Maria Ramos, uma das portuguesas mais influentes nos negócios, defende que há boas oportunidades de internacionalização para as PME portuguesas no continente africano.
As empresas portuguesas estão bem posicionadas para beneficiar com o potencial de crescimento de África. No entanto, restringir a aposta no continente a países com quem se partilha a cultura ou a língua implica perder oportunidades, avisa Maria Ramos, empresária e banqueira portuguesa, que vive na África do Sul, e é ex-presidente da AngloGold Ashanti e consultora do Banco Mundial, tendo sido considerada pela revista Forbes a 10ª portuguesa mais poderosa nos negócios.
“Há um enorme potencial de oportunidades para Portugal e para parcerias [em África]“, defende, em entrevista ao ECO, Maria Ramos, que ao longo da sua carreira passou por várias grandes instituições bancárias, tendo sido CEO do Absa Group Limited (anteriormente Barclays Africa Group), e da Transnet, além de ter sido diretora-geral do Tesouro Nacional de África do Sul durante oito anos.
Para a empresária, que esteve em Portugal a participar no EurAfrican Forum 2024, que decorreu nos dias 15 e 16 de julho na Nova School of Business & Economics (Nova SBE), “Portugal não deve restringir-se aos países com os quais partilha uma cultura e uma língua, porque perde outras oportunidades. Portugal seria muito bem-vindo em muitos países em África.” Maria Ramos reforça que “há muitas oportunidades e Portugal é muito respeitado em muitos países.”
Em termos de oportunidades, Maria Ramos destaca que há necessidades de investimento em vários setores, destacando, porém, que áreas como a construção, onde já há várias empresas portuguesas, nomeadamente em países como Angola e Moçambique continuam a ser muito importantes.
“Os setores tradicionais são muito importantes, porque se olharmos para o continente africano, a construção é um setor enorme”, aponta a empresária, destacando a grande necessidade de investimento em construção, água, saneamento, estradas, portos, etc.
Sempre falamos de grandes empresas, mas o que África mais precisa é daquele know how de pequenas e médias empresas (PME). São empresas que trazem energia, criam empregos e fazem a ligação [com a comunidade].
Além destes setores, a responsável destaca que a “agricultura é outra área” onde as empresas portuguesas podem apostar, assim como a tecnologia verde. “Portugal tem conseguido alcançar grandes coisas na energia”.
E não são apenas as grandes empresas que podem beneficiar com esta enorme necessidade de investimento. “Sempre falamos de grandes empresas, mas o que África mais precisa é daquele know how de pequenas e médias empresas (PME). São empresas que trazem energia, criam empregos e fazem a ligação [com a comunidade]”, explica.
Maria Ramos acredita que estas empresas de menor dimensão têm nos países africanos oportunidades para reforçar a internacionalização através de uma maior exposição à região.
Maior protecionismo? África e Europa podem reforçar laços
Maria Ramos destaca o grande potencial se a Europa e África reforçarem os seus laços comerciais, sobretudo num momento em que há grande incerteza em relação ao resultado das eleições norte-americanas e riscos de maior protecionismo.
“Portugal está numa situação excelente para criar uma ponte de ligação entre África e a Europa, porque conhece bem África e tem uma história e é um país importante na Europa. Nesta fase de desenvolvimento de África e Europa é o que se tem de fazer para agenda de crescimento das suas regiões. Portugal tem uma oportunidade de criar esta ligação entre os dois continentes“, defende.
Em termos de oportunidades concretas, a empresária e banqueira realça que “as agendas de desenvolvimento a um nível agregado [de África e Europa] são diferentes. Ambos os continentes têm que crescer. Ambos os continentes precisam de crescimento, estabilidade orçamental. Tiveram problemas de crescimento após a covid. Ambos os continentes precisam de investimento em infraestruturas, em novas tecnologias, inovação, energia, infraestruturas verdes, talento”.
Por outro lado, África tem algo que a Europa não tem: uma população jovem, “mas precisa de grande investimento em educação”, refere a responsável.
África é um enorme mercado. Está a desenvolver-se mais depressa que qualquer outra região do mundo e isso tem que ver com consumo e procura, tem que desenvolver os seus mercados domésticos.
Questionada sobre os riscos de maior protecionismo, caso Donald Trump vença as eleições norte-americanas, Maria Ramos esclarece que “maior protecionismo não é do interesse da economia global. Pode ser para alguns países, particularmente para os EUA, porque dá-lhes maior sentido de poder económico, mas a história ensina-nos que nem sempre tem os melhores resultados.”
“O que me preocupa é o protecionismo. Fizemos um grande progresso para um sistema de comércio mais aberto”, reforça, acrescentando que “há uma oportunidade para a África e a Europa desenvolverem laços económicos mais fortes”, destacando a importância de criar grandes sinergias entre estes países africanos e a União Europeia em várias áreas.
“África é um enorme mercado. Está a desenvolver-se mais depressa que qualquer outra região do mundo e isso tem que ver com consumo e procura, tem que desenvolver os seus mercados domésticos”, acrescenta Maria Ramos. Já “para a Europa [o investimento em África] é uma oportunidade para aumentar os seus mercados de exportação”.
Passar de exportador a produtor
No que diz respeito à transição energética e tecnológica, Maria Ramos identifica grandes oportunidades nestes setores, onde é necessário um grande investimento em tecnologias limpas, baterias, etc.
“A mudança climática é um dos maiores riscos existenciais. Não há como fugir a isto, a questão é como se usa este ponto desafiante para navegar esta transição e como se faz”, refere, adiantando que esta transformação “requer enormes quantidades de investimento, de tecnologia, tempo”. “Mas há uma enorme oportunidade para construir novos setores, empresas, criar oportunidades, investir em talento, inovação”, mas “não é algo que África possa fazer sozinha.”
“Muitas empresas já trabalham juntas, parcerias entre empresas europeias e africanas”, acrescenta Maria Ramos, reforçando a importância destas alianças estratégicas.
Precisamos de assegurar que não entramos noutro ciclo em que apenas exportamos os materiais de construção e não vamos beneficiar com outros desenvolvimentos tecnológicos. É uma oportunidade que não devemos falhar.
Com enormes recursos minerais, África poderá ser um dos grandes beneficiários desta transição energética, uma vez que as baterias dos carros elétricos necessitam de minerais. Mas, para Maria Ramos, a região tem que garantir que não volta a posicionar-se como um mero exportador.
“Precisamos de assegurar que não entramos noutro ciclo em que apenas produzimos os minerais e os exportamos. Apenas exportamos os materiais de construção e não vamos beneficiar com outros desenvolvimentos tecnológicos. É uma oportunidade que não devemos falhar”, argumenta.
Para a empresária, o continente deve garantir que tira também partido das oportunidades industriais. Não faz sentido, diz, “exportamos as baterias e importamos os carros. É preciso encontrar uma forma de relocalizar alguma produção nos países onde estão os minerais.”
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Investir em África? “Portugal não se deve restringir a países com os quais partilha língua”
{{ noCommentsLabel }}