IA a roubar empregos? “Jovens preocupam-me mais do que os mais velhos”

Empregos de entrada no mercado de trabalho e estágios são os que estão em maior risco de serem tomados pela IA, pelo que os trabalhadores mais jovens são os que mais preocupam o autor Ethan Mollick.

Se noutros tempos se pôde assumir que a tecnologia é mais “amiga” dos trabalhadores mais jovens do que dos mais velhos, esse não é o caso com a Inteligência Artificial (IA). Em entrevista ao ECO, Ethan Mollick, professor universitário norte-americano e autor do livro “Co-inteligência” revela mesmo que está mais preocupado com os mais jovens, uma vez que os empregos que outrora lhes davam acesso ao mercado de trabalho são dos mais vulneráveis à tecnologia.

No seu novo livro, cuja tradução para português foi recentemente lançada, Ethan Mollick argumenta que é vital aprender a colaborar com a máquina, usando-a como um complemento, em vez de a considerar uma ameaça. E em entrevista ao ECO, o também especialista em empreendedorismo e inovação detalha de que modo a IA pode ser vantajosa para os trabalhadores humanos.

Orador da edição deste ano das Conferências do Estoril, o professor de gestão da Wharton School entende também que a relação entre empregador e empregado está à mudar, à boleia da tecnologia, mas avisa que a legislação deve ser flexível, em vez de impor já travões.

Podemos pensar nos empregos como conjuntos de tarefas. O primeiro efeito da IA será mudar os conjuntos de tarefas que exercemos.

O medo de que a tecnologia irá roubar os empregos aos humanos não é novo, nem é um exclusivo da Inteligência Artificial. Dá ao seu livro o título “Co-inteligência”. Acredita, portanto, que os empregos para os humanos estão, afinal, a salvo?

Podemos pensar nos empregos como conjuntos de tarefas. Não exercemos apenas uma função. Fazemos muitas tarefas. Por exemplo, é jornalista. Faz entrevistas, escreve artigos, verifica factos. É um grande conjunto de tarefas. O mesmo com os médicos. Têm de fazer diagnósticos, mas também de ser bons a gerir os pacientes e a própria clínica. Portanto, o primeiro efeito da IA será mudar os conjuntos de tarefas que exercemos.

De que modo?

Por exemplo, será que a IA pode começar a fazer as avaliações que hoje os professores têm de fazer, de modo a que possam fazer outras tarefas? Será que pode ajudar com os diagnósticos para melhorar o trabalho médico? Os empregos vão ser transformados em resultado da IA. Isso provavelmente significa que alguns empregos serão eliminados, mas que outros surgirão. A IA funcionará numa lógica de co-inteligência. Será uma força para a mudança.

Como é que podemos garantir que tiramos partido de tudo o que a IA nos tem a oferecer, enquanto profissionais?

Não há uma resposta fácil para essa pergunta, neste momento. O que posso dizer é que a chave é, primeiro, usar essa tecnologia. No meu livro, defino regras a seguir. O que devemos fazer é usar a IA para tudo no nosso emprego e é assim que descobrimos em que tarefas é vantajosa, e em quais não funciona. Há que experimentar. Não há nenhum manual em falta, que não nos foi dado. Temos de fazer o trabalho nós mesmos.

Acha que a IA — e os avanços tecnológicos em geral — mudará a relação que existe hoje entre empregador e empregado?

Sim. Já está a mudar essa relação de forma interessante. Neste momento, os empregados estão “a ganhar”, porque descobriram como automatizar empregos e, portanto, as pessoas estão a fazer menos trabalho. Num dado momento, as próprias empresas vão perceber que podem usar a IA também para monitorizar os seus empregados e para redesenhar o trabalho em conjunto com os empregados. Já há muita tensão a acontecer neste espaço.

Há grandes diferenças entre a lei do trabalho norte-americana e a lei do trabalho portuguesa ou até mesmo europeia. Que mudanças devem ser feitas à legislação laboral para a adaptar a esta relação em mudança entre empregadores e empregados?

Também não é uma questão fácil de responder. Mas acho que, pelo menos, em parte o foco deve estar na flexibilidade, em vez de avançar já com proibições. Temos de responder às mudanças. Nunca corre muito bem quando simplesmente proibimos a mudança tecnológica. O que devemos fazer é responder às situações em que a tecnologia está a ser usada de forma abusiva. Só aprendemos quando as coisas acontecem no mundo real. Não conseguimos antecipar tudo o que a IA irá fazer. É demasiado complicado. Temos de reagir.

Mas acredita que há uma forma de alterar a legislação de modo a proteger os empregados, sem castigar ou desincentivar os negócios? O equilíbrio é possível, neste caso?

Há tensão. Temos de monitorizar, prestar atenção e ir evoluindo com o tempo. Acho que é possível [chegar a esse equilíbrio], mas não acho que seja fácil. Ainda não descobrimos como o fazer.

Os empregadores estão eles próprios a tentar perceber o que irá acontecer com a IA. A maioria das empresas ainda nem sequer pensou sobre como usar a IA de forma adequada no seu negócio.

Disse que há empregos que serão destruídos pela IA. Que responsabilidade cabe às empresas na requalificação destes trabalhadores, de modo a garantir a sua empregabilidade e que estão minimamente preparados para o futuro?

Esta é uma mudança tecnológica. Os empregadores estão eles próprios a tentar perceber o que irá acontecer com a IA. A maioria das empresas ainda nem sequer pensou sobre como usar a IA de forma adequada no seu negócio. Claro que há responsabilidade de [requalificação dos empregados], mas o que se está a passar é semelhante ao que aconteceu com a eletricidade: o que fazemos com ela? Temos de descobrir como nos adaptar e ter os equipamentos certos para cada setor. Temos de descobrir os bons e maus usos, e como regular essas utilizações. Haverá empregos que serão transformados ou substituídos. O perigo é assumir que alguém sabe algo que nós não sabemos. Temos de perceber juntos.

Mas acha que há risco de uma fatia expressiva de trabalhadores acabar cronicamente desempregada? Ou está otimista?

Não sei bem. Quando olhamos para a economia na sua globalidade, em geral, foram criados mais empregos ao longo da história do que foram destruídos. Não sabemos se será esse o caso e esse processo não é fácil. No passado, nos poucos casos em que categorias de empregos foram completamente destruídas, a maioria dos trabalhadores conseguiu empregos melhores. Mas os trabalhadores mais velhos frequentemente não conseguem essas oportunidades.

Teme que se repita essa segmentação etária?

Pode acontecer até o inverso. Pode ser que os trabalhadores mais velhos e com mais experiência consigam usar melhor a IA do que os jovens, que sabem menos sobre as empresas para as quais trabalham. Assume-se que a mudança tecnológica favorece os trabalhadores mais jovens. Não acho que isso seja verdade na IA. Há investigação que mostra que os trabalhadores mais jovens tendem a oferecer piores conselhos sobre como integrar a IA nas empresas, porque não sabem como estas funcionam. Portanto, não sei se vamos assistir ao padrão de disrupção de empregos que vimos noutros momentos.

A IA é boa em muitas tarefas, mas não é melhor do que os melhores humanos nessas tarefas. Por isso, digo às pessoas para seguirem as suas paixões.

Disse no início da nossa conversa que os empregos não são uma função, são conjuntos de tarefas. A propósito dos mais jovens, o que acontecerá aos empregos de entrada no mercado de trabalho, uma vez que as tarefas que os compõem são aquelas que estão em maior risco de serem assumidas pela IA?

De facto, os trabalhadores jovens preocupam-me mais do que os mais velhos precisamente por essa razão. A forma como um trabalhador jovem aprende a fazer o seu trabalho é através de estágios. Os estágios foram sempre sobre trocas. O estagiário faz o trabalho rotineiro, ainda que seja muito inteligente, e em troca aprende com o trabalhador sénior, que, em contrapartida, fica com alguém para lhe fazer as tarefas. Bem, esse conceito acabou este verão, porque as chefias intermédias preferiram delegar à IA do que a estagiários. Portanto, teremos de repensar a formação formal para os empregos, no futuro.

A propósito, além de autor, é professor. Acha que o sistema educativo terá ele mesmo de mudar para se adaptar a estas mudanças no mercado de trabalho que descreve?

Sim. Acho que vamos ter de ajustar a forma como a educação funciona. Ficaremos bem, mas ainda não sabemos o que será preciso mudar, qual será a missão.

Disse que está mais preocupado com os jovens do que com os mais velhos. Em que competências devem investir os jovens, que estão hoje ainda a estudar, de modo a estarem à prova de futuro?

Não temos ainda uma resposta. A IA é boa em muitas tarefas, mas não é melhor do que os melhores humanos nessas tarefas. Por isso, digo às pessoas para seguirem as suas paixões. Se é jornalista e é muito bom a fazer entrevistas, consegue definitivamente fazer entrevistas melhor do que a IA. E se é menos bom a escrever, use a IA aí. Não sabemos o que o futuro nos trará, portanto sigam as paixões.

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