procurarei encontrar uma plataforma comum, porque há pessoas que considero muito válidas nas outras listas. Há que juntar esforços. Embora haja diferenças, naquilo que é fundamental para recuperar o Montepio será preciso encontrar uma plataforma comum que permita ao conselho de administração e aos restantes órgãos funcionarem numa mesma direção que é a recuperação do Montepio.

Como vê a situação financeira da mutualista e de todo o grupo?

Temos dois problemas. Um dentro da Associação Mutualista, que resulta da má aplicação das poupanças dos associados, e o grande problema que está nas empresas onde essas poupanças estão aplicadas essas poupanças.

Uma parte substancial das poupanças dos associados está aplicada banco. As poupanças dos associados na Associação Mutualista andam à volta dos três mil milhões de euros. São poupanças de uma vida das pessoas. A garantia dessas poupanças, do reembolso e da rentabilidade, é fundamental.

A situação é absolutamente complicada. A compra do Finibanco foi através da Associação Mutualista, através de uma OPA. Depois a Associação Mutualista financiou a Caixa Económica Montepio Geral com 450 milhões de euros de poupanças dos associados e foi com esse dinheiro que a Caixa Económica comprou o Finibanco à Associação Mutualista.

Depois, houve uma política de concessão de crédito por parte da Caixa Económica [hoje em dia Banco Montepio] sem uma análise do risco, com as sucessivas administrações de Tomás Correia. Concederam-se créditos que depois não se cobraram, perderam-se mais de mil milhões de euros de crédito. Houve depois uma delapidação do capital do banco e a Associação Mutualista foi obrigada a recapitalizar o banco com poupanças dos associados. Tomás Correia e os seus amigos dizem que não tiveram de recorrer à ajuda do Estado, mas foram ao bolso dos associados. Uma parte das poupanças que foram investidas no Banco Montepio para o recapitalizar acabaram por se perder. Se eu somar essas poupanças ao capital social do banco que existia, quando se adquiriu o Finibanco, dá 2.400 milhões de euros. Mas os capitais próprios do banco, o que existe, é de apenas 1.300 milhões. Portanto, a diferença desapareceu.

Existe o risco de cortar os benefícios dos associados?

Eu espero que não.

E de haver alguma intervenção do Governo?

Nós criticamos muito a situação na associação mutualista, mas não nos limitamos a criticar. Nós elaboramos um plano, com a participação de associados, que se chama “Contributos para o plano de recuperação e viabilização”. Enviei-o a todos os órgãos de poder, do Presidente da República aos reguladores, até para um dia mais tarde para não dizer que não avisamos atempadamente. Em Portugal geralmente vem-se com a desculpa de que não se sabia, o que não será o caso aqui. Temos alertado continuamente.

Uma das coisas que nós defendemos é que precisamos do apoio do Estado, mas não em dinheiro. É um apoio mais de garantia, aquilo que o ministro Mário Centeno disse uma vez na Assembleia da República que o Governo não deixaria cair o Montepio. Muitas vezes bastam as palavras, como aconteceu quando Draghi fez em relação ao euro.

Não tem esse conforto do Governo?

O Governo e o António Costa na altura disseram isso, é preciso reforçar esse apoio. O Montepio precisa de ir ao mercado para obter meios financeiros para libertar o banco dos créditos improdutivos, os NPE. Tem mais de 1.000 milhões de euros de créditos que não produzem nada, mas comem capital, reduzem os rácios de capital. É preciso passá-los para uma empresa.

No nosso plano defendemos que isso passe para o Banco de Empresas Montepio. Não se justifica uma Associação Mutualista ter dois bancos, um concorrente do outro. O Banco de Empresas Montepio está a ser financiado pelo Banco Montepio, o Banco Montepio está a ser financiado pela Associação Mutualista. Passava para o Banco de Empresas Montepio e depois vendia o banco.

Precisamos do apoio do Estado, mas não em dinheiro. É um apoio mais de garantia, aquilo que o ministro Mário Centeno disse uma vez na Assembleia da República que o Governo não deixaria cair o Montepio. Muitas vezes bastam as palavras, como aconteceu quando Draghi fez em relação ao euro.

Eugénio Rosa

Candidato da Lista C ao Montepio

Há hipótese de recuperação dos ativos por impostos diferidos no futuro ou é um vislumbre para segurar o balanço?

Foi uma situação para enganar os associados e que prejudicou a própria Associação Mutualista. Por lei, estava isenta do pagamento de impostos por ser uma mutualista. Devido aos prejuízos acumulados pelo Banco Montepio e pela Lusitânia, a Associação Mutualista teve de constituir cerca de 1.080 milhões de euros de imparidades. Aquilo desequilibrou completamente os capitais próprios da Associação Mutualista. De um momento para outro criou-se um ativo de 800 milhões de euros, através de uma manobra contabilística, que não corresponde a um ativo real.

Aqueles ativos por impostos diferidos – tirando os relativos aos prejuízos – são ativos por diferenças temporárias que não representam qualquer ativo real. Eu com aqueles ativos não posso reembolsar os associados, não posso entregar um ativo por imposto diferido que não serve para nada.

Os ativos por impostos diferidos têm de ser eliminados de forma gradual, senão aparece ali um buraco tremendo. É mais um desafio que precisa de tempo. É por isso que digo que a garantia do Estado serve para ganhar tempo em relação ao enorme valor que foi destruído e para não se perder a poupança dos associados.

Defende uma redução das remunerações da administração. Porquê?

O que me choca numa associação mutualista é que não haja transparência. As remunerações dos administradores não são publicadas, isso é uma coisa inconcebível.

Como é que nós soubemos as remunerações dos administradores? Em determinada altura, a administração da Associação Mutualista também era a administração do banco. E, pelas normas do Banco de Portugal, teve-se de publicar as remunerações dos administradores. Nessa altura constatámos que o presidente da Associação Mutualista, na altura Tomás Correia – e as remunerações nunca foram diminuídas – ganhava 31 mil euros por mês brutos e os outros administradores cerca de 25 mil ou 26 mil euros.

Além disso, têm um conjunto de benesses. Têm carros de alta gama com todas as despesas pagas pela Associação Mutualista. A determinada altura tive um conflito com Tomás Correia, porque queria comprar carros da marca Jaguar com a justificação de que não ia comprar Mercedes porque a chanceler alemã Angela Merkel estava a comportar-se mal com Portugal. Ainda comprou um ou dois. Eu disse-lhe que era um escândalo.

Outro aspeto que acho importante numa associação: as pensões dos administradores. Enquanto os trabalhadores para terem uma pensão completa precisam de 40 anos de descontos, na Associação Mutualista, cada ano de serviço vale 5%. Ou seja, ao fim de 20 anos de serviço, um administrador tem direito à pensão completa. Em metade do tempo de um trabalhador normal.

Eugénio Rosa, candidato à presidência da Associação Mutualista Montepio Geral, em entrevista ao ECO - 15NOV21

Quanto é que se veria receber como presidente da Associação Mutualista?

Da outra vez, quando me candidatei, disse que se fossemos eleitos que iria reduzir as remunerações do conselho de administração para metade. E já eram suficientemente bem pagos. Não discuti este aspeto com os membros da lista, mas a redução vai ser moralizada.

A administração tem de dar o exemplo. Se a gente pede aos outros, a primeira coisa que temos de fazer é dar o exemplo.

A sua lista também procura ajudar a resolver o problema da habitação. O que propõe em concreto?

O Montepio tem as residências, mas a maior parte das residências é pedido à volta de 3.000 euros. A grande maioria dos associados não tem acesso às residências. Poucos associados podem pagar 3.000 euros para poderem estar ali. E elas são caras também porque foram construídas em zonas de luxo, como o Oriente [em Lisboa] e Cascais.

A nível do banco há muitos apartamentos que foram entregues em dação, isto é, quem adquiriu o imóvel com crédito do banco não conseguiu reembolsar o empréstimo. E o banco tem centenas de apartamentos dessa natureza. Há que recuperar essas habitações e depois, com rendas acessíveis, cedê-las aos associados. Mas tem de ser para os associados.

A gente não construiu as residências para os não associados.

A determinada altura tive um conflito com Tomás Correia, porque queria comprar carros da marca Jaguar com a justificação de que não ia comprar Mercedes porque a chanceler alemã Angela Merkel estava a comportar-se mal com Portugal. Ainda comprou um ou dois. Eu disse-lhe que era um escândalo.

Eugénio Rosa

Candidato da Lista C ao Montepio

O banco é pressionado pelos reguladores para vender tudo o que não são ativos estratégicos e problemáticos, como os imóveis. Como isso se coaduna com esse objetivo?

Podia ser passado para uma sociedade que se encarregasse de fazer essa gestão. Há algumas habitações que já estão a ser geridas nesse modelo.

Mais: agora era aproveitar o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], que tem uma parte dedicada à habitação. O Montepio podia entrar nesse projeto global do Governo, para construir e criar soluções para colocar no mercado habitações a preços acessíveis.

Ao nível da oferta dos produtos mutualistas, a oferta atual responde às necessidades dos associados?

Acho que houve um desvirtuamento da oferta que provocou toda esta situação. Em determinada altura, o fascínio do dinheiro foi alcançado não com um produto mutualista – que são produtos atuariais a médio e longo prazo –, mas foi fundamentalmente conseguido com o produto Capital Certo. Hoje tem outro nome que é o Poupança Mais. Todos os anos a AMMG captou centenas de milhões de euros com o Capital Certo. Aquilo ofuscou e deslumbrou a administração de Tomás Correia. Foi nessa altura que comprou a Real (Seguros), depois incorporada na Lusitânia, onde criou problemas tremendos. Depois comprou o Finibanco. Toda esta situação [do Montepio] originou-se a partir de um produto que não é mutualista, é um produto de capitalização e criou uma situação tremenda à AMMG.

Atualmente, quase 80% das poupanças recebidas pela AMMG são de produtos de capitalização, ou seja, de curta duração, a três anos ou cinco anos, com a possibilidade de o associado levantar isso em qualquer momento. Isso pode criar problemas de liquidez.

As poupanças são aplicações de curta duração, são aplicadas em empresas que são investimentos de longa duração, há aqui um desfasamento. Esta situação de ser revertida gradualmente, criando-se produtos mutualistas: produtos como complementos de reforma. Não cria e não gera grandes riscos de liquidez.

Tem de se compatibilizar os produtos de acordo com a duração dos investimentos. Essa preocupação não existe.

Qual será a primeira medida que tomará se vencer as eleições?

Reduzir as benesses e remunerações do conselho de administração. Não resolve o problema do Montepio, tem um impacto financeiro, mas é uma medida simbólica que diz que daqui para a frente vai ser diferente. É um sinal que queremos dar, vou fazer com que todos os associados tenham conhecimento.

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