Doug Arent, especialista em energia norte-americano, aponta a gestão inteligente da energia como uma oportunidade para a Europa. Em paralelo, alerta para necessidade de criatividade no financiamento.
O campeonato da transição verde tem muitos “concorrentes” empenhados na vitória, mas a Europa parece estar na frente no que toca à gestão inteligente da energia, defende Doug Arent, diretor executivo de parcerias público-privadas do Laboratório Nacional de Energias Renováveis norte-americano. Uma liderança que tem associado um potencial económico relevante e que poderá ser mantida apostando na internacionalização das empresas que se movem nesta área.
“Há muito valor nessa gestão dinâmica [dos usos da energia]. Na gestão inteligente do uso final, quer seja doméstico, industrial ou comercial”, afirma o responsável em entrevista ao ECO.
Além disso, Arent, que estará esta semana em Portugal para participar na conferência Digital With Purpose, reconhece que existe dificuldade em financiar projetos de transição verde, na fase em que estes procuram ganhar escala. Para ultrapassar este obstáculo, sugere que deve existir um diálogo entre atores que vão desde os bancos e fundos privados até aos bancos de desenvolvimento, de forma a criar novas estruturas de financiamento que permitam acelerar a inovação verde.
No Fórum do Banco Central Europeu, que decorreu a semana passada, a transição verde foi apontada como uma oportunidade para a Europa aumentar a produtividade. Na sua opinião, quão relevante é a transição verde como oportunidade económica para a Europa?
Significativa, penso que é a palavra certa. Em todo o mundo. Representa uma mudança transformacional nos fundamentos energéticos da economia. Muitas economias despenderam muito dinheiro em combustíveis importados. A mudança para um investimento na construção de cadeias de abastecimento e na criação de um novo ecossistema energético é muito positivo para a economia, além de mais autossuficiente e de baixas emissões.
Mas a Europa pode realmente ser líder global na transição verde, tendo em conta que há grandes potências como os Estados Unidos e a China que também estão a avançar com grandes esforços nesta área?
A liderança na produção e desenvolvimento de tecnologia é apenas um elemento da equação. Existe a parte da cadeia de abastecimento, e os Estados Unidos estão a construir a sua base produtiva e de recursos minerais, assim como o desenvolvimento de tecnologia. E há o outro lado, a utilização. E, francamente, aqui há uma enorme oportunidade, e vejo a Europa a liderar nisto, em termos de tecnologia de transmissão e infraestrutura. Nem tudo é sobre construir e ter a capacidade de fabrico. É sobre um ecossistema maior. Há um número de startups e até empresas maiores aqui na Europa que estão a implementar tecnologias de controlo digital, nas casas, negócios, na mobilidade elétrica e na rede elétrica, acrescentando valor significativo ao ecossistema energético. Essas oportunidades estão a surgir na Europa e no resto do mundo e constituem uma oportunidade de liderança.
Pode dar um exemplo mais concreto das oportunidades que está a apontar?
Pode-se ter um conjunto de baterias e painéis fotovoltaicos para abastecer uma casa. Pode também pensar-se no equivalente ao nível comercial e industrial. Os milhões de aparelhos que podem comunicar e otimizar a gestão da eletricidade de forma a criar valor para o consumidor e para a rede: há valor económico nisso. E há um espaço de oportunidade relevante, até porque a rede elétrica tem necessidade de expandir, à medida que cresce a procura e geração de eletricidade. Quando não há a possibilidade de adicionar, há muito valor nessa gestão dinâmica. Na gestão inteligente do uso final, quer seja doméstico, industrial ou comercial. Isto é sobre centenas ou milhares de equipamentos que interconectados podem ser otimizados.
Considera que a Europa está alguns passos à frente nessa área. Mas não é certo que assim continue. Como é que a Europa pode manter a liderança ou mesmo alargá-la?
Uma parte relevante é expandir horizontes para fora do contexto europeu. Algumas empresas estão interessadas em expandir, por exemplo, para os Estados Unidos.
Em relação às tecnologias limpas. Quais considera mais promissoras? Existe alguma que lhe pareça que não tem condições para progredir?
A minha resposta é otimista, porque já provámos que não somos bons a prever que soluções técnicas serão comercialmente viáveis ou escaláveis. Em relação a moléculas, há uma grande quantidade de inovação a acontecer agora. E, claro, o hidrogénio [renovável].
O verdadeiro desafio é encontrar quem assine os contratos comerciais para comprarem [hidrogénio verde]. Mas se os Governos concordaram descarbonizar, precisamos de químicos e combustíveis baixos em carbono.
O entusiasmo em torno do hidrogénio verde, na Europa, é justificado?
Penso que existem muitas oportunidades em torno do hidrogénio, quer seja verde ou outro de baixo carbono. O verdadeiro desafio é encontrar quem assine os contratos comerciais para o comprarem. Mas se os Governos concordaram descarbonizar, precisamos de químicos e combustíveis baixos em carbono.
Mencionou a viabilidade comercial. Bancos como JP Morgan e o Barclays estão a detetar uma dificuldade em angariar capital que permita às empresas escalar. Afirmam que o mundo financeiro está estruturado de tal forma que se criam os chamados “vales da morte”, que são atravessados no momento em que as empresas inovadoras querem ganhar escala, mas deparam-se com dificuldades de financiamento. Vê isto a acontecer? O que é necessário fazer para permitir a escala?
Este “vale da morte” é o desafio de passar de uma tecnologia provada para a chamada “primeira unidade comercial”. É o ponto no qual se pode passar de 1000 litros de um combustível baixo em carbono por dia para dezenas de milhar ou um milhão de litros. E é um investimento muito significativo. É um desafio que persiste, não só na Europa, mas também nos Estados Unidos. Há um diálogo na indústria financeira sobre as estruturas que é necessário criar para colmatar este problema. Os bancos comerciais podem não ser o melhor parceiro. Mas existem outros, que fazem desenvolvimento de projeto, e que dispõem já de uma panóplia dedicada de investidores provenientes de fundos soberanos ou de pensões. E investem diretamente porque há um retorno suficientemente atrativo e compatível com os requisitos a que estão sujeitos. Há exemplos criativos. Mas é necessária inovação constante, quer isso envolva ou não subvenções governamentais, ou um banco de investimento multilateral, ou um banco para o desenvolvimento económico.
Um diálogo coletivo entre os bancos, investidores privados, fundos de capital privado e alguns soberanos, assim como fundos de pensões, seria importante. Porque todos têm perspetivas e exigências diferentes. A criatividade estaria em como é que estes poderiam juntar os seus esforços para apoiar a transição verde, ao mesmo tempo que cumprem os seus objetivos individuais.
Mas essas novas estruturas não estão criadas. Que tipos de entidades deveriam colmatar este problema?
Aqui na Europa poderia ser o Banco Europeu de Investimento, ou poderia repensar-se a figura de banco para o desenvolvimento, que se dirige tipicamente a um determinado grupo de países. Podia até existir um “Banco do Desenvolvimento Verde”, há muitas nuances em todo o mundo. Mas esses bancos têm uma disponibilidade de capital limitada, em comparação com bancos comercias como um JP Morgan ou Barclays. Penso que os primeiros deveriam usar o seu capital para alavancar os mercados de capital tradicionais. Um diálogo coletivo entre os bancos, investidores privados, fundos de capital privado e alguns soberanos, assim como fundos de pensões, seria importante. Porque todos têm perspetivas e exigências diferentes. A criatividade estaria em como é que estes poderiam juntar os seus esforços para apoiar a transição verde, ao mesmo tempo que cumprem os seus objetivos individuais.
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Gestão inteligente da energia é “oportunidade” económica que Europa pode liderar
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