João Pinheiro da Silva, sócio da área de prática de Imobiliário da CMS Portugal, fala das medidas apresentadas pelo Governo para a habitação e da reação dos stakeholders.
João Pinheiro da Silva, sócio da área de prática de Imobiliário da CMS Portugal, em entrevista ao ECO/Advocatus, analisa das medidas apresentadas pelo Governo para a habitação, da reação dos stakeholderse e dos incentivos à construção para arrendamento.
As medidas apresentadas pelo Governo para a habitação respondem às necessidades do mercado?
Está no caminho certo. Responde a todas as necessidades? Não. Agora, observamos o mérito de envolver todos os atores do setor. Ao contrário do “Mais Habitação”, do Governo anterior, nota-se a intenção de responder a várias das principais exigências do mercado, nomeadamente o aumento da construção e oferta de habitação acessível, a simplificação dos processos urbanísticos e o incentivo ao investimento privado e público.
Pelo seu conhecimento do mercado, como reagiram os stakeholders a estas medidas?
Ao contrário do que aconteceu com o “Mais Habitação”, que afugentou investidores e gerou um clima de desconfiança, estas medidas foram recebidas com otimismo. Desde logo, pois muitos desses atores, como disse anteriormente, foram auscultados. Basta estar atento às declarações públicas para percebermos que começa a haver algum otimismo. Ainda assim, apesar da abrangência de medidas, persistem desafios para uma resposta plena à crise da habitação, de onde destaco três pontos. Em primeiro lugar, uma execução e fiscalização mais eficaz: a implementação das medidas e o acompanhamento rigoroso dos resultados são essenciais para garantir que os objetivos sejam atingidos; em segundo lugar, o aumento ainda mais significativo da oferta: O número de casas previstas pode não ser suficiente face à dimensão da procura, especialmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto; por último, deve-se privilegiar a estabilidade e previsibilidade regulatória: o mercado precisa de confiança a médio-longo prazo, o que implica estabilidade nas regras e incentivos. Em suma, o pacote representa um avanço significativo, mas a resposta à crise exige continuidade, reforço de medidas e uma execução rigorosa e articulada com outras políticas públicas.
Os incentivos à construção para arrendamento (Build to Rent) são um passo decisivo para voltar a dar impulso a este mercado?
Há muitos anos que alerto para a necessidade de olharmos para o Build to Rent de forma séria e estratégica. Finalmente é dado um passo concreto que poderá ajudar a revitalizar o mercado habitacional em Portugal neste segmento que tão maltratado foi num passado recente. E, neste caso, podemos afirmar que as medidas parecem propiciar um clima economicamente viável para o desenvolvimento de empreendimentos de arrendamento de médio-longo prazo, através de benefícios fiscais, como a redução do IVA na construção, isenções de IMT e IMI e outras que tornam o investimento mais atrativo e previsível.
A redução do IVA para 6% na construção de habitações com “rendas moderadas” é uma medida certa?
Sem dúvida. Temos de ter presente que há cerca de três décadas que o Estado português não investe a sério em habitação pública. O Estado, oportunisticamente, transferiu para o setor privado a responsabilidade que lhe cabia, e continua a caber, na função de assegurar habitação condigna para todos. Como se isso não bastasse, o Estado não só não criou as condições, como condicionou os privados que investiram no arrendamento. Isso levou a distorções evidentes de mercado. Medidas como o IVA a 6% para a construção são reclamadas há muito tempo, pelo que é caso para dizer que mais vale tarde do que nunca. Como já disse em vários momentos, eu não conheço ninguém que não goste de pagar menos impostos, pelo que o setor da construção deve olhar esta medida como um incentivo para apostarem no mercado. No final do dia estas medidas vão, certamente, contribuir para o aumento significativo do parque habitacional.

E que outras medidas gostaria de ver num próximo diploma legal?
Gostaria de ver um pacote de medidas que devolva estabilidade e previsibilidade ao arrendamento. Parece-me essencial consolidar um quadro legal estável, que permita ajustes graduais e baseados em evidências. Gostava também de ver medidas que removessem barreiras ao investimento de longo prazo e ao build-to-rent, através de um enquadramento fiscal competitivo e de um mecanismo público de garantia de renda, com vista a reduzir o risco de incumprimento e melhorar as condições de financiamento. É fundamental simplificar e reforçar a liberdade contratual, com um regime próprio para arrendamentos mais flexíveis, assim como é urgente liberalizar as regras de duração e renovação dos contratos de arrendamento e conferir maior autonomia das partes relativamente às cauções e às rendas antecipadas. É preciso, igualmente, equilibrar o regime da transmissão do arrendamento por morte do inquilino, que deverá ser centrada no núcleo familiar imediato e por prazo limitado. A transição para um regime único deverá ser gradual, diferenciando claramente o arrendamento habitacional do não habitacional, e acompanhada de um procedimento de despejo célere, com prazos máximos e oposição apenas em casos excecionais, garantindo segurança jurídica para reduzir o risco. Por fim, do ponto de vista fiscal, não posso deixar de referir que gostaria de ver medidas de redução do IMT, do IMI, do IRS e do IVA, e ainda a extinção imediata do AIMI.
Está desde 2021 na CMS Portugal. Que balanço faz destes quase cinco anos?
Têm sido anos de grande crescimento e de bons resultados em que temos cimentado a área de prática de imobiliário com profissionais de grande qualidade, como é o caso do José Manuel Silva Nunes, da Sandra Teixeira Arsénio, do Luã Brito Malta, do Carlos Henriques Saraiva, da Inês de Mundel Calado e de toda a restante equipa. Temos, assim, conseguido dar uma resposta mais abrangente ao mercado e aos nossos Clientes, que têm aumentado de ano para ano. Estamos a falar de um crescimento a dois dígitos, que só é possível com a excelente equipa que tenho a honra de liderar e com o facto de pertencermos a uma Organização de Sociedades de Advogados como a CMS.
Ao contrário do que aconteceu com o “Mais Habitação”, que afugentou investidores e gerou um clima de desconfiança, estas medidas foram recebidas com otimismo. Desde logo, pois muitos desses atores, como disse anteriormente, foram auscultados. Basta estar atento às declarações públicas para percebermos que começa a haver algum otimismo”
De que forma a organização CMS, presente em 50 países, olha para este setor?
De forma cada vez mais estratégica. Desde que entrei, a CMS tem crescido com a integração de novos escritórios, sendo a Índia o caso mais recente. É um sinal claro de que estamos com uma dinâmica de crescimento. E o que vejo é que, em todas as geografias, o Real Estate assume-se como uma área-chave. Isto permite-nos ter uma dinâmica cross-border que, atrevo-me a afirmar, quase mais nenhuma sociedade de advogados tem no nosso mercado.
Estamos a chegar a 2026, pelo que pergunto quais vão ser, na sua opinião, as tendências para o imobiliário em 2026.
Preferia começar por dizer que o desafio vai ser dar continuidade às soluções para resolver o problema da falta de habitação. Mas falando das tendências, queria destacar o papel, cada vez mais importante, da sustentabilidade. A legislação ambiental tem vindo a tornar-se mais rigorosa, impondo limites às emissões de carbono, requisitos de eficiência energética e normas de construção sustentável. O incumprimento destas obrigações pode resultar em sanções severas, perda de licenças e danos reputacionais irreparáveis. Em segundo lugar, quem estiver com o mindset correto vai ter o acesso a financiamento mais facilitado, uma vez que investidores institucionais e bancos privilegiam cada vez mais projetos alinhados com critérios de sustentabilidade. Por fim, contribui para a valorização dos ativos imobiliários, tornando-os mais atrativos para arrendatários e compradores conscientes das suas responsabilidades sociais e ambientais. A negligência dos princípios de ESG pode expor as empresas a litígios, multas e exclusão de mercados. A pressão dos stakeholders, incluindo clientes, investidores e reguladores, é cada vez maior, e a ausência de uma estratégia clara de ESG pode comprometer a viabilidade a longo prazo das empresas do setor imobiliário.
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“Há cerca de três décadas que o Estado português não investe a sério em habitação pública”
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