A liderar um dos consórcios da IA no PRR, a Unbabel tem dois produtos já em fase de protótipo. Arranca até final do ano o que se destina a ajudar pacientes com esclerose múltipla lateral a comunicar.
Comunicar sem falar, usando apenas um interface que liga o cérebro ao computador. Tradução fidedigna de materiais críticos, como informação médica. Estes são dois dos projetos que a Unabel está a desenvolver no âmbito do consórcio de inteligência artificial (IA) financiado em 75 milhões de euros pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Até ao final do ano, pacientes com esclerose múltipla lateral da Fundação Champalimaud vão testar o sistema de comunicação potenciado pela IA.
“O primeiro caso de uso deste produto será com pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA). Estamos a colaborar com a Fundação Champalimaud para termos pacientes ELA a usar esse aparelho. Já temos pacientes teste desejosos de experimentar”, adianta Vasco Pedro, cofundador da Unbabel e CEO da scaleup que lidera o consórcio de IA. “A expectativa é que, até o final do ano, já estarão pessoas a utilizar este produto, mas estamos rapidamente a evoluir no sentido de um produto para consumidores”, acrescenta.
Com a explosão da IA, acelerou igualmente a discussão sobre a necessidade de uma legislação que regule esta “máquina poderosa”. “A Europa estava a trabalhar já no pacote legislação para a IA pré ChatGPT e ficou um bocadinho desatualizada. Há que voltar um bocadinho atrás e repensar como é que isso se aplica agora. Mas essa legislação tem que acontecer”, defende.
Lideram um dos consórcios de IA no PRR. Têm um pipeline grande de projetos: 75 milhões para criar 21 produtos de IA, 210 postos de trabalho, atribuir 132 mestrados e doutoramentos e gerar 250 milhões de euros em exportações até 2030, soube-se em novembro. Em que fase está?
A melhor pessoa para falar sobre o consórcio é o Paulo Dimas, CEO do Centre for Responsible AI, está muito mais a par dos pormenores das diferentes equipas. Como board member tenho alguma visibilidade, dentro da Unbabel os projetos estão a avançar bastante rápido, até mais do que pensávamos. Há um apetite enorme no mercado, o momento é super positivo. Estamos já neste momento a considerar fazer spin-offs de alguns dos produtos para as suas próprias empresas. Os produtos estão no ponto em que vão começar a ser consumidos rapidamente. Aliás, uma das demos que estava a fazer aqui em São Francisco é de um produto que vamos lançar dentro do PRR que está a ter bastante entusiasmo.
Estamos a colaborar com a Fundação Champalimaud para termos pacientes ELA a usar esse aparelho. Já temos pacientes teste desejosos de experimentar. É uma diferença gigantesca para poder comunicar com as suas famílias, são pessoas numa situação dificílima que não conseguem comunicar de maneira nenhuma.
Será o da “criação de um interface cérebro-computador que permite ao ser humano comunicar sem ter que falar”, como descreve em entrevista? Mais parece ficção científica.
Temos o primeiro protótipo que já funciona. É agnóstico à língua. Em breve vamos fazer uma demo deste produto para a imprensa, para poderem ver aquilo funcionar. O primeiro caso de uso deste produto será com pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA). Estamos a colaborar com a Fundação Champalimaud para termos pacientes ELA a usar esse aparelho. Já temos pacientes teste desejosos de experimentar. É uma diferença gigantesca para poder comunicar com as suas famílias, são pessoas numa situação dificílima que não conseguem comunicar de maneira nenhuma. É bastante comovente.
A ideia é avançar com um piloto?
A expectativa é que, até o final do ano, já estarão pessoas a utilizar este produto, mas estamos rapidamente a evoluir no sentido de um produto para consumidores, para um caso de usos muito mais lato. Ainda há bastantes dificuldades técnicas a ultrapassar. O primeiro protótipo está a funcionar bastante bem, mas não é uma primeira versão. Mas já é muito entusiasmante. As pessoas quando veem pensam que é magia.
Esse seria então um dos dos 21 produtos que estão a ser pensados no âmbito do consórcio.
O outro produto, dentro da Unbabel, passa por usar [os sistemas da] Unbabel para permitir a tradução do que chamamos de texto crítico, do domínio médico ou legal, que precisam de um nível de erro baixíssimo, que tem um risco grande, mas que, por sua vez, são grandes impedimentos para que empresas como a Bial, por exemplo, conseguirem fazer estudos clínicos a nível global, de uma maneira escalável e que impedem a criação e o avanço de novas tecnologias na área da medicina.
Esse produto será com a Bial?
A Bial é uma das tomadoras de tecnologia no consórcio. Há uma série de empresas associadas ao consórcio para serem tomadores, a dizer que querem ser early adopters dos produtos a serem criados. Todo o design do consórcio é criado para ter o mínimo de burocracia necessário, permitir flexibilidade aos participantes para levar rápido estes produtos ao mercado.
Além do ChatGPT, cada vez mais, estão a ser lançados outros modelos, será mais fácil criar um modelo, cada organização — ou até mesmo cada pessoa — ter o seu próprio modelo, constantemente a evoluir funcionando como copiloto (da atividade humana).
Há muito que a IA faz parte da nossa vida, mas com o ChatGPT as posições oscilam entre ‘esta é a salvação’ e a ” Skynet está prestes a acontecer’. Há empresas e países a proibir o uso do ChatGPT, a Europa fala em regulação para a IA, tudo isto, num momento em que estão a desenvolver produtos.
Tudo o que estamos a fazer é dentro do conceito de IA responsável, uma inteligência artificial fidedigna, sem preconceitos, que não cause danos ao ambiente. Uma série de pilares que encaixam, incrivelmente bem, nesta discussão que se está a ter.
A tecnologia de large learning models — baseada num algoritmo que usa técnicas de deep learning e uma enorme quantidade de dados para produzir novos conteúdos –, a que o ChatGPT está associado, está e vai ser muito transformadora. A tecnologia em si não é nova, mas muito pouca gente conseguia prever que, ao escalar a uma certa dimensão, havia de ter o aumento de performance que teve. Essa tecnologia não vai desaparecer, pelo contrário.
Além do ChatGPT, cada vez mais, estão a ser lançados outros modelos, será mais fácil criar um modelo, cada organização — ou até mesmo cada pessoa — ter o seu próprio modelo, constantemente a evoluir funcionando como copiloto (da atividade humana).
É difícil prever o que vai acontecer no futuro, mas, neste momento, o que vejo não é algo que vá substituir o ser humano. Vai funcionar como amplificador do ser humano em várias tarefas. No mundo da tradução, há bastante tempo que vivemos isso. O Google Translate, em 2017, dizia que o modelo de tradução era tão bom como o ser humano. O mercado nesse espaço aumentou, há mais pessoas a trabalhar em tradução do que nessa altura. Portanto, quanto mais facilidade de criar conteúdo, mais conteúdo é criado e mais conteúdo precisa de ser traduzido. A única maneira de escalarmos é com a ajuda de tecnologia mais sofisticada, mas o ser humano não deixa de ter o seu papel. Há uma série de outras áreas que estão a ver isso pela primeira vez. Por exemplo, as minhas filhas, lembram-se de me ouvir dizer para pensarem, sobretudo, em atividades criativas, que era o futuro. Agora tenho alguma dificuldade em dizer para irem para design, é difícil perceber qual a evolução em áreas criativas.
A tecnologia está e vai ter impacto. É preciso conhecer esse impacto e não ser naïf. Ou seja, apesar de, em geral, ser um otimista em relação ao potencial da tecnologia, o risco maior é haver uma transformação demasiado rápida, em que a sociedade não tenha a capacidade de absorver.
Já temos IA a criar cenários e fotografias. O grupo publicitário WPP vai adotar IA para criar anúncios.
A tecnologia está e vai ter impacto. É preciso conhecer esse impacto e não ser naïf. Ou seja, apesar de, em geral, ser um otimista em relação ao potencial da tecnologia, o risco maior é haver uma transformação demasiado rápida, em que a sociedade não tenha a capacidade de absorver.
É preciso reconhecer que é uma tecnologia com uma capacidade gigantesca, muito poderosa e, como tal, acho que é possível uma regulação, mas que não impeça a inovação, que consigamos continuar a evoluir, mas regulando para casos críticos.
Da mesma maneira que uma empresa farmacêutica não pode simplesmente lançar um medicamento — há uma Food and Drug Administration (FDA, o regulador), um processo de aprovação e de testes clínicos –, se calhar, tem de haver uma coisa parecida para processos que utilizam a inteligência artificial com impacto crítico nos seres humanos, seja a nível médico, seja de ensino.
Fazer essa legislação é que é a parte complexa. A Europa estava a trabalhar já no pacote legislação para a IA pré ChatGPT e ficou um bocadinho desatualizada. Há que voltar um bocadinho atrás e repensar como é que isso se aplica agora. Mas essa legislação tem que acontecer.
Mas a caixa já se abriu. Como vamos pôr novamente o algoritmo na caixa e regular a tecnologia?
Há vários exemplos que podemos dar como referência. Se pensarmos na indústria de música e media e o que aconteceu com Napster, depois começamos a ter Spotify e plataformas streaming que se tornaram cada vez menos apelativo piratear conteúdo e isso reduziu drasticamente. Bitcoin é outro exemplo. Qualquer pessoa pode produzir Bitcoin, mas a legislação tem imenso impacto, se a bitcoin é ou não aceite…
Há muitos casos de legislação que está a impedir que tecnologia, que poderia ter um impacto complicado na sociedade, seja disseminada sem qualquer controlo. Agora, o que não queremos é impedir que a parte positiva dessa nova tecnologia não seja utilizada. É fácil usarmos isso para impedir o progresso. O que seria uma pena porque há um potencial gigantesco com a IA. Temos uma falta enorme de recursos para certas áreas, que não vai ser melhorada. Por exemplo, falamos da melhoria do acesso a serviços médicos no sistema de saúde. Há falta de recursos, não há médicos, enfermeiros suficientes, se calhar há coisas que podem ser aliviadas com um sistema de IA, como sistemas de triagem para acesso à primeira intervenção, para aumentar radiologistas de maneira a que possam analisar as coisas dez vezes mais rápido.
Há toda uma série de áreas que podem ser incorporadas do ponto de vista positivo, esse caminho tem que ser feito, mas com a sociedade a ter tempo para pensar e deliberar. Vivemos numa sociedade global e, rapidamente, aprendemos uns com os outros, se calhar adotamos uma medida e não outra. Essa experimentação vai ter de acontecer, é importante é que aconteça em parâmetros que tornem a tecnologia segura.
Falou na IA como forma de combater a escassez de pessoas em determinados setores. O Goldman Sachs também estima que a IA vá levar à destruição de milhões de empregos.
A outra parte deste estudo era o aumento do PIB global num número significativo. Até agora, em toda a história da humanidade, nunca houve um caso em que houvesse um aumento de PIB e não houvesse um aumento de empregos. Inevitavelmente, quando há mais mais recursos para gastar e as pessoas acabam por gastá-lo em maneiras que acrescentam valor.
O perigo mais concreto é que haja uma mudança rápida. Em todas as revoluções industriais há uma mudança grande de quais são os empregos. Os Luditas na Inglaterra receavam que a indústria viesse danificar a sua forma de vida, aconteceu. Mas, houve mais pessoas a ter emprego e a ter um benefício enorme com a revolução industrial.
O que é que acontece se os nossos pais, os nossos avós, conseguirem utilizar a tecnologia para navegar no mundo e as mudanças que estão a acontecer? Por exemplo, uma coisa fascinante é pegar no resultado de uma ressonância magnética e pô-lo no ChatGPT e pedir para explicar numa linguagem mais simples. De repente, temos a capacidade de compreender coisas que não conseguíamos antes.
Uma das grandes mudanças a acontecer é que, de repente, o computador comunica na nossa linguagem. Comunicamos com o computador uma maneira natural, isso vai abrir o acesso a estas plataformas a uma quantidade gigantesca de pessoas.
Até agora, para interagir com a IA precisávamos de alguém que soubesse falar essa linguagem, um programador, um investigador. Nesta mudança de paradigma, nem sequer conseguimos perceber muito bem o impacto que pode ter. O que é que acontece se os nossos pais, os nossos avós, conseguirem utilizar a tecnologia para navegar no mundo e as mudanças que estão a acontecer? Por exemplo, uma coisa fascinante é pegar no resultado de uma ressonância magnética e pô-lo no ChatGPT e pedir para explicar numa linguagem mais simples. De repente, temos a capacidade de compreender coisas que não conseguíamos antes.
Esta tecnologia vai um impacto grande, vai ser positiva, vai ser necessário continuar a ter este debate, legislar, mas o impacto não vai ser tão grande como neste momento, estamos a considerar. É o meu gut feeling.
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