“Lay-off foi determinante. Moratórias serão talvez problema mais complicado”, diz Silva Peneda

Silva Peneda considera que o lay-off simplificado foi a medida "mais poderosa que poderia ter sido montada" em resposta à pandemia. Antecipa que moratórias serão "problema delicado".

Em plena pandemia e apesar dos avisos dos patrões, o Executivo de António Costa decidiu atualizar o salário mínimo, uma decisão acertada e positiva, na opinião de José Silva Peneda. Em entrevista ao ECO, o social-democrata que foi ministro do Emprego e da Segurança Social de dois dos Governos de Cavaco Silva salienta que os apoios extraordinários que têm sido lançados são positivos, mas pecam por chegarem com atrasos ao terreno.

O lay-off simplificado, por exemplo, “foi determinante” para salvar postos de trabalho, diz. Mas avisa que as moratórias bancárias — outra das grandes medidas lançadas em resposta à crise pandémica — serão um “problema delicado” de gerir no futuro; Talvez até o mais complicado. E apesar destas medidas excecionais, os despedimentos dispararam, evolução que não surpreende Silva Peneda, face à caracterização do tecido empresarial português.

De olhos no futuro, o social-democrata que também já foi presidente do Conselho Económico e Social (CES) afirma que os apoios extraordinários só devem vigorar enquanto se mantiver a situação excecional e antecipa que o teletrabalho veio para ficar, mas será sempre preciso conjugá-lo com contactos presenciais. Defende também que se avance com a regulação dessa modalidade.

Esta é uma de duas partes da entrevista de Silva Peneda ao ECO. Na outra parte, o antigo ministro discute o Plano de Recuperação e Resiliência, o papel da Concertação Social e o futuro do Governo chefiado por António Costa.

O salário mínimo cresceu, em plena pandemia. O Governo prometeu compensações às empresas nesse âmbito. Que avaliação faz, tudo somado, dessa decisão?

Vamos por partes. Quanto ao salário mínimo, a decisão pareceu-me correta. É um instrumento importante no sentido de combater as desigualdades. Não chega, mas é importante. Portanto, foi uma medida positiva.

Quanto ao apoio às empresas, aí as coisas são mais complicadas. Tem havido muitos anúncios, mas há muita areia na engrenagem e há muita dificuldade em concretizar, depois, esses apoios na prática. Isso é o que se ouve da parte das confederações patronais. Do anúncio [dos apoios] à concretização, vai uma longa distância. O que é certo é que as empresas estão em grande dificuldade e a urgência desses apoios é manifesta. Quando [os apoios] vêm tarde, já não vêm a tempo e já não são necessários, porque as empresas já acabaram por desaparecer.

Aí temos problemas muito graves, fundamentalmente relacionados com as moratórias. Isso vai ser um problema muito delicado e talvez o mais complicado para o futuro, que é a forma como se vai gerir as moratórias que existem. Já ultrapassam os 46 mil milhões de euros. É muito dinheiro. A forma como esse processo for gerido vai ser fundamental para a manutenção de muitos postos de trabalho.

O mundo mudou muito, desde a globalização até à revolução tecnológica. O salário mínimo é uma componente relativamente pequena face às grandes mudanças que estão a acontecer no mundo do trabalho.

Estando as empresas em dificuldades, teria sido preferível esperar pela evolução da pandemia e eventualmente aumentar o salário mínimo a meio de 2021, quando já houve mais alguma certeza sobre o estado da economia?

O salário mínimo também tem uma componente importante que é o aumento do consumo. Portanto, também ajuda a economia. Se estamos à espera do final de tudo e quando a economia se resolver… Sabe, a pandemia trouxe muitas mudanças, que vieram na sequência de outras mudanças muito grandes. O mundo é muito mais complexo. A forma como o valor económico é criado resulta de novos modelos de negócio. A abertura dos mercados é completamente distinta do que existia antigamente. Há novas formas de comércio, novas tecnologias. Também há a terceirização de atividades produtivas. Tudo são fatores que têm um impacto enorme nas relações do trabalho. Portanto, o mundo mudou muito, desde a globalização até à revolução tecnológica. O salário mínimo é uma componente relativamente pequena face às grandes mudanças que estão a acontecer no mundo do trabalho.

Muita gente que pensava que a competitividade resultava dos custos unitários de trabalho… Esta era a visão da troika, por exemplo, quando esteve em Portugal. Sempre discordei dessa visão e continuo a discordar, porque os custos unitários de trabalho são apenas uma parte dos fatores determinantes da competitividade de uma empresa, de um setor. A competitividade resulta muito também da forma como as empresas estão organizadas, da liderança, das novas tecnologias. Esses fatores são muito mais determinantes da competitividade do que os custos unitários do trabalho. Portanto, relacionar o aumento do salário mínimo com perda de competitividade… Provou-se que os primeiros aumentos do salário mínimo não tiveram repercussões e as próprias confederações patronais acabaram por aceitar esses aumentos em sede de concertação social.

Disse que os apoios têm sofrido atrasos e que isso tem sido muito difícil para as empresas. O ano de 2020 ficou marcado pela criação de vários apoios, nomeadamente o lay-off simplificado, que foi uma das medidas mais populares. Que nota dá aos vários apoios? Foram adequadas?

Foram. O lay-off foi determinante. Se não fosse o lay-off, teríamos hoje uma taxa de desemprego que nem quero quantificar. O lay-off foi a medida mais poderosa que podia ter sido montada para esta crise. O lay-off foi, portanto, decisivo para que mantivessem alguns postos de trabalho. Acho que há uma unanimidade em considerar que essas positivas foram positivas.

Positivas e suficientes ou insuficientes apesar de positivas?

Nunca há medidas suficientes. Perante os problemas que o país tem de desigualdade, de nível de pobreza, tantas situações dramáticas que existem e que se vão acentuar nos próximos tempos, as medidas nunca são suficientes. Vão ser sempre escassas em relação às necessidades.

Não me surpreendem os despedimentos coletivos que aconteceram até agora e acredito que mesmo que houvesse mais apoios haveria sempre despedimentos, atendendo às características do nosso tecido produtivo.

Apesar destes apoios, os despedimentos coletivos dispararam para máximos. Os apoios deviam ter implicado um travão mais rígido aos despedimentos e à manutenção do emprego?

Em teoria, podemos pensar nisso tudo, mas na prática é diferente. O nosso tecido produtivo é composto, na sua grande maioria, por pequenas e médias empresas, algumas delas muito pequenas. Portanto, qualquer aragem adversa, elas soçobram e acabam por desaparecer. Se tivéssemos um tecido produtivo mais robusto, talvez as coisas fossem diferentes. Mas essas empresas que desaparecem e esses despedimentos coletivos geralmente são em pequenas unidades.

O futuro deve passar por apoios concentrados em empresas que produzam bens transacionáveis. Sou muito a favor que se privilegiem fusões entre empresas e aumentos de capital das empresas, porque hoje são muito escassas em capitais próprios e isso é uma fragilidade do nosso tecido produtivo. Mas não me surpreendem os despedimentos coletivos que aconteceram até agora e acredito que mesmo que houvesse mais apoios haveria sempre despedimentos, atendendo às características do nosso tecido produtivo.

Teme que os vários apoios excecionais que foram sendo criados se tornem definitivos? Isso seria nefasto para a economia?

Não podem ser definitivos. São apoios excecionais tomados numa época excecional. Agora, o excecional do tempo é que está a durar muito. Enquanto houver situações anómalas como as que têm acontecido, em que o mercado não está a funcionar de uma forma correta, é obrigação dos poderes públicos e das políticas públicas acudirem a esse tipo de situações. Mas é bom que todos tenham a noção que [os apoios] só devem prevalecer e estar em vigor durante o período extraordinário que estamos a viver. Ninguém pense que isto vai ser para toda a vida.

“É bom que todos tenham a noção que [os apoios] só devem prevalecer e estar em vigor durante o período extraordinário que estamos a viver”, diz Silva Peneda.MÁRIO CRUZ/ Lusa

Entretanto, o Governo já aprovou um novo pacote de apoios para acompanhar este momento de desconfinamento, tendo alargado o lay-off simplificado a empresas que, não estando encerradas, estão a ser muito castigadas pela pandemia. Esse alargamento chega depois de dois meses do início do confinamento. É tarde demais?

Chegou tarde, mas chegou. Se tivesse chegado mais cedo, se calhar teria sido melhor, mas ainda bem que chegou. Se calhar, poderia ter salvado mais empresas, se tivesse chegado mais cedo.

Uma das mudanças ditadas pela revisão de 2019 do Código do Trabalho foi o alargamento do período experimental para alguns. Assim que a pandemia chegou a Portugal, muitos dos trabalhadores que estavam nessa situação foram dispensados, dizem os sindicatos. Ainda concorda com o alargamento?

O alargamento foi consensualizado e até mereceu acordo dos parceiros sociais. Foi decidido numa altura em que não havia pandemia. A pandemia é que veio distorcer tudo. Portanto, a medida foi bem tomada na altura. E não foi por causa da medida que aconteceu depois o que aconteceu. Aconteceu em consequência da pandemia.

Não aconselho que o teletrabalho seja uma realidade permanente. Acho que deve ser alternado com a presença física na empresa.

Olhando para o futuro do trabalho, antecipa que o teletrabalho tenha vindo para ficar ou, no pós pandemia, o trabalho presencial voltará a ter a força de outros tempos?

O teletrabalho veio para ficar, mas cuidado. Com certeza que há aspetos regulatórios que devem ser afinados. Não me parece difícil que a lei possa contornar os obstáculos, como o direito a desligar e as despesas dos [teletrabalhadores]. Tudo isso pode ser regulado e não me parece difícil. É uma nova realidade e deve ser regulada. Em termos de regulação do mercado de trabalho, o que me preocupa mais são aqueles que estão fora do sistema, aqueles que não têm qualquer tipo de proteção. Não aconselho que o teletrabalho seja uma realidade permanente. Acho que deve ser alternado com a presença física na empresa, porque hoje ninguém faz as coisas isoladamente. Ter a relação interpessoal com os colegas de trabalho é fundamental. Entendo que uma empresa bem gerida não pode apostar só no teletrabalho. Tem de intercalar esses períodos de teletrabalho com contactos com os colegas.

E o que acha da semana de trabalho de quatro dias? Em Espanha, o debate está aberto. Em Portugal, teria pernas para andar?

Isso depende do setor. Não há soluções iguais para tudo. É uma matéria tipicamente de concertação social. Deixem os parceiros sociais entenderem-se sobre isso. Porque é que andamos nós a regular tudo? Um setor pode conseguir, mas noutro não ser possível. O tentar uniformizar tudo parece-me uma coisa que não tem sentido. Essa é uma matéria em que quanto menos o Estado intervir, para mim, melhor. O Estado deve regular o mercado de trabalho. Agora em termos de organização, desde que respeitem os princípios e as regras fundamentais de organização do mercado de trabalho, não vejo problema nenhum.

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