“O TikTok é um potenciador” de vendas de livros

Nos 25 anos da Wook, Pedro Aragão admite que redes sociais impulsionam vendas de livros a adolescentes e jovens adultos e considera que o segredo do sucesso "é fazer bem continuamente".

Há 25 anos, Pedro Aragão era gestor de produto numa empresa agro-alimentar portuguesa especializada em produzir e comercializar laticínios, quando o desafiaram a abraçar um novo desafio: liderar a Wook, plataforma online de venda de livros, num mercado ainda fechado. Passou de “vender alimentos para o corpo para vender alimentos para a alma”, como lhe disse uma administradora. Depois de uma “travessia no deserto”, considera que existe um salto “abismal” entre o que era a empresa em 1999 e o que é hoje, contando atualmente com dois milhões de clientes registados.

O gestor da Wook não revela a faturação, mas admite que o crescimento atual é a um dígito. Considera ainda que o TikTok é um potenciador nas vendas para um público mais jovem e que o segredo do sucesso é “fazer bem continuamente”.

Está na liderança da Wook há 25 anos. Que balanço é que faz deste deste período?

Acho que é um balanço muito positivo. Foi um desafio inicial, numa altura em que era um pioneirismo absoluto entrar nestas áreas. Os primeiros anos, obviamente, não são de grandes números. Houve um período de travessia do deserto, em que houve a necessidade de ter alguma capacidade de resiliência para acreditar que este tipo de projetos tem viabilidade no futuro, não só minha, mas também da empresa. É uma satisfação estar a olhar para este percurso e ver que chegámos a bom porto.

A tecnologia disponível quando começaram não era a mesma que existe hoje em dia. Que transformações é que existiram no vosso modus operandi e na forma como conseguem gerir o trabalho e chegar aos consumidores?

Em termos de meios de tecnologia, se olharmos para o que é hoje a Wook e o que era em 1999 há realmente um salto abismal, mas diria que a grande diferença reside essencialmente no mercado. Mais tecnologia, menos tecnologia, fazemos mais ou menos o que fazíamos há 25 anos. Temos pelo menos uma base de dados, meios de pagamento, formas de envio, motores de pesquisa. Há um salto, mas digamos que é diário, porque o desenvolvimento e evolução não param. Mas a grande diferença entre aquilo que fazíamos há 25 anos e hoje é o facto de haver mercado. Havia uma cultura muito básica do digital e de hábitos de compra online. Hoje em dia há confiança, há consumidores e passámos de um nicho minúsculo para o mercado global. Aí é que se sentem realmente as diferenças.

A grande diferença entre aquilo que fazíamos há 25 anos e hoje é o facto de haver mercado. Havia uma cultura muito básica do digital e de hábitos de compra online

Rui Aragão

Diretor da Wook

Quais foram as principais dificuldades ao longo destes 25 anos?

Precisamente as pessoas mudarem o hábito e começarem a comprar mais online e confiarem nos pagamentos. Havia ao início uma resistência muito grande. Em 1999, quando arrancámos havia um gap muito grande entre os Estados Unidos e a Europa, nomeadamente em termos de hábitos de consumo online, compra à distância, que lá era vulgarizado. Qualquer americano dava o número do cartão de crédito pelo telefone, porque estavam habituadíssimos a fazer compras à distância. Na Europa havia resistência, o medo das fraudes. Aí o selo do grupo Porto Editora, que assinava o site nesses primeiros anos, foi importantíssimo como um garante de segurança e qualidade. Muitos clientes fizeram a sua primeira compra online a fazer a compra dos livros escolares e eram guiados à mão, quase. Ligavam para o apoio ao cliente e os nossos agentes iam dizendo ‘agora vai encontrar um botão ali em cima, clique ali’, ‘agora está a pedir-me o cartão de crédito, é seguro?’, ‘é seguro, está encriptado’. Claro que se esta primeira compra foi uma boa experiência, depois repetem. Chegámos a ter clientes que nos respondiam às primeiras encomendas a dizer ‘eu fiz a encomenda na Wook e chegou’. As pessoas já davam a coisa por perdida, porque era um risco comprar online. Hoje em dia o mercado está absolutamente global e isso é que realmente transformou.

E isso acaba também por ser a a sua principal vitória?

Sem dúvida. É uma satisfação. Hoje em dia temos dois milhões de clientes registados. Este é um número já muito impressionante. É feito à base dessa construção, da confiança, das experiências. Diria mesmo que o segredo do sucesso é servir bem, de forma continuada. Não se pode fazer um bom serviço isoladamente ou apresentar um serviço médio continuamente. Fazer bem continuamente é o segredo sobre a mesa da notoriedade que o projeto tem.

Como é que olha para a venda de livros digitais em Portugal?

Nos dois, três últimos anos os valores têm começado a evoluir e muito à custa de jovens. O fenómeno da compra digital por jovens adultos tem aumentado, embora continue a ser um valor muito pouco significativo.

Escritórios da Wook. Alexandra Teófilo / Porto Editora

Por falar em jovens, identifica-se a geração TikTok como impulsionadora da venda de livros, porque há uma partilha de sugestões nessas redes. Sente que é mesmo assim?

É indiscutível. Muitos associam o young adult ao momento da pandemia, mas a minha visão é mais que a pandemia pode ter ajudado, mas julgo que houve um trabalho conjugado nos últimos anos de todo um setor — desde as editoras, aos livreiros, passando também por iniciativas governamentais como o Plano Nacional de Leitura — que tem mérito. Tudo isso, criou um ambiente, obviamente cultivado também por pais e restantes educadores e professores, que fez com que realmente os jovens despertassem para a leitura e a coisa agora ganhou vida própria. O Tik Tok é um potenciador, sem dúvida. O Tik Tok e todas as redes sociais são potenciadores de tendências.

É também uma das faces de uma certa mudança no paradigma de consumo de cultura em Portugal?

Sim. Há tempos a falar com uma tiktoker ela referia precisamente esse momento de mudança. Associava à pandemia e dizia: fui para casa a ser a geek da turma, porque era a que lia, e voltei sendo uma das bem vistas. Era não só uma leitora, mas também uma influenciadora. Essa mudança de paradigma faz com que realmente as modas ditem muitas das tendências. Acho que esse pode ter sido um momento realmente de mudança.

O Tik Tok é um potenciador, sem dúvida. O Tik Tok e todas as redes sociais são potenciadores de tendências

Rui Aragão

Diretor da Wook

E hoje em dia há todo um acesso diferente para as pessoas que também vivem em zonas que têm menos oferta de livrarias físicas, não é? O acesso democratizou-se nesse sentido?

Sim. A Wook neste momento disponibiliza cerca de nove milhões de livros num único sítio. É impossível ter isso numa só livraria. Os dois milhões de clientes registados que eu falei não estão só em Portugal. Penso que temos envios regularmente para cerca de 130 países em todo o mundo. É realmente a democratização do acesso ao livro e uma facilidade muito grande, porque nós estamos a falar do resto do mundo, mas os Açores e Madeira ou o interior do país não têm o mesmo acesso às grandes livrarias que temos nos grandes centros urbanos.

Quais são as principais regiões para onde vendem? Quantos livros é que vendem em média, por ano?

As principais regiões com grande concentração de clientes. Lisboa primeiro, Porto depois, representam um peso muito significativo das nossas vendas. Cerca de 40% das vendas vão para esses grandes centros urbanos e todo o litoral. Mesmo com menor população temos muitos clientes nas ilhas, muitos clientes no interior de Portugal, muitos clientes na nova diáspora portuguesa também, para onde estão a ir os novos emigrantes, nomeadamente Estados Unidos e Inglaterra, já não tanto França e Suíça, do tempo da imigração dos anos 70, mas um pouco por todo o mundo.

Temos um cliente há décadas na Amazónia que nos compra da floresta. Um investigador que está lá e conseguimos fazer chegar a encomenda ao meio da Amazónia. Essa facilidade é também um potenciador. É um conjunto alargado. Se os tiktokers têm hoje livros para falar é porque os editores estiveram atentos às tendências do que eles gostam e estão cada vez mais a ir ao encontro do que eles gostam. Os livreiros também estão a adequar a sua forma de trabalhar. Normalmente não partilhamos números, mas podemos dizer que anualmente enviamos milhões de livros. Quando começámos tínhamos meia dúzia de encomendas por dia e hoje em dia chegamos a ter dezenas de encomendas por segundo. O mercado mudou radicalmente.

Recorda-se qual foi a primeira encomenda que receberam?

Lembro-me perfeitamente. Foi “O Cruzeiro do Snark”, do Jack London. Foi a primeira compra feita. É um livro muito interessante. Infelizmente está esgotado neste momento. A segunda foi para os Estados Unidos, só para ver o quão avançado estava o mercado americano naquela altura e quão distante estava da realidade portuguesa.

Cerca de 40% das vendas vão para esses grandes centros urbanos e todo o litoral

Rui Aragão

Diretor da Wook

Relativamente à chamada literatura young adult, tem noção da taxa de crescimento nos últimos três ou quatro anos?

Não tenho esses dados, mas o crescimento é brutal. O young adult é um paradigma da evolução dos leitores. Muitos pais conseguem que os miúdos comecem a ler com tenra idade e chegando à adolescência normalmente há um afastamento da leitura e se tudo correr bem uns anos mais tarde retoma esse hábito. O que está a acontecer aqui é que esse hiato está a desaparecer. Estamos a conseguir que as crianças evoluam através do período da juventude, mantendo os seus hábitos ou até aumentando os seus hábitos de leitura. Acho que também há aqui o facto de estarmos agora com gerações de pais que já leem. Querem transmitir também esses hábitos e reconhecem a importância da leitura. Já não foi só o professor que o despertou para a leitura, foi em casa. Se calhar há duas décadas muitas crianças cresceram em casas sem livros e hoje em dia já têm as suas bibliotecas em casa. Só o facto da disponibilidade também faz com que se desperte mais cedo e que se mantenham estes hábitos pela vida adulta fora.

Qual é a faturação do grupo?

Não divulgamos esse tipo de informação. Obviamente que passámos por períodos em que crescemos a três dígitos, hoje em dia crescemos a um. Quando crescemos a dois dígitos ficamos muito contentes. O período da pandemia foi uma altura de grandes crescimentos, porque o retalho fechou e os sites ficaram com o mercado todo durante aqueles meses. Tivemos crescimentos e tivemos quotas de mercado gigantescas e, obviamente, também foi uma forma de angariar muitos novos clientes que depois se mantiveram connosco.

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