Luís Laginha de Sousa lamenta que nos últimos 30 anos os decisores políticos não tenham tido capacidade de promover políticas capazes de promover a dinamização do mercado de capitais.
A CMVM apresentou esta quinta-feira, em Braga, um novo estudo sobre a dinamização do mercado de capitais. O trabalho de diagnóstico, encomendado a três universidades independentes, concluiu que o “desenvolvimento do mercado de capitais seria benéfico para um país como Portugal” e “de um maior acesso aos mercados de capitais pode esperar-se um aumento do investimento, da inovação e da produtividade“.
Em entrevista ao ECO, o presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) reforçou que promover a dinamização do mercado “não tem soluções rápidas, nem fáceis”, mas é possível e lamenta que os decisores políticos nos últimos 30 anos não tenham avançado com medidas capazes de ajudar a dinamizar o mercado de capitais.
Medidas como facilitar o apuramento fiscal de mais-valias, colocando o investimento em ações ao mesmo nível de produtos como os depósitos em termos de declarações fiscais, aumentar a eficiência e promover políticas públicas que apoiem (ou não coloquem barreiras) a empresas que queiram crescer podem ajudar a tornar o mercado mais dinâmico e ajudar a florescer a indústria de serviços financeiros, “uma atividade de elevadíssimo valor acrescentado”.
Para Luís Laginha de Sousa, há três pilares que são necessários para promover um mercado de capitais mais dinâmico: stock de poupança, fiscalidade e empresas atrativas no mercado. No que diz respeito à questão fiscal, além do tema dos impostos, o presidente da CMVM alerta para outro custo, que pode influenciar negativamente a decisão de investir em bolsa, em detrimento, por exemplo, de colocar o dinheiro num depósito, que é o reporte de mais-valias. Para simplificar as obrigações fiscais a que os investidores estão obrigados, o responsável sugere a existência de uma conta de títulos, que façam um apuramento automático para a declaração de IRS, com base na soma dos valores depositados.
Num mercado que (quase) só tem visto empresas sair, Laginha de Sousa salvaguarda que “o mercado também está aberto a empresas estrangeiras e muitas das atividades que hoje se fazem em Portugal fazem-se através de empresas cotadas, mas que são empresas estrangeiras”. Por outro lado, apela a que haja incentivos para as empresas terem ambição de crescer e ganhar escala. “Quem precisa de fazer investimentos de centenas de milhões de euros vai necessariamente ter formas alternativas de financiar que não passam apenas pelo sistema bancário”, destaca.

Este novo estudo encomendado pela CMVM confirma o impacto positivo de um mercado de capitais no desenvolvimento da economia do país, na estrutura financeira das empresas e na geração de riqueza das famílias. Com base nestas conclusões, que vêm confirmar outros estudos anteriores, como é que se pode tirar tudo isto do papel e pôr as empresas e os investidores a olharem para o mercado como uma alternativa?
Vejo isto como um caminho que tem que ser feito e esse caminho assenta em vários pilares. Olhando para aquilo que são bons exemplos, há três ingredientes. Não existem como que por passe mágico, podem ir sendo construídos. Quando olhamos para aquilo que são mercados dinâmicos, relevantes para os países em que se inserem, portanto, têm um papel muito importante na atratividade, na competitividade, no desenvolvimento desses países, há tipicamente três ingredientes, que podemos chamar de três pilares. Se eles não existirem de alguma forma combinada, há sempre alguma coisa que falta e que depois o efeito acaba por não se produzir.
E que pilares são esses?
Por um lado, haver um stock de poupança de longo prazo. Tipicamente, essa poupança de longo prazo está muito ligada àquilo que são os próprios modelos de financiamento, de suporte da segurança social. O sistema é fruto das contribuições que hoje as pessoas estão a fazer para pagar àqueles que estão a receber e, portanto, faz com que não exista um stock de poupança para pagar as pensões futuras. Este elemento é um elemento que é importante e que deveria ser endereçado, não só por causa do mercado de capitais, mas [porque] nós em Portugal diz-se que temos um problema de falta de capital. Não basta dizer que é um problema. Faz sentido também como é que vamos endereçar esse problema. E, de facto, estes sistemas complementares da Segurança Social que permitem acumular capital disponível para investimento — não é para investir todo no mercado de capitais — , mas havendo um stock grande disponível, isso permite também carregar para a economia, para as empresas, para projetos. É importante e permite lidar com um outro problema. Há fragilidades no nosso sistema de financiamento da Segurança Social, o que vai implicar uma de duas coisas. Ou lá mais à frente, aqueles que se vão reformar vão receber menos, ou para receberem o mesmo, alguém vai ter que pagar mais para compensar aquilo que falta.
O investimento no mercado pode ajudar a colmatar parte dessa perda de rendimento?
A forma de resolver isto, ou de contribuir para resolver isto, é de facto aumentar a poupança para que essa poupança possa compensar essa função futura. Portanto, este é um pilar, é o pilar do stock da poupança. Depois, um outro pilar que também está presente é o pilar fiscal.
E quando falamos em fiscalidade, ela tem vários ingredientes lá dentro. Normalmente aquilo que é mais visível para os cidadãos é sempre quanto é que eu pago de imposto é uma parte muito visível e influencia muito rapidamente o comportamento dos agentes. Mas quando falamos em fiscalidade há lá diferentes componentes. Há essa componente das taxas de imposto e isso pode incentivar ou desincentivar os agentes a investirem no mercado ou não investirem. Há depois como é que essas taxas são aplicadas, se elas são aplicadas de uma maneira que pode beneficiar mais uns instrumentos, um tipo de atividade do que outro. Portanto as implicações que elas podem colocar em termos relativos.
Há ainda uma complicação muito grande associada ao cumprimento das obrigações fiscais quando se investe em mercado com o reporte de mais-valias.
Depois há um outro elemento muito importante e que não tem que ver com a taxa, que é a facilidade com que se cumprem as obrigações fiscais. Há ainda uma complicação muito grande associada ao cumprimento das obrigações fiscais quando se investe em mercado com o reporte de mais-valias: quando é que comprou o título, quando é que vendeu, enfim, isso traduz-se numa complicação muito maior. Face, por exemplo, a alternativa de alguém que tenha um depósito que nem se preocupa com isso. Quer dizer, aquilo é apurado automaticamente. E isso, para um cidadão, para um agente económico, há um custo. Portanto, essa facilidade é um outro elemento.
E depois há um quarto elemento também, dentro da fiscalidade, que é a estabilidade, a previsibilidade associada a tudo isto. Para quem queira tomar decisões de investimento de longo prazo — e essa é sempre uma dimensão que o mercado procura privilegiar, permitir a alocação de capital de longo prazo — essa previsibilidade associada à fiscalidade é também um elemento importante.
Quando se fala em fiscalidade não estamos apenas a falar das taxas. Também falamos das taxas. Esta questão da facilidade é uma questão que, se eu tivesse que escolher prioridades, pô-la-ia logo à cabeça, porque se fizermos isso vamos introduzir eficiência no sistema e é um contributo muito positivo.
Ainda falta um pilar…
Depois há um terceiro elemento, um terceiro pilar, que é que também é fundamental, que é, mesmo que nós tenhamos o capital, tenhamos a fiscalidade que ajude a alocar o capital, depois temos que ter aquilo que é onde é que o vamos aplicar. Tem que haver empresas atrativas e, de preferência, empresas atrativas também em Portugal. Tem que haver capacidade de permitir que os projetos empresariais possam ganhar escala, possam ter ambição, possam projetar-se internacionalmente, ter necessidades de recursos que levem também a que olhem para o mercado de capitais como um local onde vão buscar isso.
Também aí há medidas que podem e devem ser tomadas para levar a que não se verifique aquilo que acontece em Portugal. Parece que há aqui uma linha divisória entre as micro, pequenas e médias empresas, que são a fonte onde estão todas as virtudes e dessa linha imaginária para cima, a partir das grandes e muito grandes empresas, deixamos de ter virtudes e passamos só a ter problemas. Isto não deve ser assim. Ou seja, naturalmente há micro, pequenas e médias empresas. Elas devem existir, elas são fundamentais porque nada nasce grande. Mas o sistema de incentivos ou de desincentivos, de remover os desincentivos e permitir que haja incentivos para que, de facto, as empresas possam ter ambição, possam ganhar escala, possam projetar, porque esse é um elemento essencial para que haja sucesso empresarial, para que as empresas também com essa escala consigam ser mais eficientes, mais produtivas e a produtividade é depois também um elemento essencial para remunerar quer o fator de trabalho, quer o fator capital. A dimensão é um elemento essencial para essa capacidade de gerar riqueza.
Este tema [da dinamização do mercado de capitais] não tem soluções fáceis nem rápidas mas tem soluções e não precisamos de ir inventar a roda. É razoavelmente fácil identificar quais são os caminhos que permitem tornar o mercado mais dinâmico, mas é preciso também ter presente que para se tornar um mercado mais dinâmico, isto não é para benefício do mercado, é porque um mercado mais dinâmico é essencial para benefício da economia e destes vários componentes que eu estive a referir.
Referiu a questão da facilidade de declarar as mais-valias. Como se poderiam facilitar essas obrigações fiscais, é possível promover um sistema quase idêntico ao dos depósitos, onde o aforrador nem precisa incluir esses valores na declaração de IRS?
Não está em causa pagar impostos, mas pagar de uma maneira que seja fácil para o cidadão. Há exemplos que existem em outros locais e não estou a ver que não possam ser transponíveis também para Portugal. Um exemplo que vem referido no âmbito da [iniciativa da União Europeia] “Savings and Investments Union” são as contas de valores imobiliários. Uma coisa é alterar a declaração de IRS. Outra coisa é dizer, muito bem, então, porque não haver também um apuramento automático para a declaração de IRS, porque não haver uma conta de títulos que as operações que forem feitas nessa conta, o que lá cair e o que se decidir que constitua base para apuramento de imposto, ser feito com base nessa conta.
Era um caminho que, do nosso ponto de vista, devia ser explorado, analisado, que fazia todo o sentido, que é também criar aqui algo que permita aos cidadãos ter opções e ter opções que não sejam distorcidas pelo facto de uma ser mais fácil ou pelo menos pôr as coisas em pé de igualdade. E que depois os cidadãos possam fazer as opções de acordo com as suas preferências, mas sem estarem logo à partida influenciados, porque já sabem que o custo de manuseamento vai ser maior do que a outra.
A CMVM já colocou a questão da criação de uma conta de valores mobiliários, com custos mais baixos. Entretanto deixaram cair essa proposta. Vão retomar este tema?
Este é um tema que, naquilo que depender de nós, vamos mantê-lo vivo, por acharmos que justifica ser explorado. Numa fase inicial, aquilo que tentámos e fizemos contactos, mas depois achámos que não fazia sentido a perspetivar o que ia ser contemplado no âmbito destas discussões mais europeias. Mas nada impede que os próprios atores do sistema financeiro, as instituições financeiras, no âmbito das suas ofertas comerciais, se o quiserem, podem ter uma conta aberta.
Não tem exatamente estas características que eu lhe estava a dizer de facilidade da apuramento fiscal, mas era mais na ótica de para quem tenha alguns títulos — sejam ações, sejam obrigações — tem que ter uma conta de valores junto a uma instituição financeira. Há hoje custos associados à existência e à manutenção dessa conta que se aquilo que lá está for de um valor muito pequeno, o custo consome qualquer pequeno retorno que a pessoa possa ter de dividendos.
No caso das contas bancárias há instrumentos legais que obrigam a que as instituições financeiras possam oferecer uma conta bancária com serviços mínimos e com custo baixo para garantir que todos os cidadãos podem ter acesso a uma conta bancária. Não existe o equivalente a isso para uma conta de valores imobiliários
Parecia-nos a nós — e esse foi o propósito, de estimular, de sugerir — , mas não temos instrumentos legais que nos permita obrigar a que exista essa oferta. No caso das contas bancárias, há instrumentos legais que obrigam a que as instituições financeiras possam oferecer uma conta bancária com serviços mínimos e com custo baixo para garantir que todos os cidadãos podem ter acesso a uma conta bancária. Não existe o equivalente a isso para uma conta de valores imobiliários. Portanto, não existindo o equivalente a isso [nos valores mobiliários] e não existindo mecanismos legais que obriguem a que exista isso, a forma que equacionámos era no sentido de sensibilizar os intervenientes para ver se faria sentido poderem, eles próprios, ter esse tipo de oferta.
Fizemos contactos. Enfim, não vou dizer que não houve recetividade, mas também temos ajustar aquilo que são os nossos recursos e a capacidade de estarmos em todas as frentes. Se este caminho que eu lhe referi, desta conta mais na lógica de uma conta de títulos que permita um tratamento automático, se houver aí um caminho a fazer, a convicção que temos é que os nossos recursos são muito mais bem empregues nesse caminho se viermos a ser chamados e se tivermos intervenção do que na outra fase prévia que referi.
O Governo assumiu como prioridade a desburocratização e a simplificação. Gostaria que parte destas medidas fossem dirigidas também para o mercado de capitais?
Não tenho dúvida que é importante que se tragam mais eficiências, se procuram ineficiências, inclusive nos atritos no acesso ao mercado, nas operações. Tudo isso é positivo, mas também não tenho dúvidas que existem seguramente muitas barreiras, muitas dificuldades nesse caminho. É importante que haja vontade e que depois se possa ser também o mais consequente possível nessa vontade. O mercado de capitais é uma parte importante do funcionamento de qualquer economia. Quando se tem como objetivo melhorar o funcionamento da economia, naturalmente pode haver umas áreas que são mais críticas do que outras, mas o sistema financeiro e o mercado de capitais não pode ser deixado de fora sob pena de ainda poder, em termos relativos, vir a ficar pior se for descurado esse processo.
Outro dos pilares que referiu para dinamizar o mercado é o stock de capital de longo prazo. Em Portugal há mais de 193 mil milhões de euros em depósitos. Como se pode incentivar as pessoas a investirem parte deste dinheiro no mercado de capitais, sobretudo quando se fala de investimentos de longo prazo como a reforma?
Alertar, sensibilizar. Os depósitos não proporcionam uma remuneração que permita compensar aquilo que é a erosão pela via da inflação. Naturalmente, o investimento em mercado tem riscos, tem outras questões associadas, a questão da liquidez. Mas Portugal tem, a nível europeu, provavelmente é dos países onde existe uma maior concentração da riqueza financeira das pessoas em depósitos. Se se quiser alterar este estado de coisas… e não é no sentido de passarmos do 80 para o oito, ou do oito para o 80. Para uma economia é fundamental haver um maior equilíbrio. As coisas não se substituem umas às outras, complementam-se, e a complementaridade é fonte de resiliência, de vantagem, beneficia o todo.
Portanto, não vejo isto como algo em que uns vão perder a favor dos outros. É o todo que ganha e, portanto, mesmo aqueles que num determinado momento possam ter uma menor fatia do queijo, mas o queijo vai aumentar e, portanto, essa menor fatia vai corresponder a uma fatia de um queijo maior. É um bocadinho esta lógica. E fazer esse caminho, há de passar por várias coisas. Claramente, a sensibilização das pessoas para isso é importante, mas também, pelo menos, eliminar distorções onde elas existem que fazem com que aquilo que depois se traduz numa coisa que parece não fazer muito sentido do ponto de vista económico, mas se calhar tem alguma racionalidade do ponto de vista de cada agente quando olhamos para aquilo que são os custos relativos de uma opção e de outra. Voltando atrás, se eu para investir em mercado depois tenho que suportar uma série de obrigações com o reporte fiscal, se tenho alguma dificuldade em perceber, mas a fiscalidade hoje é uma, mas depois amanhã vai ser outra. Há todo aqui um conjunto de questões que contribuem para que esta situação, mesmo que tenha aqui alguns elementos de aparente irracionalidade, ela acaba por ser provavelmente aquela que alguns de todos os ingredientes é a que faz sentido.
Do lado das empresas, a realidade no mercado nacional nos últimos anos tem sido marcada quase só por saídas. Em sentido oposto, tem-se notado uma maior atratividade pela emissão de obrigações. O que justifica isto?
Mais uma vez, a palavra certa é complementaridade. Se alguém emite um empréstimo obrigacionista pode não precisar de um empréstimo bancário, mas esse alguém que emite um empréstimo obrigacionista provavelmente vai fazê-lo para investir, para crescer e isso acabará em condições normais também por se traduzir em maior atratividade junto das próprias instituições financeiras. Portanto, quando olhamos para estes temas numa escala temporal maior, quando olhamos para o momento em que uma operação é feita, é visto como um substituto, ela, na realidade, acaba por ser, sobretudo, uma complementaridade.
Mas, tentando ir à questão, há aqui várias coisas que podemos ter presente. Primeiro, Portugal não está aqui desfasado de um panorama que tem muito paralelo noutros países europeus. Naturalmente, ele pode aqui estar agudizado, intensificado, mas não somos o único que tem esta situação de haver a noção de que era necessária uma maior utilização do mercado de capitais por parte das empresas. Este é um aspeto.
Depois, quando olhamos para a economia portuguesa, de facto, e no nosso mercado de capitais tem havido uma saída de empresas, enfim, situações que são normais, as coisas são dinâmicas, mas isso não significa necessariamente que o peso das empresas cotadas no mercado nacional seja menor, porque o mercado também está aberto a empresas estrangeiras e muitas das atividades que hoje se fazem em Portugal fazem-se através de empresas cotadas, mas que são empresas estrangeiras. Isto só para dizer que nos focamos naquilo que são as empresas nacionais, mas o que não significa que o mercado de capitais não seja relevante. Um elemento que era fundamental era termos aqui ingredientes que permitissem a base empresarial doméstica, ela própria, ter incentivos, ambição de crescimento.
Porque o mercado de capitais, não quer dizer que não sirva a várias funções, mas ele serve muito e sobretudo para suportar o financiamento do investimento, de operações de longo prazo, de inovação e, portanto, essa necessidade para ser satisfeita em mercado, ela primeiro tem que existir do lado das empresas. E para existir do lado das empresas têm que estar os ingredientes certos para que quem tem essas empresas possa sentir o estímulo de abraçar esses desafios, de crescer e, ao crescer, depois dos elementos, tipicamente do financiamento, que o vai suportar. Devemos olhar para lá mais atrás o que é que é necessário fazer para que haja, de facto, um estímulo às empresas para crescer.
Temos, seguramente, muitas empresas que estão naquela fase em que, se a ambição for estimulada, se for uma coisa com dimensão, tipicamente devemos estar a falar de investimentos de algumas centenas de milhões de euros, se passar por uma aquisição lá fora, se for um investimento de raiz. Ora, quem precisa de fazer investimentos de centenas de milhões de euros vai necessariamente ter formas alternativas de financiar que não passam apenas pelo sistema bancário e, sobretudo, pelo sistema bancário nacional, que tem que depois o risco de exposição e não pode ter grandes concentrações de financiamento em um ou outro grupo e também os empréstimos bancários não estão vocacionados para financiamento de longo prazo, estão vocacionados para investimentos de mais curto prazo.
O elemento essencial que temos que endereçar é como é que se estimula as empresas a crescer. E é isto que depois vai ter reflexo no lado do mercado. Há aqui vários caminhos para isso. Mas, naturalmente, as políticas públicas têm que ter um papel. A escala é essencial e devia encontrar-se forma de as empresas que querem crescer, possam crescer de uma maneira que seja o mais eficiente, o mais articulada possível e não que com o tipo de ingredientes que faz com que não aproveitem plenamente aquilo que são as oportunidades.
O ambiente de grande incerteza que se vive a nível global, entre tarifas e conflitos geopolíticos, tem levado as empresas a congelar investimentos e até adiar operações de entrada em bolsa. Como é que a CMVM está acompanhar a situação que se vive nos mercados?
Quando olhamos para esses temas, olhamos sobretudo na perspetiva de algo que está no nosso mandato e das instituições e das autoridades financeiras nacionais, que é a preservação da estabilidade financeira. Esse é um elemento muito importante para nós. Assegurar que os agentes económicos têm condições para continuar a tomar as suas decisões de poupança, de investimento, de consumo, enfim, num quadro de, entre aspas, previsibilidade, num quadro de estabilidade. Quando olhamos para o mundo, incerteza é a palavra que sobressai por todas estas políticas daquilo que eram relações de longa data que são postas em causa, tudo isto traz imensa incerteza.
Mas há algumas regras, sabe, que continuam a fazer sentido desde há muitos anos e eu acho que vão continuar a fazer sentido no futuro. Uma das regras é quanto maior o risco, mais sólida deve ser a estrutura financeira. É a solidez da estrutura financeira que permite suportar e continuar a atuar mesmo depois desse risco de se materializar.
E se pensarmos nestes termos, então o mercado de capitais continua e continuará a ter um papel importante para fazer na medida em que ele é um meio essencial para poder ajudar a reforçar a estrutura financeira das empresas e nós podemos, olhando para o mercado, dizer que hoje não estão agora reunidas as condições mais adequadas para isto ou para aquilo, para fazer aquilo ou outro.
Mas o que acontece de facto, e nós na história recente do nosso mercado vimos que em períodos de incerteza e em períodos de grande dificuldade, o mercado foi para muitas empresas um elemento essencial da sua capacidade de aceder a financiamentos fez toda a diferença em momentos típicos e, portanto, isto não retira a valia ao mercado, antes a reforça, mesmo que num determinado momento possa não ser possível, não seja possível fazer a operação ou as operações que se queriam fazer, mas isto não retira a relevância ao mercado e ao papel que ele tem nesta regra fundamental de quanto maior o risco, mais sólida deve ser a estrutura financeira.
Mesmo que uma operação que é anunciada, depois no final a decisão não seja pelo mercado, isso não significa que o mercado não tenha tido um papel importante na valorização do ativo e na maximização.
Recentemente ficou concluída a venda do Novo Banco, através de uma venda direta. Perdeu-se uma oportunidade para dinamizar o mercado português?
Quando há uma entrada, ela não vem retirar espaço aos que estão, vem alargar o mercado para todos. É sempre positivo que haja entradas, que haja dinamismo, na medida em que isso seja não apenas positivo para aqueles que tomam essa decisão, positivas porque alarga o mercado. Independentemente e dentro da esfera de decisões dos agentes, eles são livres de tomarem todas as decisões que entenderem, mas eu acredito que mesmo que uma operação que é anunciada– sem falar em nomes — segue o seu caminho e segue caminhos alternativos, mesmo que depois no final a decisão não seja pelo mercado, isso não significa que o mercado não tenha tido um papel importante na valorização do ativo e na maximização, ou pelo menos na resposta do resultado.
O facto de existir a opção do mercado tem um valor e naturalmente é importante que outras oportunidades viessem a existir e que noutros casos pudesse chegar mesmo à concretização e à entrada em mercado. Acho que nenhuma entidade sendo supervisor do mercado de capitais, tenta também no seu mandato contribuir para o desenvolvimento do mercado e uma parte visível desse desenvolvimento é também a dimensão do mercado, o dinamismo, a entrada de novas entidades, portanto esse é um tema no qual nós estamos naturalmente empenhados.
O mercado tem mudado muito nos últimos anos, nomeadamente com o surgimento dos finfluencers. Este tema representa um maior desafio para a atividade do regulador e que exige maior atenção?
Exige muita coisa. Exige concentração de atenção, exige aprendizagem porque estes fenómenos vão ganhando relevância, mas são temas para os quais é preciso também ir ganhando conhecimento. É preciso capacidade de investir em tecnologia para poder monitorizar estes temas. Fazer a supervisão deste tipo de atividades não é como olhar para um relatório de contas de uma empresa. Estas são atividades com um dinamismo, com uma profusão de situações.
É preciso capacidade de investir em tecnologia para poder monitorizar estes temas.. Fazer a supervisão de atividades de finfluencers não é como olhar para um relatório de contas de uma empresa.
Ter capacidade de monitorizar isso na sua rede, na sua variedade, não é uma tarefa fácil, mas não é uma tarefa fácil só para nós. Não é fácil para os outros supervisores, portanto há aqui uma aprendizagem. Há depois, por um lado, a capacidade de monitorizar isto, daquilo que se monitoriza, selecionar aquilo que tem ingredientes que façam sentido analisar, porque nós também não podemos estar a ir a tudo, temos que ser seletivos e tentar captar no universo o que verdadeiramente pode ter alguma componente que justifique depois atuar em termos supervisivos. É um desafio. É um tema que é muito transversal aos supervisores a nível internacional e é muito importante que entre os supervisores haja muita colaboração, muita troca de experiências, muita interação.
Esta é uma área, ao nível dos supervisores, onde há a noção clara de que precisamos desta ligação entre todos. E devo dizer que, independentemente daquilo que se verifica no mundo e que parece que os aliados deixaram de ser aliados, mas a nível de autoridades de supervisão, não quer dizer que não haja alterações, mas a nota dominante continua a ser uma nota de forte cooperação, de articulação em diferentes áreas. Isto é muito importante para enfrentar isto. Mas também requer capacidade de investir nas tecnologias, porque monitorizar estes temas tem que ter aqui um elemento tecnológico muito importante.
Tem faltado capital para fazer esse investimento?
Qualquer entidade tem sempre uma fronteira de possibilidades, tem sempre uma restrição ativa de recursos. Essa restrição pode ser em maior ou menor grau e, naturalmente, no caso da CMVM, ela é bastante ativa. Nós temos ainda condicionantes que são relevantes à nossa capacidade em que gostaríamos de investir. Há aí um caminho a fazer no sentido de permitir à CMVM ter mais graus de liberdade — não é uma liberdade sem controle porque prestamos contas à sociedade pública, prestamos contas ao governo — para poder investir e, em muitas áreas os investimentos têm que ser plurianuais. Temos que ter alguma capacidade de alocar verbas — e não estamos a falar em verbas que dependam do orçamento do Estado– , são recursos da própria CMVM, porque nós preservamos muito a independência. E a independência nos elementos é não estarmos dependentes do orçamento do Estado, mas é termos mais graus de liberdade para poder utilizar em termos de montante e em termos de horizonte de aplicação, numa lógica plurianual, fazer investimentos que são verdadeiramente críticos para se poder enfrentar muitos destes desafios.
Têm promovido esse diálogo com o governo?
É um tema recorrente, que está sempre na agenda.
Voltando ao estudo, a jeito de conclusão, o que considera mais relevante neste novo estudo encomendado pela CMVM?
A realização deste estudo foi algo que surgiu muito cedo, logo quando o novo Conselho de Administração, na sua composição plena. Entendemos que fazia sentido elaborarmos um estudo independente e daí temos recorrido à academia estamos a falar de ilustres académicos de três universidades.
Depois o outro aspeto era trazer elementos objetivos. Pelo menos existem factos, dados, que até indicação em contrário, para mim, continuarão a ser sempre a melhor suporte para a tomada de decisões. Este elemento de ser independente, para nós também tinha aqui um aspeto importante. Temos consciência que o tema do desenvolvimento do mercado é um tema que está muito ligado a medidas de políticas públicas que se queiram, para as quais existe a vontade, a disponibilidade, está muito assente na fiscalidade, na legislação, no sistema jurídico. São muitas destas coisas que depois vão fazer com que o mercado possa ser mais ou menos dinâmico. Muitos dos decisores políticos reconhecem a mais-valia no papel de mercado, mas se nós olharmos para aquilo que tem sido nos últimos 30 anos, o acumular de decisões de política pública nos últimos 30 anos, o resultado disso em termos de dinamização do mercado não tem sido muito grande. Isto leva a pensar que, por um lado, reconhece-se a relevância do mercado, mas por outro lado, tem faltado por parte dos decisores de políticas públicas terem aqui um respaldo para poder tomar decisões em também dar aqui um pequeno contributo, que estes argumentos viessem não apenas do lado da indústria. Esperamos que [o estudo] possa dar um contributo positivo para futuras decisões de política.
Depois, outra coisa que gostaríamos é que este estudo não é o ponto final. Vem abrir aqui uma série de possibilidades, de novas investigações, de novos aprofundamentos, essa produção de conhecimento que leva que outros aprofundamentos existam. O bom conhecimento, os dados são essenciais para a tomada de decisões. Se me perguntar, bom, mas vai ser o estudo que vai fazer a diferença? Não é uma coisa isoladamente que vai fazer, mas é um contributo e achamos que seja um contributo na direção certa, não um de chegada, mas um ponto de partida também para outros aprofundamentos e para dar suporte a medidas, a decisões de política, que os públicos possam estar alinhados com os benefícios que o próprio estudo aponta que existem de um melhor desenvolvimento do mercado.
E quando nós falamos em mercado, tem também aqui uma outra dimensão que às vezes está um bocadinho esquecida. O mercado de capitais vai muito para além do mercado acionista. A expressão que acho que melhor captura isto é a expressão da indústria de serviços financeiros. Ou seja, à volta dos mercados de capitais há todo um conjunto de atividades, que são atividades de elevadíssimo valor acrescentado e que são essenciais quando nós dizemos que precisamos de reter o talento, os jovens que são formados nas escolas portuguesas, precisamos de os reter cá.
Para muitos deles, que nós não conseguimos reter cá, muitos deles vão trabalhar para a indústria de serviços financeiros que está no Luxemburgo, que está na Irlanda, que está em Londres. Era importante que olhássemos também para esta dimensão da indústria de serviços financeiros e da importância que ela tem para o país e depois ela fica nas cidades de Porto, Coimbra, Aveiro, Braga… É muito importante para o reforço do tecido económico.
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“Há uma complicação muito grande com o reporte de mais-valias bolsistas”
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