Condições, preços, exclusões ou coberturas de seguros são temas para os quais a indústria do setor está a olhar nesta fase, para preparar o próximo ano, e a Covid-19 é um novo elemento a ter em conta.
As contas da pandemia – ou do seu impacto generalizado – ainda não estão feitas, porque o tema não tem fim à vista, mas é certo que algo está e vai mudar no mercado de seguros, avança o administrador da corretora centenária. Em entrevista, João Costa Duarte antecipa o que pode vir a ser diferente.
Começam a surgir evidências de que o novo coronavírus pode criar problemas de saúde, mesmo após a ‘cura’ da infeção. Este facto pode ter impacto, por exemplo, no preço de seguros de saúde?
A confirmar-se a existência de consequências da Covid-19, é de admitir que as regras de subscrição dos seguros de saúde venham a ser alteradas, inclusive ao nível de ajustamentos tarifários.
Tem conhecimento de que isso já seja uma realidade?
Não propriamente em relação à Covid-19, mas a questão é que as pré-existências são exclusões absolutas dos seguros de saúde e de vida. Ou seja, na apólice, estar lá a palavra Covid-19, ou não, é um pouco indiferente, porque não altera o sentido desta exclusão, o que significa que doravante a Covid-19 será considerada como uma pré-existência para todos aqueles que tenham sido infetados.
Imaginemos que tive uma doença oncológica, por exemplo, sem remissões, e que faço um seguro de saúde. Não vou pagar o mesmo do que alguém que não teve a doença…
Não direi que o preço não é o mesmo, o que direi é que as condições de aceitação não serão certamente as mesmas. E as condições de aceitação incluem vários fatores, como coberturas, capitais, preço, exclusões, etc.. Não me focaria apenas no preço, mas naquilo que em linguagem técnica se designa por underwriting.
Ou seja, o que se aplicaria neste caso poderia aplicar-se à Covid-19…
Em termos de princípio, sim.
Em seguros de empresas é menos previsível que surjam grandes alterações?
Nos seguros de património e de perdas de exploração, por via das dúvidas, há já alguns meses que o mercado de seguros implementou uma redação mais clara relativa à exclusão de doenças transmissíveis, em especial nos seguros all risks. Nos seguros dos administradores e diretores, vulgarmente designados por D&O, é possível que haja um impacto, porque se as empresas não tomam as medidas adequadas de proteção dos seus colaboradores, estão mais expostas a demandas que não existiam no passado. Neste caso, há uma alteração de risco diretamente causada pela Covid-19. Outro exemplo, é no seguro de crédito, onde por um lado a pandemia evidencia uma maior necessidade das empresas em recorrer ao seguro de crédito para proteção das suas vendas e, por outro, o apetite do mercado segurador pelo risco é menor e tem-se vindo a assistir reduções significativas dos limites de crédito concedidos. Ainda no seguro de crédito, tarda em ser aprovado e implementado o mecanismo de apoio do Estado Português ao seguro de crédito para o mercado interno, uma medida há muito reclamada pelo setor.
na linha do que tem vindo a suceder ao longo dos anos (a indústria seguradora) terá de ser repensada e adaptada, pois muitos seguros foram desenvolvidos para um outro enquadramento da economia mundial
Para eventos de grande dimensão, como os festivais de verão, num contexto pandémico, há alterações nos seguros?
Aqui falamos da área de seguros de contingências contratados caso a caso, e as pandemias estão cobertas e continuarão a estar, mas no futuro não a de Covid-19, porque já é conhecida, pelo que vai suceder o mesmo que sucedeu com a pandemia de SARS, ou com o caso do vulcão na Islândia, que afetou a aviação: passam a exclusões.
É possível que surjam novos seguros por causa desta pandemia?
A indústria seguradora é uma atividade secular, de importância reconhecida na proteção das empresas e das famílias, e na linha do que tem vindo a suceder ao longo dos anos terá de ser repensada e adaptada, pois muitos seguros foram desenvolvidos para um outro enquadramento da economia mundial. Veja-se o que se está a passar com os riscos cibernéticos, que obrigaram a respostas abrangentes do mercado segurador, para não falar nos riscos paramétricos que paulatinamente vão dando os primeiros passos.
É previsível que as moratórias, em vigor até 30 de setembro, sejam prorrogadas? Na banca vão até final de março de 2021…
Estamos a navegar à vista e há mais dúvidas do que certezas em relação à evolução desta pandemia. Há setores de atividade ainda fortemente afetados por esta pandemia e estou certo de que a indústria seguradora continuará a encontrar forma de ser parte da solução e não do problema. Por outro lado, o regulador continua a acompanhar de perto a evolução desta situação excecional, seja ao nível da proteção dos consumidores, seja na solvência dos seguradores, seja na adaptabilidade da distribuição de seguros no contexto desta pandemia.
Uma eventual extensão teria um impacto financeiro preocupante sobre as companhias, ou também seria caso a caso?
Olhando para os números do primeiro semestre, publicados há dias pela ASF, verificamos que os ramos Não Vida registaram um aumento da produção de 4,8%, ainda que o ramo Vida tem registado uma redução de 50%. Sem conhecer como irá evoluir esta pandemia é difícil avaliar o impacto financeiro no mercado de seguros português, mas,
a confirmarem-se os cenários mais pessimistas, é natural que a produção dos ramos Não Vida venha igualmente a ser negativamente afetada.
A negociação de seguros entre empresas e seguradoras vai mudar?
O mercado de seguros funciona por ciclos, a períodos mais ou menos longos de soft-market (preços mais flexíveis) seguem-se ciclos de hard-market (preços mais rigídos). O mercado vem há dois ou três anos em mudança de um ciclo de mais de mais 15 anos de soft-market, e é de esperar que a época de renovações que se avizinha venha a evidenciar um endurecimento das políticas de subscrição nos principais ramos Não Vida.
Em coberturas, exclusões, condições, preços…
Exato, tudo isto são questões que vão aparecer nas condições de renovação das apólices para o próximo ano.
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João Costa Duarte: “É natural que alguns seguros venham a sofrer alterações em 2021
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