Líder do têxtil defende 1% do Orçamento do Estado para promover a marca Portugal

Novo presidente da ATP propõe projeto de moda colaborativa para promover os setores industriais no estrangeiro e sugere redução da TSU para "haver um equilíbrio entre as empresas e os trabalhadores".

Ricardo Silva, novo presidente da ATP (Associação Têxtil e Vestuário de Portugal), em entrevista ao ECORicardo Castelo/ECO

Ricardo Silva quer criar um sistema de moda colaborativa para vender a marca Portugal nos vários mercados. O novo presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) assume que é preciso unir esforços entre os vários setores industriais para criar efeitos de escala e redução de custos. “Temos de olhar para Portugal como uma empresa”.

Com o setor a atravessar um período difícil, marcado pela crescente concorrência chinesa, pelas tarifas dos EUA e pelo abrandamento do consumo, o líder da associação que representa o têxtil e vestuário pede “dotação orçamental para promoção da marca Portugal”. Ricardo Silva defende que o Orçamento do Estado dedique 1% à promoção no exterior. Um número que assume “provocativo”, mas que, diz, até pode ser “pouco” para quem quer crescer as exportações.

Quanto a outras medidas, refere a importância de reduzir a carga fiscal sobre o trabalho, abrangendo os trabalhadores, mas em “equilíbrio” com as empresas.

O setor tem sido pressionado pelo abrandamento do consumo na Europa e pela crescente concorrência chinesa. Estão a explorar novos mercados para diversificar negócio?

O setor é diversificado. Os têxteis-lar têm uma grande pegada nos Estados Unidos. Já o vestuário português está mais presente em vários países da Europa e, tendencialmente, no centro e no norte da Europa. Acredito que isto se manterá nos próximos anos. Temos de explorar os mercados em crescimento. Por exemplo, o Médio Oriente está em crescimento. As empresas estão a observar como se comportam as dinâmicas de mercado e como conseguimos encontrar canais. Por outro lado, o Mercosul é um polo. Com o acordo da Europa do Mercosul a entrar em vigor, vai ser um caminho e temos discutido bastante entre os associados as vantagens e as ameaças. Estes são os dois polos principais diferentes dos mercados anteriores.

Estão a preparar alguma campanha para explorar esses mercados?

Esse é o nosso papel da ATP enquanto sistema mais estruturado. Tendo em conta o potencial de Portugal, há uma oportunidade. Temos em Portugal forças em muitas destas valências, desde a fiação até à peça final, mais toda a transparência desta cadeia de valor. Temos algo único no mundo. Independentemente do subsetor – se é vestuário, tecido ou têxtil -, temos uma força muito única.

Há outros países com clusters têxteis relativamente próximos. A China consegue produzir tudo, mas a confiança que há entre empresas dentro de Portugal é muito diferente da confiança que existe entre as empresas dentro da China, ou em Itália. Estamos a criar um sistema de moda colaborativa em Portugal, que queremos catapultar para o mundo nestes vários mercados. Depois vamos posicioná-la nos vários mercados com diferentes eventos.

Ricardo Silva quer criar um sistema de moda colaborativa, para vender a marca Portugal no exterior.Ricardo Castelo/ECO

E como é que esse sistema vai funcionar?

Queremos que as empresas se unam e criem peças comercialmente fortes, que sejam mostra de valor daquilo que Portugal é capaz de fazer com a junção de vários parceiros. Vamos juntar produtores de materiais, criadores de peças e a sua manufatura, parceiros industriais que consigam trazer mais valor acrescentado a essas peças. As três faces do mesmo puzzle, que consigam uma ou várias peças únicas – e alargar a todo o setor tanto quanto possível.

Portanto, criar um conjunto de peças que sejam identificáveis – que se consiga perceber quem as fez, que traga transparência – e que traga o que de melhor há em Portugal em cada uma daquelas peças, sejam roupas, toalhas, lençóis, casacos ou meias. Tudo o que seja possível fazer em Portugal e consiga mostrar a colaboração industrial, incluindo design. Queremos ter uma mega agenda para esta cocriação de moda colaborativa e de presença mundial.

Já estão a integrar as empresas nesta ideia?

Ainda não. Vamos lançar este desafio, a marca Portugal.

Não haverá marca individual das várias empresas?

Tem de haver transparência, até por equilíbrio entre as empresas, para que haja mais confiança, para que as empresas vejam o valor enquanto estão a pensar, a fazê-las e vejam o valor futuro. As empresas vão estar identificadas. Queremos que haja uma marca distintiva, portuguesa, mas que esteja refletida em cada uma das peças, em cada um dos produtos finais. Algo que seja agregador entre todos os modelos. Isto é uma estratégia de posicionamento mundial da marca Portugal, de afirmação de um setor com peso industrial, mas também com força criativa. Falta-nos mais ‘marca Portugal’ em qualquer setor.

[A moda colaborativa] é uma estratégia de posicionamento mundial da marca Portugal, de afirmação de um setor com peso industrial, mas também com força criativa.

Ricardo Silva

Presidente da ATP

Muita gente diz que o calçado fez uma boa aposta nos últimos anos. Vê-se que houve um esforço desse setor, um esforço do Estado, para que estivesse visível. Mas eu acredito que é preciso uma marca Portugal, transversal ao país. Se houver uma marca Portugal em todos os setores, vamos ter sinergias e redução de custos. Temos de olhar para isto como uma empresa. Portugal é uma empresa, em último caso. Se tiver os esforços alinhados entre todos os intervenientes dessa mesma empresa, temos um efeito de escala muito positivo.

É importante ter o apoio do Estado na promoção desta nova marca Portugal no têxtil?

Parte desta iniciativa tem de ser com apoio, principalmente na promoção lá fora. Contamos com o apoio da AICEP. Queremos perceber até que ponto é que mais entidades públicas e privadas conseguem estar alinhadas connosco para essa missão.

O Orçamento do Estado para 2026 está agora a ser votado. Esperava encontrar na proposta mais apoios ao setor?

As medidas que identificamos como necessárias são na carga fiscal sobre o trabalho. Estamos num período conjuntural mais difícil, o trabalho tem de ser mais valorizado e recompensado. Deve haver um equilíbrio entre a carga fiscal para o trabalhador e para a empresa. Mais do que a redução do IRC, apoio a redução do IRS e da Taxa Social Única (TSU). São as duas medidas que têm de ser valorizadas. Falou-se pouco de IRS. Há aqui uma descida pouco significativa, pode ser um início.

Mas ninguém fala da TSU. A TSU está na alçada da Segurança Social. Temos visto falar ultimamente dos resultados da Segurança Social a subirem por causa da imigração. Temos mais receitas para a Segurança Social. Provavelmente conseguimos reduzir a TSU para haver um equilíbrio entre as empresas e os trabalhadores, porque isso importa muito. Se vemos, consecutivamente, aumentos salariais de forma significativa, acredito que tenha de haver aqui uma estratégia para haver um equilíbrio.

Deve haver um equilíbrio entre a carga fiscal para o trabalhador e para a empresa. Mais do que a redução do IRC, apoio a redução do IRS e da TSU. (…) Se vemos, consecutivamente, aumentos salariais de forma significativa, acredito que tenha de haver aqui uma estratégia para haver um equilíbrio.

O segundo ponto, e voltando à nossa moda colaborativa, é haver uma dotação orçamental para promoção da marca Portugal, que reforce Portugal enquanto país e não [deixe] cada um dos setores sozinho. Se não está no Orçamento, não vai ser agenda. Se queremos ter uma promoção forte para aumento de valor acrescentado, para aumento de exportações, para reduzir a necessidade de importações, a promoção com comunicação, marketing e promoção direta é essencial.

Porque não 1% do Orçamento de Estado dedicado à promoção de Portugal? Parece pouco, mas, na verdade, 1% do Orçamento de Estado é muito dinheiro. É provocativo. Se falarmos em áreas muito estratégicas, como a farmacêutica, no mundo dedica 15% do seu orçamento a desenvolvimento de tecnologia. Se falarmos da área de serviços, provavelmente alguma coisa está no marketing. Há sempre uma componente de marketing e comunicação, ou seja, promoção.

Como é que um país não tem nada dedicado à promoção? Estou a falar de 1%, que se calhar até é pouco para um país que quer crescer nas exportações. Um país que tem potencial de crescimento técnico, tecnológico, tem as valências. Se não vendemos, não entregamos. Se podemos entregar e não vendemos, claramente o foco tem de estar nas vendas. E as vendas de um país dependem da promoção do país lá fora. A AICEP tem a missão, mas se não tiver os recursos, a dotação orçamental e não houver ligação entre entidades públicas e entidades privadas na área da comunicação, essa promoção provavelmente vai ser difícil.

Novo presidente da ATP pede dotação orçamental para apostar na promoção da marca PortugalRicardo Castelo/ECO

Tem havido algumas linhas de investimento para que empresas ou associações possam fazê-lo individualmente. Mas tem de haver uma frente unida. Porque hei de comunicar o têxtil português e o calçado português, quando é tão mais fácil juntar e dizer ‘de Portugal’? Moda portuguesa, produto português, tecnologia portuguesa, um país.

Estas são as minhas únicas duas linhas: redução da carga fiscal sobre o trabalho, em equilíbrio entre as pessoas e as empresas, e uma linha de dotação específica para promoção.

Quais são as suas outras prioridades?

Outra prioridade passa por dotar e assessorar as empresas do tecido têxtil de melhores dados para melhores decisões. Sabemos que somos um setor genericamente tradicional – e tradicional tem uma conotação negativa, de pouco tecnológico, pouco avançado. É importante tornar as empresas mais atuais, com mais dados, mais informação credível sobre mercados, produtos, dados financeiros. Ajudar as empresas a tomar melhores decisões com base em dados.

Não têm esses dados estatísticos?

Hoje fazemos, de uma forma muito manual, alguma análise às importações, às exportações, mas muito macro. Até porque – e agora passo uma crítica — o INE, enquanto instituto, tem muitos dados, porque os recolhe. Mas fui pessoalmente tentar perceber como é que conseguimos extrai-los de forma digital e automática, e não é possível. Vamos ter de criar formas, junto do INE e de outras entidades, de encontrarmos uma ferramenta simples. Quero fazer com que as empresas portuguesas se assemelhem a uma empresa digitalmente evoluída.

Sabemos que somos um setor genericamente tradicional – e tradicional tem uma conotação negativa, de pouco tecnológico, pouco avançado. É importante tornar as empresas mais atuais, com mais dados, mais informação credível sobre mercados, produtos, dados financeiros.

Ricardo Silva

Presidente da ATP

Falando em digitalização, o setor também tem enfrentado esta transformação tecnológica. Como está posicionado?

Portugal é o país com mais digitalização no chão de fábrica, sejam empresas grandes, sejam pequenas. Por métodos de fabrico, robotização em algumas áreas, seja na tinturaria, seja na área da confeção, temos sempre muita tecnologia disponível e já é usada há muitos anos. O maior desafio é passar desta tecnologia produtiva para tecnologia de gestão.

E a Inteligência Artificial (IA) já está a entrar nas fábricas?

Está. É [um processo] mais lento porque é menos visível. O primeiro desafio passa por perceber para que serve e onde vou usar a Inteligência Artificial (IA). Esse é o desafio em que estou hoje, pessoalmente. Serve para alguma coisa? Serve, ainda não consegui perceber é onde.

Não percebeu ainda como pode ser útil na fábrica?

Uma coisa são as pesquisas que fazemos no chatGPT e afins. Outra coisa é aplicar a IA no negócio e nos nossos processos de dia-a-dia. Na ATP vamos ter um bootcamp para a associação e para empresas associadas, e vamos estar todos juntos na mesma sala nas próximas semanas, precisamente para percebermos essa primeira pergunta: para que consigo usar inteligência artificial? Primeiro tem de haver um diagnóstico. Se não há um diagnóstico, não sabemos sequer o que existe. Há três anos ninguém falava disto. Devemos estar alerta para as várias possibilidades e oportunidades de diagnóstico rápido.

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