O presidente do Sindicato dos Magistrados do MP faz um balanço do XIII do Congresso do MP. Critica o poder político pelo desinvestimento na Justiça e pede reforço de funcionários judiciais.
Adão Carvalho nasceu em Ermesinde em 1973. Vive no Porto, licenciou-se em Direito em 1996, na Faculdade de Direito da Universidade Portucalense. Mestre em Ciências Jurídico-Económicas desde 2019, pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, com a apresentação de uma dissertação intitulada “O Enquadramento da Fraude Fiscal nas Finanças Públicas da União Europeia – A Jurisprudência do TJUE”. Ingressou no Centro de Estudos Judiciários em 1998 e iniciou funções como magistrado do Ministério Público em 2001, tendo exercido funções essencialmente na área da investigação criminal.
Exerceu funções como Presidente da Distrital do Porto do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e é atualmente Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. No XIII Congresso do SMMP, que terminou no passado sábado, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) deixou um recado no que respeita à escolha do próximo Procurador-Geral da República (PGR): o sucessor de Lucília Gago deve ser um magistrado do Ministério Público.
Realizou-se o XIII Congresso do SMMP. Quais são os principais desafios que a profissão enfrenta e que estiveram em análise?
Nos congressos organizados pelo SMMP existe sempre o cuidado de escolher temas atuais e que visam contribuir para que o MP seja capaz de se organizar e apresentar uma melhor resposta aos desafios atuais. Entre os temas tratados: MP – Proximidade aos cidadãos e acesso à justiça; articulação e trabalho em equipa; inteligência artificial e investigação criminal; autonomia do MP enquanto garante da independência dos Tribunais.
A PGR termina brevemente o seu mandato. Que balanço faz do mesmo?
Características da sua personalidade determinaram que fosse uma PGR mais distante e com menor capacidade de comunicação para o interior e para o exterior, no entanto existem aspetos positivos do mandato como o investimento na intervenção do Ministério Público na área das crianças e jovens e a criação das SEIVD (serviços especializados na investigação dos crimes de violência doméstica e de género); a coragem evidenciada nos tempos mais recentes, de vir a público defender o Ministério Público e os seus magistrados, alvos de uma campanha orquestrada para descredibilizar as investigações e condicionar a sua atuação; e ter sido a primeira Procuradora-Geral da República a assumir e defender publicamente a necessidade de consagração da autonomia financeira do Ministério Público enquanto garante da sua efetiva autonomia.
Em jeito de conclusão, embora com algumas reticências, atribuímos nota positiva ao seu mandato.
Características da sua personalidade determinaram que fosse uma PGR mais distante e com menor capacidade de comunicação para o interior e para o exterior, no entanto existem aspetos positivos do mandato como o investimento na intervenção do Ministério Público na área das crianças e jovens e a criação dos serviços especializados na investigação dos crimes de violência doméstica e de género); a coragem evidenciada nos tempos mais recentes, de vir a público defender o Ministério Público e ter sido a primeira Procuradora-Geral da República a assumir e defender publicamente a necessidade de consagração da autonomia financeira do Ministério Público enquanto garante da sua efetiva autonomia.
Há dois anos, em entrevista à Advocatus, afirmou que a PGR deveria prestar mais esclarecimentos. Num contexto atual, em que casos mediáticos acabaram na queda do Governo e do Governo Regional da Madeira, mantém essa posição?
Processos com cada vez maior repercussão pública e envolvendo arguidos ou suspeitos que exercem relevantes funções públicas exigem da PGR uma maior e melhor comunicação com o exterior, a sociedade. Não no sentido de vir discutir na praça pública com os advogados de defesa os fundamentos e as provas concretas dos processos, mas sim para, de uma forma o mais objetiva possível, contribuir para o esclarecimento público e atenuar a desinformação que normalmente anda associada a esses processos e dessa forma contribuir para o reforço da confiança dos cidadãos na ação da justiça e do Ministério Público em particular.
Essa foi sempre a minha posição e mantenho-a.
Perante os recentes desenvolvimentos na Justiça portuguesa, com a Operação Influencer, Corrupção na Madeira e mesmo a absolvição de Miguel Alves, o MP, mais do que nunca, deveria prestar contas?
Em primeiro lugar não devemos tirar conclusões precipitadas antes de conhecer as decisões definitivas nos processos e, muito menos, tirar ilações de fases claramente embrionárias dos processos.
A ação do MP é totalmente escrutinada em duas vertentes: No processo, porque todas as decisões aí tomadas estão sujeitas ao contraditório e são objeto de um controlo jurisdicional por parte do Tribunal.
No Conselho Superior do Ministério Público, órgão plural onde têm assento representantes da Assembleia da República e do Ministério da Justiça, que exerce os poderes, classificativo e disciplinar, estando os magistrados sujeitos a avaliações regulares do seu desempenho.
Para além disso a PGR publica anualmente relatório sobre o desempenho do MP nas mais diversas áreas e se analisarmos os dados aí recolhidos e objetivos podemos concluir que, por exemplo, no domínio do exercício da ação penal, a percentagem de condenações em caso de dedução de acusação pelo MP situa-se na ordem dos 90%, valor que atesta a qualidade desta magistratura e o rigor e objetividade que empenham no exercício das suas funções.
A responsabilidade dos problemas da Justiça pode ser atribuída aos vários Governos, indiscutivelmente. Os tribunais em geral e o MP em particular são o parente pobre do Estado e fruto de um desinvestimento ao longo de várias décadas temos situações cada vez mais preocupantes.
Os prazos que existem na lei, na prática, são quase só para advogados. Os prazos deveriam ser mais apertados?
Isso é totalmente falso. O MP está sujeito aos mesmíssimos prazos processuais que os advogados nas fases processuais de instrução e julgamento.
Estamos a confundir prazos processuais com duração das fases processuais, quando uma e outra coisa são totalmente distintas.
A fase de inquérito dirigida pelo MP, bem como a fase de instrução dirigira por um juiz, têm legalmente previsto um prazo máximo de duração, prazo esse sempre entendido como meramente regulador. E tem de ser necessariamente assim, sob pena de o Estado estar a renunciar ao exercício da ação penal, ao estabelecer prazos perentórios de duração dessas fases processuais com consequências graves para a realização da justiça. Em nenhum país da Europa existem prazos perentórios de duração das fases processuais, o que existe, tal como cá em Portugal, a bem da segurança e certeza dos cidadãos, são prazos de prescrição e de caducidade. Afirmar que só os advogados têm prazos é tentar vender gato por lebre e esse é um discurso populista e pouco sério.
Os juízes e MP estão numa guerra aberta, atualmente (temos várias decisões de juízes contra posições do MP…) ?
Não existe qualquer guerra entre juízes e procuradores. Todos os dias trabalhamos em conjunto, num ambiente saudável, com respeito pelas competências próprias de cada magistratura. Faz parte da dialética judiciária a existência de entendimentos divergentes entre procuradores e juízes, como entre os procuradores ou entre os juízes. A existência de pesos e contrapesos é que permite que o nosso processo penal não seja “kafkiano” e que no final se faça justiça.
Que medida urgente proporia para acelerar a Justiça?
Resolver o problema decorrente da falta de funcionários judiciais, sobretudo os que prestam apoio ao MP, sob pena de eminente rutura de muitos serviços e, claro, reforçar os recursos e meios do MP de forma a garantir uma igualdade de armas entre os criminosos e quem investiga.
E para simplificar?
A consagração ao nível do processo penal da atribuição ao MP, na fase de inquérito e ao juiz nas fases de instrução e julgamento do princípio da gestão processual.
A autoridade judiciária que preside a cada uma das fases tem de estar dotada dos necessários poderes de praticar os atos necessários ao prosseguimento do processo, de recusar o que seja impertinente ou meramente dilatório e de adotar mecanismos de simplificação e agilização do processo. O que tem de ser efetuado nessa matéria é encontrar um equilíbrio entre a necessidade de assegurar uma justiça eficaz e em tempo útil, a proteção das vítimas e os direitos de defesa dos arguidos. Na nossa perspetiva, tal seria alcançado, no processo penal, através do reforço dos poderes de direção e organização do processo de quem dirige cada uma das fases processuais.
Existe uma politização da Justiça, atualmente?
Nos modernos Estados de direito democrático existe uma necessária interdependência entre os poderes do Estado – legislativo, executivo e judicial e, portanto, os dois primeiros têm a seu cargo fazer as leis e dessa forma conformar o sistema de justiça e aprovar as políticas para a justiça enquanto o terceiro que se quer independente exerce o seu papel de regulador das relações sociais.
O que não pode acontecer é o poder político tentar condicionar a ação do sistema de justiça para que os seus titulares e responsáveis escapem, nas suas ações e omissões, à tutela dos tribunais, com comprometimento do princípio da igualdade de todos perante a lei.
Os Conselhos Superiores deveriam ter mais elementos de fora da magistratura?
Tal como tem sido evidenciado nos vários relatórios do GRECO para a prevenção da corrupção em relação a deputados, juízes e procuradores, Portugal continua a incumprir as respetivas recomendações por a composição do Conselho Superior da Magistratura poder ter uma maioria de não magistrados, o que só não acontece de facto porque o Presidente da República tem sempre indicado juízes para essas funções.
Portanto é indiscutível que os conselhos superiores devem ter uma maioria de magistrados, sob pena de incumprimento por Portugal das diretrizes do Conselho da Europa e sobretudo por isso comprometer a própria independência do sistema judicial.
Os megaprocessos são um dos problemas atuais a resolver ou a evitar?
O problema dos megaprocessos não é uma questão de alteração da lei, mas de melhor gestão do processo por parte de quem o dirige.
Novas formas de criminalidade, designadamente no domínio económico e financeiro, da corrupção, do cibercrime, maior complexidade e prolixidade dos meios empregues, maior pressão pública, maior escrutínio público, criminosos com grande poder económico e de influência nos media e na opinião pública, podem exigir da nossa parte uma nova e, por ventura, mais estruturada abordagem.
– Estratégia investigatória e processual: O MP tem, logo desde o início do inquérito, de exercer efetivamente a sua direção – na definição do objeto da investigação; na articulação com o OPC que vai coadjuvar o MP; na gestão do tempo do processo; na identificação das diligências relevantes para o fim visado.
– Estratégia que não pode ter apenas por horizonte o inquérito, mas que deve ir para além deste e compreender a instrução, julgamento e recurso, devidamente aquilatada com a experiência resultante de anteriores investigações e que tem necessariamente de contar com a participação ou direção das mesmas por elementos necessariamente externos ao MP.
– Trabalho em equipa e articulação entre magistrados que vão intervir nas diferentes fases do processo. Simbiose de conhecimentos e experiências que tem de funcionar em ambos os sentidos e que congrega todos num esforço harmonizado e comum.
O que não pode acontecer é o poder político tentar condicionar a ação do sistema de justiça para que os seus titulares e responsáveis escapem, nas suas ações e omissões, à tutela dos tribunais, com comprometimento do princípio da igualdade de todos perante a lei.
A Justiça continua a ser um bloqueio ao investimento estrangeiro?
Penso que a justiça relevante na opção dos investidores estrangeiros já conheceu importantes avanços, designadamente no domínio do cível, comércio, insolvências e execuções, com uma melhoria da qualidade e tempo de resposta. A que ainda continua a falhar é a justiça administrativa e fiscal sobre a qual, fruto de diversas vicissitudes, ainda não foi adotada uma estratégia adequada pelo poder político e que a permita tornar mais célere.
A responsabilidade dos problemas da Justiça também pode ser atribuída aos vários Governos?
Indiscutivelmente. Os tribunais em geral e o MP em particular são o parente pobre do Estado e fruto de um desinvestimento ao longo de várias décadas temos situações cada vez mais preocupantes, como a falta de funcionários judiciais (menos 1/3 do que há quinze anos atrás); imobiliário degradado e equipamentos obsoletos; prolixidade e falta de qualidade das leis, alteradas recorrentemente e de forma leviana; A falta de autonomia financeira do MP condiciona a sua autonomia em relação ao poder executivo, ao ficar dependente das opções de investimento políticas, tantas vezes desacertadas e pouco coincidentes com as efetivas necessidades do MP.
Que medida considera urgente (para a Justiça) que tem de estar na agenda do Governo a ser eleito?
Resolver o problema da falta de funcionários judiciais.
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“Não existe qualquer guerra entre juízes e procuradores”, diz Adão Carvalho, presidente do Sindicato do Ministério Público
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