Ciente de que a sua passagem pelo Parlamento e Governo o tornaram conhecido, Adolfo Mesquita Nunes, hoje sócio da Gama Glória, encara com normalidade que o associem à política.
Adolfo Mesquita Nunes é sócio da Gama Glória, administrador não executivo da Galp, professor auxiliar convidado na Nova SBE, árbitro no CAAD e escreve sobre contencioso pré-contratual, arbitragem administrativa e mobilidade elétrica. O currículo de 19 anos de advocacia é a resposta a quem o reduz à política: “Há mais homem além da política”, diz, em entrevista ao ECO Advocatus.
Ciente de que a sua passagem pelo Parlamento, Governo e aguerridos debates com Mariana Mortágua o tornaram conhecido, encara com normalidade que o associem à política: “importante é que os clientes, que as contrapartes, que os colegas, reconheçam” a sua competência, rigor e seriedade – e disso não queixa.
O carisma que lhe trouxe fama está lá, intacto, na forma como descreve a Gama Glória e o desafio de um escritório que trabalha em grandes processos de transformação. Os atributos que o fizeram conhecido são os que garante usar na advocacia: “O homem é o mesmo e os atributos que possa ter mostrado na política são os que uso na advocacia há 19 anos”. O vibrante entusiasmo com que fala da Gama Glória talvez seja o derradeiro sinal de que a política ficou para trás.
Quando saiu do Governo, em 2015, nem todos acreditaram que estava mesmo de regresso à advocacia. Acha que já acreditam?
Comecei a minha vida profissional há 23 anos. 19 deles na advocacia. Já estou há mais tempo na Gama Glória do que estive na política profissional. Isto não é acaso nem fatalidade: é a escolha que eu sempre disse que faria, e que me realiza.
Mas continua a ser mais reconhecido como político…
Em política, os protagonistas somos nós. Na advocacia, pelo menos como eu a entendo e exerço, os protagonistas são os clientes. É normal que haja gente que tenha ficado nesse capítulo da minha vida porque é o mais visível.
E encara isso com facilidade?
Não é suposto que o público saiba do meu trabalho no escritório, dos memorandos que fiz, do aconselhamento que dei, do contencioso que patrocinei, da satisfação dos clientes – até porque é matéria de sigilo. Nem que se interesse pelos artigos académicos que publiquei sobre a justiça administrativa. Nem que vá comprar o livro que publiquei, em co-autoria, sobre o regime jurídico da mobilidade elétrica. Por isso, sim, encaro com facilidade que as pessoas se fixem nesse lado mais visível.
Não tenho como medir se há mais clientes a chegar por ser figura pública do que a afastarem-se pela mesma razão – gostava que não acontecesse nem uma nem outra.
E qual o impacto disso no escritório? O facto de ser uma figura pública atrai clientes?
Num tempo em que a política é vista com tanta reserva, talvez seja a hipótese oposta que temos de colocar. Não tenho como medir se há mais clientes a chegar por ser figura pública do que a afastarem-se pela mesma razão – gostava que não acontecesse nem uma nem outra.
E como responde aos que o acusam de só estar onde está, na Advocacia ou na Galp, por causa da política?
Respondo da mesma forma que respondi aos que então disseram que nada sabia de turismo. Com muitíssimo trabalho, estudo e dedicação, procurando demonstrar mérito, competência e rigor. Não há outra forma de responder. Espero que o que tenho feito, do ponto de vista profissional, académico e de pensamento, seja uma boa resposta – mostrando que há mais homem além da política.
Essa dúvida que sempre paira sobre a carreira profissional dos políticos é frustrante?
Faz parte e só o tempo e o trabalho são boa resposta. E o importante é que os clientes, que as contrapartes, que os colegas, reconheçam a nossa competência, rigor e seriedade. E disso não me queixo, em absoluto. E claro que fico feliz quando abro um Código de Processo dos Tribunais Administrativos anotado pelo Professor Mário Aroso de Almeida e vejo os meus artigos citados, assim como fico feliz sempre que um cliente aprecia o meu trabalho e o recomenda.
Nos comentários aos seus posts de LinkedIn há muita a gente a dizer que o quer na política. O que é que lhes diz?
Que se fossem meus clientes estariam a desejar o oposto, para não ficarem sem os atributos que me reconhecem, mas ao serviço das suas causas e problemas (risos).
Que atributos seus revelados na política se revelam na advocacia?
O mesmo empenho que coloquei como deputado, a mesma forma de discutir e argumentar que coloquei nos debates, a mesma disposição para a modernização e decisão que coloquei no Governo, a mesma forma de liderar e motivar que empreguei no turismo, o mesmo pensamento estratégico que me fez escrever centenas de artigos e um livro sobre a globalização [A Grande Escolha, publicado pela Leya, e que já vai na 3.ª edição] é o que o diariamente utilizo na advocacia ao longo destes quase 20 anos.O homem é o mesmo e os atributos usados política são os que uso na advocacia há 19 anos. Não os mudo consoante a função.
E acha que o Parlamento tem demasiados advogados/juristas?
Não há um número ótimo de profissionais de qualquer área no Parlamento e não estou entre os que estigmatiza as pessoas pelas profissões. Precisamos de bons deputados e de bons advogados. Esses nunca serão demais.
Muitas vezes os silos na advocacia são apenas um reflexo de fronteiras de faturação entre o sócio A e o sócio B.
É verdade que antes de entrar num debate com Mariana Mortágua repetia para si próprio que estavam clientes a ver para garantir que não se enervava em direto?
É! (risos) Sempre me considerei moderado e ponderado a falar e a argumentar. Mas no calor de um debate com quem pensa o oposto de nós, essa ponderação pode atenuar-se. Essa era uma das ferramentas que usava.
Mas o Adolfo dos debates era ou não o mesmo que hoje negoceia contratos ou interage com reguladores?
Terá de perguntar às minhas contrapartes. Mas sou capaz de apostar que lhe dirão que sim. Fui ensinado, e prezo muito, a usar a ponderação, a empatia, a boa-educação e o sangue-frio na interação com o outro. É a melhor forma de conseguir chegar a um acordo. Na advocacia é o mesmo. É mais importante chegar a um entendimento para o cliente em tempo útil do que estar horas a exibir retórica inconsequente sem chegar a lado algum, para exaspero das partes. Gosto que o meu cliente saiba que estive do lado da solução e não da eternização, eventualmente retoricamente brilhante, do problema.
Muitos entrevistadores de política reparavam que trazia muitos papelinhos com anotações. Nos debates isso também se via. E vejo os mesmos papelinhos. O que é que está aí escrito?
Sou obcecado com a clareza e a síntese na argumentação, na exposição, seja oral seja escrita. Basta ver um memorando meu, um artigo académico meu, ou até um livro como a Grande Escolha: há uma vontade, espero que conseguida, de ser claro, de ir direto ao ponto, ao osso do argumento. Antes de cada entrevista, como antes de qualquer documento ou alegação, escrevo as ideias principais, o mais depuradas que conseguir, e tenho-as à minha frente para as conseguir transmitir de forma ordenada, articulada. Tenho poucas obsessões, mas esta eu tenho: a de ser claro.
Não é daqueles advogados que escreve memorandos intermináveis…
Não é uma questão de tamanho mas de clareza: explicar logo ao que se vem, que caminho se sugere, resumir bem os prós e contras, oferecer um documento que seja útil e de leitura fácil. Sem palavras a mais, directo. Não se esqueça que eu já fui cliente, já fui decisor, já recebi memorandos.
Usa essa experiência de decisor público no contacto com clientes?
Com certeza. Sei o que é receber um memorando cheio de adversativas e de caveats, para no fim o advogado se comprometer com pouco. A utilidade desse memorando é reduzida. Para que queria eu um memorando que descrevia um regime jurídico mas depois não ajudava a tomar uma decisão?
A decisão era sua, não?
Sim, mas se pedimos ajuda a um advogado não é para que descreva o regime jurídico. O mínimo que eu posso esperar é que ele o conheça. Mas não basta. O que o cliente precisa é que o advogado pegue nesse regime e, conhecendo os objetivos estratégicos do cliente, o oriente no processo de decisão.
Não sei se consigo identificar um momento em que eu tenha sentido discriminação, mas o facto de eu não ter sentido, eventualmente por ter atingido um determinado estatuto, não significa que ela não exista.
Que partilhe do risco?
O risco e responsabilidade são do decisor, mas se ele pede ajuda, é bom que quem aceite ajudar aceite partilhar o desafio da decisão. Não é ter um advogado que diz que sim a tudo – que é a única coisa pior do que um advogado que diz não a tudo; é ter um advogado que, conhecendo o ponto de partida do decisor, as suas limitações e o seu objectivo, o ajude com responsabilidade a definir o caminho até lá, em vez de se limitar a dizer que há dez caminhos possíveis de acordo com a alínea a) ou b) ou de se esconder em adversativas para deixar o cliente sozinho e na mesma.
Portanto escreve os memorandos que gostaria de ter recebido enquanto decisor.
É uma boa forma de colocar a coisa. Essa é a cultura da Gama Glória. Gostamos de trabalhar com decisores e de os acompanhar nesse processo decisório, com tudo o que isso envolve, com essa vertigem da decisão.
E não sente saudades dessa vertigem? De voltar a ser o decisor?
Foi uma experiência extraordinária, a da governação. Gostei dessa vertigem, de implementar as reformas de desburocratização do sector, de modernização da nossa promoção, de reforço da competitividade. Foi bom ver Portugal passar de 20.º para 15.º país mais competitivo do Mundo em turismo de acordo com o World Economic Forum. Mas sempre soube que era algo temporário. E talvez por isso tenha sido tão proveitoso. Anunciei logo em 2015 que voltaria à advocacia no fim do Governo. E estou de corpo e alma na Gama Glória. Já viu a evolução do escritório? Hoje temos uma marca, reconhecimento, uma carteira interessantíssima de assuntos e clientes.
Não só surpreendeu por ter voltado à advocacia como surpreendeu por ter integrado a Gama Glória em vez de ter voltado à Morais Leitão, ou a qualquer outra das grandes que seguramente o namoraram.
O desafio que me foi proposto pelo André Júdice Glória e o João Taborda da Gama, que eu nem sequer conhecia pessoalmente, foi irrecusável: integrar um escritório que estava a começar, onde estava muito por construir, mas que tinha um propósito e uma visão claras. Para uma personalidade como a minha pareceu-me mais desafiante do que me juntar a outro escritório.
Mas não gostou da sua experiência numa grande sociedade?
Pelo contrário. Fui feliz e aprendi muito. Mas para quem gosta de fazer acontecer, de liderar projectos, de fazer diferente, há uma diferença entre começar um projecto quase do zero, com uma visão clara de futuro, ou integrar uma estrutura já madura.
Mas vê-se a voltar a uma grande sociedade?
Vejo-me a contribuir para que a Gama Glória seja uma grande sociedade, mantendo e preservando aquilo que a faz única.
O país está a precisar de uma alternativa que não entre nem na estupidificante polarização nem na absurda purificação ideológica e moral em que a direita quis e quer entrar, falando cada vez mais para dentro de si e de temas que dizem respeito à livre consciência de cada um.
E que visão é essa que a Gama Glória tem e que o seduziu? Muita gente diz que a Gama Glória é um escritório diferente, mais moderno. É isso? E o que é isso?
Trabalhamos para e com decisores em grandes processos de transformação, de mudança. Seja no lançamento de novas ideias ou produtos, seja na transformação de modelos de negócio, seja na regulação de novas realidades, seja na disrupção de mercados, seja nas reestruturações empresariais, seja na sua privatização, seja na utilização e desenvolvimento de novas ferramentas ou tecnologias. Gostamos de trabalhar na mudança e de ajudar decisores a liderar essa mudança. É esse o nosso foco e é isso que me realiza.
Fala muito sobre trabalhar com a mudança. O que é que a mudança tem de especial?
Os processos de mudança dos clientes são estratégicos, são eles que determinam o que vai ser a empresa, o mercado, o sector, a indústria, e por isso quem os lidera precisa de advogados que não só sejam aptos a resolver os problemas jurídicos relacionados com essa transformação, mas que também consigam perceber o objectivo estratégico em causa, fazendo uma equipa no processo de decisão. No fundo, estamos nos processos de decisão, contribuindo com o conhecimento jurídico, mas com uma profunda visão estratégica.
A sua experiência política ajuda?
Diria que o conhecimento das políticas públicas, dos constrangimentos e dos obstáculos a ela associados, e que o conhecimento dessa tal vertigem da decisão, de saber o que move ou condiciona um decisor, são ajudas para perceber os desafios do cliente. Mas há valências relevantes e que são asseguradas por quem não teve experiência política. O essencial é ter vocação para ter uma visão estratégica dos assuntos.
Daí o vosso slogan ser “law for strategists”?
Precisamente. A nossa equipa tem não só um sólido conhecimento jurídico como tem, por experiência e vocação, uma visão estratégica dos setores em que nossos clientes atuam, e por isso oferecemos uma aconselhamento aditivado com outros saberes.
Como é que garantem essa visão estratégica?
Desde logo, não nos organizamos por áreas do direito, como é tradicional, mas por projetos e setores de atividade. E procuramos recrutar pessoas que nos garantem a curiosidade pelo modelo de negócio dos clientes.
Como é que isso funciona, não estão divididos por departamentos?
A realidade de um setor de atividade também não se divide de acordo com as áreas do direito. É mais complexa e transversal. Os nossos advogados dominam os principais problemas do setor em que estão a trabalhar. Não esquartejarmos artificialmente os assuntos por departamentos, dividindo-os por não sei quantas pessoas, cada uma com uma visão setorial. Muitas vezes os silos na advocacia são apenas um reflexo de fronteiras de faturação entre o sócio A e o sócio B.
Têm de saber de tudo de um setor de atividade? Já referiu a mobilidade elétrica: um advogado tem de saber desde o fiscal até ao societário passando pelo tarifário desse setor?
Um advogado da Gama Glória tem de ser capaz de ter uma conversa com qualquer decisor desse setor, perceber os desafios que o setor atravessa, saber que obstáculos impedem um cliente de crescer e quais os caminhos mais adequados para que os planos de negócio se desenvolvam. É isso que garantimos aos nossos clientes.
Estão contra a especialização?
Estamos a favor da especialização que interessa aos clientes. Que preferem eles? Chamar seis advogados para discutir um problema, em que cada um dá uma resposta sectorial e com mitigada visão estratégica, ou chamar dois advogados que compreendem bem a indústria em causa e têm as ferramentas necessárias para ajudar na estratégia de crescimento? Claro que isso não dispensa toda a restante equipa que trabalhará com mais especialização. No entanto, os assuntos terão sempre de ser conduzidos por advogados que têm essa visão da indústria e que por isso conseguem partilhá-la com os decisores.
Escrevo os memorandos que gostaria de ter recebido enquanto decisor. E essa é a cultura da Gama Glória. Gostamos de trabalhar com decisores e de os acompanhar nesse processo decisório, com tudo o que isso envolve, com essa vertigem da decisão.
Mas nenhum advogado sabe tudo sobre tudo.
Com certeza. Do que se trata é de ter uma especialização em T: ancorada numa área, mas com visão transversal do problema. Identificado o problema e a solução, ela será trabalhada com especialização. E nós temos quem o faça. É assim que funcionamos da Gama Glória e sempre que perguntamos aos nossos clientes porque é que continuam connosco, há uma resposta que invariavelmente nos é dada: disponibilizamos uma equipa sénior com uma visão transversal do problema. É tudo o que eles precisam.
E como é que escolhem essas áreas de indústria?
O escritório começou do zero, com zero clientes, e pôde escolher as áreas em que gostaria de trabalhar, os tais setores em mudança. E a estratégia é aquela que mais gostamos de seguir: abordar um cliente, mostrar que conhecemos o setor e a transformação em curso, antecipar problemas, desafios e soluções e deixar que esse atrevimento surta o efeito desejado, que é deixar o cliente a pensar que a conversa que teve connosco valeu a pena e que gostava de nos ter a trabalhar com ele.
A Gama Glória está muito associada a novas tecnologias. São essas as áreas que escolhem?
Tipicamente as novas tecnologias estão associadas a processos de disrupção e isso interessa-nos, e é normal essa associação. Mas nenhum setor está imune à mudança e essa mudança nem sempre está relacionada com novas tecnologias.
Consegue dar-me exemplos?
O setor agrícola tem desafios muito interessantes como a da escassez de água. A dessalinização tem sido apontada como uma hipótese de mitigar esse problema. O desenho contratual desse investimento tem desafios que me interessam muito. Outro exemplo, o setor da construção está a ser profundamente impactado pelos objetivos de eficiência energética e a desenvolver smart buildings. Há realidades contratuais a desenvolver-se, com modelos efficiency as a service, que ajudam a financiar esse esforço e que são tão complexos quanto entusiasmantes. Um terceiro exemplo: a contratação pública na saúde com base em valor, o health value based procurement, é um outro desafio que me interessa pelo poder transformador e que não é suficientemente usada pelas entidades públicas.
Como é que um escritório tão recente consegue chegar a assuntos desses?
Com muito trabalho e motivação. Uma das perguntas que fazemos no nosso recrutamento é esta: se pudesses escolher, em que assunto, por distante que pareça, gostarias de trabalhar? Porque é mesmo assim. Somos motivados, e motivamos os que trabalham connosco, a ir buscar assuntos que nos interessam e onde podemos oferecer algo mais do que saber a lei de cor. E a verdade é que muitos dos clientes que temos chegaram cá precisamente porque um dia os abordámos com uma conversa madura sobre os desafios do setor em que estão, ou ouviram dizer que éramos as pessoas certas para os ajudar.
E que respostas dão os candidatos?
O mais importante nem é a resposta que dão mas a conversa que se gera. Se me responderem que adorariam trabalhar em moda, como sucedeu, pois vamos atrás desse assunto, ver que transformações estão em curso, que desafios existem, e que soluções podemos oferecer. Somos advogados de soluções. O objetivo é ajudar. E a indústria da moda atravessa vários desafios, alguns transversais a outros setores: captação e retenção de talento, sustentabilidade e resíduos, encurtamento dos períodos de vida das coleções, etc… Tudo isso tem implicações jurídicas.
Mas em é que um advogado pode ajudar uma empresa na captação e retenção de talento?
Na definição da política de incentivos, do CEO até ao front desk, criando políticas estruturadas e adaptadas ao objetivo da empresa. Temos trabalhado muito nisso. Surpreender-se-ia se soubesse o número de empresas que não utiliza todas as ferramentas disponíveis para resolver esse desafio.
Agora fiquei curiosa com a questão da moda…
Depois dessa resposta pedimos a uma CEO de uma marca de luxo global que viesse dar uma formação ao escritório sobre os desafios da indústria. Tivemos conversas com as marcas portuguesas mais inovadoras e sustentáveis. É impressionante o número de desafios em que advogados com visão estratégica podem ajudar.
Em inglês seria fácil dizer-lhe que we are driven, straighfoward, fresh-thinkers, trustwhorty and approachble. Mas tentemos: focados, diretos ao ponto, abertos à mudança, de confiança e sempre disponíveis. Está a ver como não soa assim tão bem?
Que tipo de formação dão?
Todas as semanas há formação obrigatória para todos, de sócios a secretariado, em que todos participam. Está dividida em várias cadeiras e uma delas implica a vinda de decisores para partilharem connosco as mudanças a que estão a assistir, quais as que estão a vencer e quais as que lhes tiram o sono. Da moda aos resíduos, das fundações ao turismo, da produção agrícola às empresas de transportes, já passaram pela Gama Glória muitos assuntos. Depois dessa formação, fazemos um brainstorming entre todos no nosso open space.
Uma das coisas que impressiona neste escritório é mesmo o open space. É uma opção?
Claramente. Todos na mesma sala, sem qualquer divisão ou separação entre sócios, advogados, estagiários e suporte administrativo e financeiro. Nenhum estagiário precisa de bater à porta para falar comigo, porque não há qualquer porta. O objectivo é claro: uma cultura de brainstorm e feedback constante; queremos o escritório a fervilhar de ideias e entusiasmo.
E conseguem manter o silêncio necessário para trabalhar?
Há horários para tudo. E cabines telefónicas para as conferências telefónicas. E salas para reuniões e atividades de maior recolhimento. E também há headphones muitos bons!
Consegue dar-me cinco adjetivos que definam a Gama Glória?
É sempre mais fácil dar adjetivos em inglês…
O português é mais palavroso?
O inglês permite uma concisão que é muito útil na profissão, por acaso. Em inglês seria fácil dizer-lhe que we are driven, straighfoward, fresh-thinkers, trustwhorty and approachble. Mas tentemos: focados, diretos ao ponto, abertos à mudança, de confiança e sempre disponíveis. Está a ver como não soa assim tão bem?
Quando o desafiei para esta entrevista ia provocá-lo com a ausência de sócias mulheres. Mas entretanto têm uma nova sócia, a Débora Melo Fernandes. Foi por uma questão de diversidade?
Foi por uma questão de profundíssima competência. A Débora, que conheço há muitos anos, é das melhores Advogadas que conheço, a quem entregaria todos os meus assuntos de olhos fechados. Mas não quero fugir ao tema: a diversidade é essencial numa equipa e orgulho-me de fazer parte de um escritório aberto, plural, que lida naturalmente com as identidades de cada um. E procuro que o nosso recrutamento dê conta disso. Aliás, já em várias feiras de empregabilidade tenho repetido que os escritórios não podem formatar o CV ideal de forma a que o perfil se afunile e acabemos com equipas em que todos são iguais.
Mas qual é o CV ideal?
Precisamente, não há. Cada pessoa tem um caminho. E há várias formas de fazer esse caminho demonstrando seriedade, empenho e talento. Quando olho para as médias tenho sempre o cuidado de ir ver se a pessoa em causa trabalhou durante o curso. Se o fez, então olho para a média de forma distinta. Temos de evitar a padronização da profissão.
Mas concorda que a profissão, pelo menos nas grandes sociedades, está muito formatada, ou não?
Esforço-me para que não seja. Orgulho-me de aqui acreditarmos que a diversidade nos faz melhor escritório e que seja impensável alguém aqui ser discriminado por questões de género, nacionalidade ou orientação sexual, ou que tenha receio de ser quem é.
Num meio tão conservador como é o da advocacia, alguma vez sentiu discriminação pela sua orientação sexual?
Não sei se consigo identificar um momento em que eu tenha sentido discriminação, mas o facto de eu não ter sentido, eventualmente por ter atingido um determinado estatuto, não significa que ela não exista e que não haja muita gente na advocacia com receio de que a sua orientação sexual a prejudique ou que faça empalidecer todos os seus méritos profissionais perante colegas e clientes. Isso existe, porque mo relatam frequentemente.
A verdade é que não há muitos sócios de escritórios que tenham publicamente falado sobre a sua orientação sexual.
Não sei se falam ou não, nem sei se têm de falar. O essencial é que se crie um ambiente de trabalho que respeite todos e cada um e onde todos se sintam confortáveis. Não apenas com tolerância paternalista mas com a absoluta naturalidade de quem sabe que nenhum de nós vale mais ou menos do que o outro.
Mas é algo de que fala com naturalidade no seu dia-a-dia?
Falo com total naturalidade. É perguntar a qualquer uma das pessoas que trabalha comigo. Trata-se de deixar claro que nenhum de nós pode ter medo ou vergonha de ser feliz, ou de querer ser feliz. Aliás, insisto muito na ideia de que somos melhores advogados quando estamos confortáveis com quem somos.
Alguma vez notou incómodo com isso?
Não me parece que alguém que tenha incómodo com a homossexualidade queira trabalhar aqui…
E alguém de esquerda sente-se incomodado por estar a trabalhar consigo?
(risos) Nem por um segundo me ocorre perguntar a alguém onde vota antes de a contratar nem sequer avaliá-la em função do partido em que milita. Temos imensa diversidade também política, e ainda bem.
Voltemos à política. Como avalia a atuação deste Governo, no que toca ao diploma das Ordens Profissionais, que tanto tem sido criticado pela classe e também por outras classes profissionais?
O meu ponto de partida é este: por um lado, as Ordens são importantes instrumentos de auto-regulação e deontologia das profissões conquanto não funcionem como barreiras no acesso à profissão e às liberdades profissionais e, por outro lado, o Estado não pode interferir demasiado com o seu funcionamento. Nesse sentido, esse diploma tem alguns pontos positivos, como a multidisciplinariedade e a razoabilidade de taxas, e negativos no detalhe em que por vezes se imiscui no funcionamento das Ordens.
Considera que o envio de Marcelo Rebelo de Sousa para apreciação da fiscalização preventiva deste diploma tem pernas para andar?
Não analisei o pedido. O que espero é que não se perca a oportunidade de criar um ambiente regulatório que privilegie a liberdade de acesso à profissão e a modernização do seu exercício.
E quanto às sociedades multidisciplinares, também integradas na LAP, qual a sua posição quanto a isso?
Trata-se de uma realidade que existe noutros países europeus com que gostamos de nos comparar e que não me levanta qualquer objeção de princípio. Pelo contrário. Com certeza que há que regular alguns aspetos, nenhum deles impeditivo da solução.
Não resisto a fazer-lhe esta pergunta: pensa voltar à vida política ativa?
Se pensasse, não estaria a dar-lhe esta entrevista sobre a advocacia.
Não acha que o país está a precisar?
Está a precisar de uma alternativa, isso sim. Uma alternativa moderada, personalista, fundada na liberdade individual e na igualdade perante a lei, que adote um programa económico e social capaz de pôr o elevador social a funcionar, que liberte os setores mais dinâmicos da sociedade e que proteja os setores mais vulneráveis, sem deixar ninguém para trás. Uma alternativa que não entre nem na estupidificante polarização nem na absurda purificação ideológica e moral em que a direita quis e quer entrar, falando cada vez mais para dentro de si e de temas que dizem respeito à livre consciência de cada um. Uma alternativa que acredite no maravilhoso poder de iniciativa de cada pessoa, de cada família, de cada empresa e que capacite o país para a mudança em vez de lutar contra ela.
Alguma vez se arrependeu de se ter desvinculado do CDS/PP?
Não.
Já tentou responder ao questionário criado pelo Governo de 36 perguntas?
Não, nem me parece que seja um instrumento adequado à sua suposta finalidade.
E quanto à área da Justiça, em concreto, em que é o Governo tem falhado?
Tendo feito o meu percurso académico e profissional na área do Direito Público, em particular no contencioso administrativo, gostava de dizer o seguinte: não há justiça num país em que quem queira processar o Estado tenha de esperar anos e anos por uma decisão. Isso não é próprio de um Estado de Direito. O que se passa na jurisdição administrativa não é próprio de um país que queira desenvolver-se: para que um país prospere precisa de um enquadramento que favoreça o cumprimento dos contratos e dos compromissos. Não é o que temos. Temos excelentes juízes – o problema é mesmo de organização, o que é ainda mais frustrante.
Aos 45 anos, é sócio de uma sociedade que está a crescer, é administrador de uma das maiores empresas portuguesas, é professor na Nova SBE, árbitro do CAAD, autor de livros e artigos, tanto políticos como académicos. O que lhe falta?
O que mais me realiza é a dinâmica de mudança. É onde me sinto mais útil e competente. Onde houver mudança para fazer, liderando ou assessorando, é onde gosto de estar.
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“O homem é o mesmo e os atributos usados na política são os que uso na advocacia há 19 anos. Não os mudo consoante a função”
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