É um objetivo a "médio prazo", mas Marísia Giorgi, diretora de recursos humanos do Pingo Doce, admite que é um caminho que o retalhista quer seguir.
Da energia ao retalho. Cerca de 30 anos separam esta mudança de carreira. Marísia Giorgi, a diretora de recursos humanos do Pingo Doce, veio da EDP. Chega com uma “boa energia” e vontade de aplicar neste novo setor algumas das práticas ainda não muito habituais e que, numa altura em que se desenha o futuro do retalho, podem servir de referência para encontrar os novos perfis.
“A energia é um setor que, pela tecnicidade e grau de inovação, acaba por suscitar e desafiar na procura de novas competências e trago essa experiência de como atrair e trabalhar com pessoas com formações muito diferentes daquelas que o retalho hoje tem”, diz Marísia Giorgi, em entrevista à Pessoas.
E quando se desenha o futuro, os perfis mudam e a concorrência também. Para os perfis tech, a concorrência não é apenas os retalhistas. E como se atrai face às grandes tecnológicas e unicórnios?
“Estamos todos no mesmo barco. O retalho pode ser interessante do ponto de vista de laboratório teste, tem muito para testar, para ser desafiado. Vai ser mais pelo desafio de integrar várias componentes do saber nesta transformação digital do que propriamente pela especialização de ser digital. É por aí que vamos tentar atrair e reter. Estamos a fazer já essa transformação”, acredita.
Com cerca de 30 mil colaboradores, a maioria dos quais nos super e nos centros logísticos, quando se fala de flexibilidade – tema que ganhou visibilidade com a pandemia – há que acautelar todos os colaboradores. “No retalho, sobretudo nas lojas, a flexibilidade é determinada pelos horários. Se tenho um horário part time ou full time e posso ter ainda horários diferenciados dentro destes regimes, isso já dá flexibilidade, na medida em que o colaborador pode escolher o horário que mais se ajusta ao seu nível de vida e rotinas diárias”, constata.
No futuro, a “médio prazo”, no retalhista poderá ser possível aos colaboradores criar o seu próprio horário, acredita.
Vem da EDP. Que nova energia quer trazer aos RH de uma marca de retalho como o Pingo Doce?
Sou de gestão e passei 20 anos ligada à unidade de negócio. Passei por várias áreas ligadas à transformação, aproveitando uma fusão de empresa, trabalhei na área de inovação, da transformação da organização, passei pelo desenvolvimento organizacional, áreas de planeamento e controlo de gestão. E, 20 anos depois de ter começado a trabalhar, questionei quem eram as pessoas por trás dos planos de negócio, como se atraia, desenvolvia, retinha. Foi muito nessa perspetiva que quis ir para os RH.
Foi um movimento consciente. Houve a hipótese de ir para a área do centro corporativo de RH e foi lá que passei os últimos 10 anos. Foi uma época em que se falava dos RH sentado à mesa da estratégia, em que não falavam a mesma linguagem e, basicamente, o que levei para o RH foram competências de planeamento e controlo. Fiquei com o planeamento e controlo de RH, depois com temas de atratividade, recrutamento, mobilidade internacional que, mais tarde, associei a desenvolvimento, performance, compensação e benefícios.
Confesso que me apaixonei por esta área, para já porque entendo que as pessoas são únicas. E, puxando o paralelismo aqui com o nosso ADN, cada um de nós aporta coisas diferentes para os mesmos objetos que trabalha e produz resultados diferentes. Nesta lógica descobri esta paixão: a gestão de pessoas é a gestão com pessoas e pelas pessoas. E abracei este desafio. Se os desafios são muito diferentes num setor de energia ou no retalho, não.
Diz que cada pessoa aporta algo diferente. Então o que traz de novo?
Para já trago uma boa energia e olhos novos sobre problemas e desafios existentes. Trago boa energia, conhecimentos aplicados a contextos de desenvolvimento de pessoas, pois testei vários modelos de compensação e benefícios que podem ser aplicados neste setor, e também uma perspetiva do que pode ser diferente daqui para a frente. A energia é um setor que, pela tecnicidade e grau de inovação, acaba por suscitar e desafiar na procura de novas competências e trago essa experiência de como atrair e trabalhar com pessoas com formações muito diferentes daquelas que o retalho hoje tem.
O retalho começa a dar as primeiras caminhadas na inteligência artificial (IA) – na energia já é uma realidade. Trago este conhecimento, uns passinhos à frente em algumas áreas, e noutras uma experiência de trabalho consolidada. Tinha muita vontade de conhecer um setor diferente, pareceu-me que este fazia sentido.
Se tenho um horário part time ou full time e posso ter ainda horários diferenciados dentro destes regimes, isso já dá flexibilidade, na medida em que o colaborador pode escolher o horário que mais se ajusta ao seu nível de vida e rotinas diárias. (…) É verdade que existe esse tema entre os escritórios e as lojas e as atividades operacionais no terreno. A opção é fazer ou não fazer de todo. E as empresas optam por fazer para perceberem até onde podem ir nas outras atividades. É uma questão difícil, está toda a gente à procura desse equilíbrio.
Foi dos poucos que não fechou com a pandemia. Um estudo da Microsoft sobre os trabalhadores da linha da frente dá conta que a expectativa é que os níveis de stress se mantenham este ano iguais ou superiores ao ano passado e 68% das chefias desconectados da companhia e cultura. Que estratégias estão a levar a cabo para aliviar o stress e reduzir esse sentimento de desconexão?
A pandemia veio trazer, pelo menos, três desafios. Desde logo, acelerou uma década a transformação digital, toda a gente percebeu que podia fazer quase tudo à distância e as pessoas que estiveram em trabalho remoto sentiram essa pressão de não conseguir desligar. Descobriram outras coisas, a desmaterialização das interações com a sociedade, as compras online… Quem estava na linha da frente tinha esta angústia da exposição, este receio, ansiedade de uma certa desproteção face ao desconhecido. Foram momentos duros que as empresas acabaram por compensar de alguma forma, mas traz aqui esses dois efeitos: por um lado, o aumento de níveis de stress e ansiedade pela exposição, por outro lado, a necessidade de estarem conectados com a companhia e não perderem a ligação.
Temos vindo a trabalhar estes temas do wellbeing de forma muito explícita, nomeadamente a saúde mental, o primeiro eixo que começamos a trabalhar. Fazer junto dos colaboradores um diagnóstico correto de como estão e o que sentem neste contexto. Algumas iniciativas foram levadas a cabo, como apoio psicológico à distância, teleconsulta, muito para aferir os níveis de saúde mental e ansiedade dos colaboradores.
Estamos também a trabalhar temas ligados à saúde física. Se é verdade que houve esse desgaste na linha da frente, também houve trabalhadores em trabalho remoto que aumentaram de peso, tiveram outros danos colaterais fruto da menor mobilidade. Para esses estamos a trabalhar consultas de nutrição e o eixo da obesidade.
Em relação ao que se passa entre o colaborador e sua chefia, houve muitos momentos que foram criados de forma virtual – os telecafés, em que as equipas se juntavam com as chefias – e algumas dessas rotinas acabaram por ficar e se transformaram em algo físico.
Houve muita coisa testada durante a pandemia. O que ficou?
Rotinas como fazer uma reunião semanal para se fazer follow up ficou. E toda a organização acaba por se rever aí. Outra coisa que ficou, e penso ser interessante, é quem está fisicamente (na reunião) pode estar, quem está virtual também. Não há exclusão. As pessoas estão a entrar nas reuniões no sítio onde estão. O híbrido está e vai ficar por muitos e bons anos.
A pandemia trouxe também muito a discussão dos horários flexíveis, da semana de 4 dias. O retalho é uma atividade que exige presença física, como é que se gere este desejo de flexibilidade, sem criar situações de discriminação entre escritório e loja?
É mais fácil testar abordagens em ambiente controlado, como o escritório. No retalho, sobretudo nas lojas, a flexibilidade é determinada pelos horários. Se tenho um horário part time ou full time e posso ter ainda horários diferenciados dentro destes regimes. Isso já dá flexibilidade, na medida em que o colaborador pode escolher o horário que mais se ajusta ao seu nível de vida e rotinas diárias.
É verdade que existe esse tema entre os escritórios e as lojas e as atividades operacionais no terreno. A opção é fazer ou não fazer de todo. As empresas optam por fazer para perceberem até onde podem ir nas outras atividades. É uma questão difícil, está toda a gente à procura desse equilíbrio.
Há atividades que nunca darão para fazer à distância e outras em que dará para fazer totalmente. Isso vai começar a ser mais evidente e a conciliação será pelas práticas de flexibilidade de horário que se podem dar ao nível das atividades que exigem presença física.
No retalho quando se fala em flexibilidade de horários não é bem essa a visão que as pessoas têm. Pensa-se em trabalho por turnos, um bocadinho rígidos e salários que nem sempre são os mais atrativos, dificultando encontrar o talento. É uma visão justa?
Estamos todos a trabalhar para que essa visão seja mais justa. Quando falo de flexibilidade, no que são os horários típicos do funcionamento de uma loja, há muitas possibilidades. Cada vez mais as pessoas procuram ter flexibilidade definindo, logo à partida, que querem um horário de part time porque dá-lhes controlo do seu destino, para conciliar com estudos ou outro tipo de atividades.
Os colaboradores não têm de ter um horário fixo, podem ter vários horários dentro do seu horário, e isso permite flexibilidade. O caminho que queremos seguir é conseguir – estou convencida que lá chegaremos – que o colaborador construa o seu próprio horário. Essa é a verdadeira flexibilidade que poderemos dar às lojas ou a estes setores: build your own schedule. É conseguir fazer isso como faço num ginásio. Construir, planear o meu próprio horário e ganhar a minha própria flexibilidade à medida das minhas necessidades. Vamos chegar lá, tenho a certeza.
Já estão a dar passos para permitir essa flexibilidade de construir o seu horário?
Ainda não, mas é uma intenção.
Médio, curto prazo…
A médio prazo.
Somos uma empresa que se preocupa com o colaborador enquanto indivíduo, não é uma bandeira, é uma prática. É uma empresa que oferece os benefícios, que olha para a evolução do colaborador e que aposta na sua formação e desenvolvimento. É uma prática e é verdade, não é uma linha num Power Point.
Entre um salário mais baixo e mais benefícios, há quem prefira benefícios a um salário mais elevado, aponta um estudo. Como estão a trabalhar o tema dos benefícios?
No retalho trabalhamos todo o tipo de benefícios. Quando temos um centro de prevenção e reabilitação junto dos centros de distribuição, em que o colaborador pode fazer uma avaliação física e depois todo um trabalho físico associado para prevenir doenças e aumentar a sua vida com condições saudáveis, isso é um beneficio; quando se tem uma creche para deixar as crianças no período de trabalho também. Estamos a colocar esse tipo de benefícios ao dispor dos colaboradores operacionais mais ligados à nossa atividade.
Há colaboradores que preferem mais benefícios a um salário mais alto, mas tipicamente colaboradores preferem trocar dias de férias por salário; ou trabalho remoto por salário. Há toda uma tendência internacional em estudar esses vários modelos. A semana dos quatro dias vem responder a isso. A nossa legislação laboral também tem aqui vários desafios para chegarmos aí.
Ponha-se na pele de um potencial colaborador. Porque haveria de querer trabalhar no Pingo Doce e não num outro concorrente?
Somos uma empresa que se preocupa com o colaborador enquanto indivíduo, não é uma bandeira, é uma prática. É uma empresa que oferece benefícios, que olha para a evolução do colaborador e que aposta na sua formação e desenvolvimento. É uma prática e é verdade, não é uma linha num Power Point. Há imensas ações de formação, seja Academias de especialidades da operação, como outro tipo de formação em liderança, em negócios. Aposta imenso no desenvolvimento das suas pessoas e dá oportunidade para que cresçam.
A mobilidade no Pingo Doce é gigante. (Há cerca de 20% de mobilidade interna ano). Há ofertas publicadas diariamente, tanto de funções como de zona geográfica, e portanto, o colaborador tem possibilidade de fazer diferente. Não tem de ficar lá para todo o sempre, a fazer a mesma atividade, no mesmo sítio. E as pessoas gostam. Depois é uma empresa que, olhando para o colaborador como um todo, também se preocupa com o seu bem-estar. Temos um centro Incluir que olha para a diversidade e inclusão.
Há vários setores que assistiram a uma fuga de talento depois da pandemia. Sentem-se sólidos ou também estão a experienciar dificuldades no recrutamento?
Neste momento, sentimo-nos sólidos. As pessoas não nos abandonaram, talvez porque o setor não parou e quanto mais mãos houvesse melhor. À semelhança da saúde foi um setor que não parou e não tiveram grande perda para o mercado. A restauração e o turismo foram mais fustigados.
Vamos assistir a uma transformação da robótica a fazer atividades de logística, muita IA, mas vai sempre haver ali um momento em que o cliente quer o serviço da pessoa. Nunca vai ser digitalizado ao ponto de ficar só uma Lab Store.
E como é que olha para o futuro? Vem de um setor onde a IA já é mais comum, mas o retalho em Portugal está a fazer esse percurso: têm uma loja na Nova SBE, o Continente já abriu um súper sem caixas. Não vos exige outro tipo de talento?
Na IA, toda esta literacia digital que está a ser acelerada, não há volta atrás. Há experiências feitas no retalho nessa matéria de IA – não é por acaso que o retalho está a reforçar muito estes perfis de transformação digital, os data scientists… –, mas o setor tem uma particularidade: vai continuar a precisar desta humanização.
Vamos assistir a uma transformação da robótica a fazer atividades de logística, muita IA, mas vai sempre haver ali um momento em que o cliente quer o serviço da pessoa. Nunca vai ser digitalizado ao ponto de ficar só uma Lab Store, mas esta é uma opinião muito minha. A Lab Store é um exercício extremado, mas penso não ser essa a realidade do retalho. É uma experiência que serve um certo target de clientes. Mas estes perfis que aparecem, cada vez mais difíceis de reter…
Aí concorrem com os unicórnios, com as grandes tecnológicas…
Estamos todos no mesmo barco. O retalho pode ser interessante do ponto de vista de laboratório teste, tem muito para testar, para ser desafiado. Vai ser mais pelo desafio de integrar várias componentes do saber nesta transformação digital do que propriamente pela especialização de ser digital. É por aí que vamos tentar atrair e reter. Estamos a fazer já essa transformação.
Daqui a cinco anos, que marca gostaria de deixar?
Gostava de contribuir para elevar o nível do pacote de compensação e remuneração e de benefícios desta organização, nomeadamente das áreas mais operacionais. Também gostava de contribuir para trazer para a organização perfis que respondam a estes desafios da transformação digital, de contribuir mais para esta vertente de wellbeing, da saúde do colaborador como um todo. E que a minha equipa fosse super feliz.
O trabalho é muito exigente. É uma quantidade de gente incrível, que temos de olhar como seres únicos. Pelo caminho gostava que as pessoas fossem mesmo felizes a entregarem este menu, que, no fundo é um menu de pessoas para pessoas. Fazer a diferença na vida das pessoas dá-nos um sentimento de felicidade enorme.
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“O caminho que queremos seguir é que o colaborador construa o seu próprio horário”, diz DRH do Pingo Doce
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