Leia a entrevista de Nuno Cerejeira Namora sócio fundador da Cerejeira Namora, Marinho Falcão. Covid-19, teletrabalho e como será o futuro próximo dos escritórios de advogados são os temas em destaque
Que impacto é que esta crise em consequência do Estado de Emergência poderá ter na nossa economia?
O debate a que se tem assistido na última semana em torno da saúde pública versus economia tem sido interessante, não obstante por vezes partir de pressupostos errados. Não há nenhuma dicotomia entre saúde pública e economia, uma vez que sem uma a outra não existe nem pode prosperar. Daí que também se fale na necessidade de encontrar um equilíbrio entre as restrições em nome da saúde pública e os danos provocados na economia. Foi precisamente este ponto que os diversos diplomas procuraram atingir. Infelizmente, esse equilíbrio é virtualmente impossível, traduzindo-se num jogo de soma zero, onde qualquer ganho de um lado provocará inevitavelmente uma perda no outro, pelo menos até haver uma vacina ou medicamento que trate a doença.
Assim sendo, vamos ter de continuar a conviver com medidas de restrição das liberdades dos cidadãos e dos agentes económicos e essas medidas vão continuar a ter impactos enormes na economia, sendo que as previsões mais otimistas não excluem o aumento exponencial do desemprego, o aumento do número de insolvências pessoais e empresariais, a retração do investimento, a diminuição do consumo, o aumento do défice e da dívida pública, entre outras.
E o impacto nos escritórios de advogados, será muito negativo?
Não será exagerado dizer que a advocacia viverá um momento de crise. É inegável que as sociedades de advogados vão sentir o impacto negativo desta crise, como todos os players do setor dos serviços. Uma crise com efeitos mais imediatos e devastadores nos se tores industriais, dos produtos e do retalho repercute-se também, a jusante, nos serviços. É um efeito de dominó direto. Já assistimos a este movimento na crise das dividas soberanas. Este momento poderá ser ainda mais penoso por termos as nossas alavancas comerciais em down, como a Espanha, Alemanha ou França.
O Covid-19 vai conduzir muitos advogados em prática individual ao encerramento dos seus escritórios; pequenos escritórios vão ter de passar por processos de fusão e porventura quase todas as médias e grandes sociedades de advogados vão sentir a crise, a qual se repercutirá em menores resultados económicos em 2020. Pelo menos.
Só poucas as médias e grandes sociedades de advogados que manterão o mesmo nível de facturação.
Ou terá um aumento significativo do volume de negócio dos escritórios, nomeadamente na área de laboral ou de insolvências?
Estas duas áreas são aquelas que, desde logo, saem reforçadas pela sua proeminência em tempos de crise. Num primeiro momento, as necessidades de apoio preventivo e reativo à crise centram-se no laboral e na gestão de Recursos Humanos, para logo se focarem no planeamento do day after tomorrow.
No plano das insolvências, será também esta uma área que verá uma procura exponencial, naturalmente forçada, mas que é inevitável para organizações e negócios que não consigam sobreviver ou reagir à crise com outros mecanismos. No período pós-crise, a litigância laboral judicial será também previsivelmente colossal, fruto do caudal legislativo sem precedentes e com dispositivos legais lacunares, imperfeitos e tecnicamente débeis que têm já levantado inúmeras dúvidas interpretativas. A somar, nem sempre esclarecidas ou retificadas, e, as mais das vezes, “remediadas” através de meios e instrumentos de validade questionável quando apresentados perante órgãos decisores e aplicadores do Direito.
Temos sentido, para já, uma procura mais intensa em determinadas questões e áreas, que vão desde o Direito do Trabalho, ao Direito Civil (contratos e arrendamento), ao Direito da Insolvência, ao Direito Bancário, ao Imobiliário, à Proteção de Dados.
Aquilo de que nos apercebemos é de que cada vez mais os temas e os problemas dos clientes relacionados com o Coronavírus e os seus impactos não ficam confinados a uma determinada área, mas, antes, implicam um tratamento multi e interdisciplinar. Daí que tenhamos investido na criação de uma task-force dedicada aos efeitos, em termos jurídicos, da pandemia.
Está a trabalhar em casa? Tem sido difícil gerir um escritório remotamente? O que mudou na sua rotina?
Felizmente, estávamos tecnologicamente preparados e desde o primeiro momento, logo no dia 13 de março, toda a estrutura estava a trabalhar remotamente apenas com os serviços mínimos indispensáveis localmente nos escritórios.
Sem imaginar o que aí vinha, nos últimos anos investimos muito em tecnologia. A primeira fase passou pela digitalização dos escritórios, e mais recentemente, pela digitalização dos procedimentos de trabalho. Hoje temos um ambiente de trabalho totalmente digital. As ferramentas de que dispomos tem-nos permitido continuar próximos dos nossos Clientes e Colegas e, acredito, que mais presentes e perto do que nunca. Mesmo temas ou assuntos que anteriormente se resolviam e debatiam por escrito ou telefone, hoje são tratados em videocalls, que fazem já parte da nossa rotina. O empenho de todos tem-nos feito abrir as portas e entrar digitalmente nas casas de cada um, o que por incrível que pareça, tem aproximado e pessoalizado ainda mais as relações humanas. Todos sentimos falta do contacto pessoal e do habitual alvoroço diário, que são insubstituíveis, mas as adversidades fizeram-nos adaptar e concluímos todos os dias com a sensação de ter efetivamente estado com todos.
Todo o escritório esta em tele-trabalho?
Há mais de um mês que toda a organização está em teletrabalho, com exceção de alguns elementos das áreas de suporte que asseguram serviços indispensáveis. Para nós esta mudança de paradigma não foi particularmente violenta, na medida em que, por um lado, já anteriormente tínhamos alguns profissionais a trabalhar partir de casa, e, por outro lado, estávamos equipados do ponto de vista tecnológico para fazer a transição para um ambiente de trabalho totalmente digital. Ou seja, já estávamos habituados a usar as ferramentas virtuais, pelo que agora só as passamos a usar mais intensamente.
A gestão do escritório naturalmente que obrigou a numa fase inicial a mais reuniões de board e de coordenação de áreas de expertise. Já se realizavam semanalmente, passaram agora a realizar-se por videoconferência. A rotina, por conseguinte, não se alterou significativamente.
A maior diferença está mesmo no número de horas passadas em frente ao ecrã ou ao telefone com Colegas e Clientes. Esse, sim, aumentou muito. Estamos preocupados com os riscos associados ao teletrabalho que o isolamento pode provocar e, por essa razão, a nossa direção de RH tem estado muito ativa. Criámos uma playlist corporativa no Spotify, aconselhámos varias plataformas de exercício físico, e sugerimos até, lojas de entregas de produtos alimentares biológicos.
O que é que a vossa empresa/escritório tem feito para ajudar mais ainda os clientes nesta fase da pandemia?
Nos tempos que vivemos impõe-se esforços a todos os cidadãos e setores. A nossa área não poderia ser exceção e, temos procurado auxiliar a nossa comunidade e os nossos clientes com iniciativas de serviço público. Esta é a hora em que mais precisam de nós, e por isso mesmo, não podemos falhar. Passámos a estar presentes em muitas reuniões de estratégia empresarial, onde o futuro de muitas empresas ali se decidiu. Todos os profissionais têm assumido esta causa com uma entrega inexcedível no estudo e investigação em tempo record para permitir a disponibilização online gratuita de documentos explicativos, de interpretação legislativa e de simplificação das medidas aprovadas pelo Governo. Por outro lado, as ações de formação ou esclarecimento à distância têm também tido uma frequência diária nos vários meios. Aumentamos também o número de Advogados e áreas nas quais damos apoio gratuito a pessoas e entidades sem fins lucrativos, vulgo, pro bono.
Que marca vai deixar a vossa sociedade pós Covid?
Temos apostado numa resposta flexível que vá de encontro àquilo que os clientes necessitam nesta altura. Logo no primeiro momento, disponibilizamo-nos para reunir com os clientes por videoconferência, telefone ou mensagem, facilitando ao máximo as formas de comunicação e tentando diminuir significativamente os tempos de resposta.
Depois, procuramos manter todos os nossos clientes devidamente informados e conscientes dos direitos e garantias de que dispõem no âmbito da pandemia e do estado de emergência.
Além disso, e porque este momento é excecional, sendo os advogados chamados a desempenhar uma importante missão de serviço público e esclarecimento, publicamos já, com acesso livre, o Coronavírus Legal Brief, documento atualizado diariamente que compila e explica toda a legislação que vai sendo publicada sobre este assunto, e uma série de documentos de acesso público sobre as medidas adotadas no âmbito do estado de emergência, no âmbito do lay-off simplificado, no domínio do arrendamento e das obrigações fiscais.
O essencial é que os nossos Clientes continuam a poder contar connosco para todos os problemas, questões e dúvidas. É importante deixar claro que num contexto como aquele que vivemos, em que praticamente nada permanece igual, é essencial que as empresas e os cidadãos conheçam os seus direitos e as suas obrigações, quer se trate do acesso ao crédito, ao lay-off, ao teletrabalho, ao despedimento ilícito, à reestruturação empresarial ou ao incumprimento contratual.
A Cerejeira Namora, Marinho Falcão tem sofrido ou beneficiado com esta ‘paragem’ da economia e serviços?
O primeiro trimestre de 2020 foi o melhor dos últimos três anos. O mês de março e, até aqui, abril, foram meses em que registamos uma faturação com o nosso crescimento normal e expectável. Até aqui, felizmente, não sentimos a crise. Temos um fator histórico que nos motiva diariamente a trabalhar e nos dá confiança no futuro: resistimos sempre e crescemos com as crises pelas quais já passamos. Parece imodéstia, mas estamos habituados a vencer crises.
Passada esta crise, que projetos e expectativas tem para o vosso escritório? Novas contratações, áreas de aposta novas?
Acreditamos que será possível manter o nosso percurso de crescimento, seguindo o plano estratégico que adotámos, nomeadamente na internacionalização e mercados emergentes. Também nas áreas conexas à Tecnologia continuamos com uma aposta firme e que tem crescido significativamente, quer no que concerne a projetos de compliance de organizações e software, quer no plano da cibersegurança, segurança da informação e auditorias forenses. Por outro lado, a ampliação física da sede no Porto estava já delineada e, com os compreensíveis condicionamentos, continuará a avançar, por exemplo. Também no plano dos eventos de maior dimensão, como o Congresso luso-brasileiro de Auditores Fiscais e Aduaneiros e o próximo Labour2030, estamos a trabalhar “a todo o vapor”.
Como tem sido o crescimento do vosso escritório nos últimos cinco anos?
Os últimos cinco anos têm sido particularmente positivos. Temos crescido de uma forma sustentada, quer em número de Clientes, quer em Profissionais. À razão de dois dígitos por ano.
Esse crescimento deve-se muito à diversificação das áreas de prática e ao reforço da equipa com Advogados e Consultores de reconhecido mérito.
Mais recentemente, apostamos num rebranding total da nossa marca, simplificando-a e tornando-a mais próxima do público. Não queremos perder o balanço nem alterar estas dinâmicas, pelo que queremos continuar a crescer – assim o permitam as condições económicas – a reforçar a equipa e, sobretudo, a ser cada vez mais criativos, inovadores e ousados na forma como chegamos aos nossos Clientes e no modo como contribuímos para a satisfação das suas necessidades.
Faz sentido ainda falar de advocacia do Porto e de Lisboa como realidades distintas?
Em termos de tamanho há diferenças substanciais: é em Lisboa que estão concentradas as vinte maiores sociedades de advogados, que amiúde mantêm no Porto sucursais ou balcões de proximidade, se assim lhes posso chamar. Esta disparidade deve-se a vários fatores, nomeadamente ser na Grande Área Metropolitana de Lisboa que está concentrado o grosso do capital, do comércio e serviços, das sedes das grandes empresas, do poder político e dos organismos do Estado. É também verdade que o Porto tem sido um mercado muito apetecível pelo crescimento que tem registado na industria ou no turismo. Em termos de qualidade ou profissionalismo, creio que não há qualquer diferença entre Lisboa e Porto.
Que impacto é que espera que esta crise venha a ter nas contas do vosso escritório?
Esperamos conseguir vencer mais uma crise, não tendo diminuição no crescimento que temos vindo a viver. Não desistimos de nenhum sonho nem de nenhum projeto. Mantemos a nossa estratégia bem definida e, apenas a tivemos de, parcialmente, adiar uns meses.
Pensam reduzir salários ou recorrer ao lay-off no vosso escritório?
Nem uma coisa nem outra. Pelo contrário, foi já durante o estado de emergência que anunciamos o reforço da equipa no escritório de Lisboa com uma contratação que já estava acordada. Por outro lado, continuamos com o processo de recrutamento ativo e a receber candidaturas. Também os Estágio de Verão da Law Academy serão mantidos, com ligeiras novidades nos moldes em que decorrerão, para garantir que os percursos académicos dos estudantes e recém-licenciados podem contar com experiências de aproximação ao mercado mesmo em tempos de pandemia. Em cada adversidade, procuramos ser sempre criativos para a ultrapassar. Sinto uma grande energia e um sentimento de compromisso muito forte nas nossas equipas. São o nosso maior ativo, são indispensáveis.
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Nuno Cerejeira Namora: “Quase todas as médias e grandes sociedades vão sentir a crise”
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