O negócio de ride-hailing da Bolt em Portugal é rentável, garante Mário de Morais, o novo responsável por esta área da empresa estoniana no país, na sua primeira entrevista desde que assumiu funções.
Mário de Morais é o novo responsável em Portugal pelo negócio de ride-hailing da Bolt. O gestor assumiu a liderança em outubro do ano passado, tendo esta área de negócio fechado 2023 ‘taco a taco’ com a sua principal (e agora única) concorrente Uber.
Depois de um ano onde a plataforma de transporte cresceu 50%, acima dos 20-30% que terá crescido o mercado, Mário de Morais tem um objetivo definido: “Este ano será certamente para chegar à liderança.”
Estender a operação aos Açores ainda durante o primeiro trimestre é outro dos objetivos do gestor. E nos planos está ainda aumentar a oferta de XS — categoria de carros mais pequenos — e, com isso, oferecer um custo de viagem mais ajustado. Para já, em cima da mesa não está mudar o clássico modelo de pagamento de viagem, fazendo cobrança por passageiro transportado. “Por passageiro, não é algo que tenhamos estudado, mas é uma excelente ideia que me vai ficar na cabeça”, disse o gestor em entrevista ao ECO, a primeira desde que assumiu funções.
Depois de um ano em que viajar foi mais caro — quanto o gestor não precisa –, Mário de Morais admite que em 2024 deverá haver novos aumentos, mas não avança valores. “O preço terá certamente revisões, mas não vai haver um aumento de preços tão acentuado como no passado.”
Hoje o negócio de ride-hailing da Bolt é rentável.
A Bolt quer atingir rentabilidade para avançar para IPO em 2025. Em Portugal já está a cumprir esse objetivo de rentabilidade ou ainda falta algumas viagens?
Em Portugal já estamos a cumprir o objetivo da rentabilidade. Tivemos um ano 2023 muito, muito bom. Acabámos o ano taco a taco com os nossos competidores do mercado.
Refere-se à Uber, neste momento, são os únicos.
Efetivamente, são os únicos. Ou seja, já atingimos esse patamar. Aliás, Portugal é um mercado que em muitas coisas é referência para a empresa. Foi um mercado em que veio cá o CEO fundá-lo e pelo qual tem muito carinho. E temos uma equipa que trabalha muito bem, que fez um ano fantástico. Da nossa parte estamos a cumprir para garantir esses objetivos da empresa. Se é 2025 ou 2026 (o IPO) é toda uma outra discussão.
Foi esse o prazo anunciado pelo vosso CFO.
Eu sei, mas ainda não tenho nenhuma informação. O nosso objetivo é melhorar ainda este ano. Portanto, se já estamos num patamar de rentabilidade é para continuar a ter rentabilidade em 2024.
Quando diz estar “taco a taco” com a Uber, o que significa? Qual é a vossa quota de mercado? No ano passado assistimos à saída da Free Now, a última de uma série de mudanças no setor, em que empresas ou saíram ou foram absorvidas.
O mercado português cresceu. Nós crescemos ainda mais. Não lhe posso dizer uma quota de mercado específica — há várias fontes e portanto, umas são 51%, outras são 49% –, mas o que posso dizer é que a diferença entre nós e a Uber é inexistente ao dia de hoje.
E qual foi o crescimento, ao certo?
Crescemos 50% ao nível de empresa, o mercado cresceu na ordem dos 20%-30%.
Um objetivo é ser claramente líder do mercado este ano. Se olharmos para o histórico e para outros países onde a Uber entrou primeiro, Portugal é um exemplo muito bom de como um bom trabalho, com uma equipa que teve muito atenta e junto do mercado, conseguiu chegar ao pé de um concorrente que já cá estava, que tinha mais disponibilidade para gastar e marca implementada.
A que aponta esse crescimento? Assistimos a uma grande quebra de rendimentos, esperar-se-ia que as pessoas cortassem neste tipo de serviços.
Há aqui dois vetores importantes. Somos neste setor a empresa mais presente em Portugal como um todo. Estamos na ilha da Madeira, vamos estar nos Açores este ano, portanto alargámos o espetro de viagens e o português utiliza cada vez mais. A média da viagem manteve-se relativamente igual ao ano passado.
São níveis de crescimento que se irão manter este ano?
O mercado, não irá crescer tanto a nível percentual, se calhar em termos absolutos pode ser parecido, mas a nossa expectativa é que não cresça tanto, ainda que continue a desenvolver-se. Para a Bolt o que nos interessa é cobrir cada vez mais o país todo. Em Portugal continental estamos basicamente em todo o lado. Vamos explorar os Açores (São Miguel), queremos que esteja operacional no primeiro trimestre do ano, mas ainda estamos a fechar os pormenores.
Depois de crescer 50% no ano passado, qual a meta para este ano?
Vou partilhar os objetivos que posso. Um objetivo é ser claramente líder do mercado este ano. Se olharmos para o histórico e para outros países onde a Uber entrou primeiro, Portugal é um exemplo muito bom de como um bom trabalho, com uma equipa que teve muito atenta e junto do mercado, conseguiu chegar ao pé de um concorrente que já cá estava, que tinha mais disponibilidade para gastar e marca implementada. Portanto, se já conseguimos chegar ao lado deles este ano será certamente para chegar à liderança.
Seria quase inédito. Em boa parte dos mercados a Uber lidera.
Em boa parte, tirando os mercados bálticos — a origem da Bolt — é um bocado inédito. Pessoalmente, tenho plena confiança e comprometi-me que vamos atingir essa liderança. O segundo objetivo é estar presente em todo o Portugal. Falta os Açores.
Além da conquista da liderança, que outros objetivos para este ano?
Abrir um pouco mais o espectro de categorias na nossa oferta para responder a necessidades mais específicas. Fizemos isto, e está a correr fantasticamente bem, com a categoria de animais de estimação. E vamos continuar o trabalho neste sentido, que é identificar onde há necessidades dos portugueses e garantir que temos uma oferta adaptada. Aliado a isto, garantir que temos motoristas através dos operadores de TVDE e adequados a cada um destes destes setores.
Há cerca de um ano, Nuno Inácio, o antigo responsável do negócio de ride-hailing, admitia que nos próximos dois anos, poderia haver “um ligeiro aumento do custo de serviço” e uma “ligeira alteração na qualidade do serviço”. Para quem viaja, esse aumento de custos já aconteceu e é tudo menos ligeiro. É uma avaliação justa? Qual foi o aumento de preços?
O aumento efetivo de preços não foi grande. É uma informação que não posso partilhar. Temos que lembrar que o país passou por uma altura de inflação e teve que haver ajustes, porque os operadores de TVDE, que têm motoristas, precisavam de um ajustamento. Todos os custos subiram, portanto não fazia sentidos mantermos o preço. Continuamos a ser tendencialmente mais baratos do que a nossa concorrência. É um esforço que fazemos, neste equilíbrio entre oferta e a procura, garantir que os operadores tenham estabilidade e, ao mesmo tempo, que o cliente tem o preço mais baixo possível.
E este ano, qual é expectativa de aumento?
A nossa expectativa é que, a nível de custo, o impacto não seja tão grande como foi o ano anterior. O preço terá certamente revisões, mas não vai haver um aumento de preços tão acentuado como no passado.
No tema da qualidade, no serviço TVDE como um todo, quem viaja nota que não está no mesmo nível do passado. A limpeza dos carros não é o que era, espera-se mais tempo pelas viaturas, há mais cancelamentos, mais dificuldade na comunicação com os motoristas… Como estão a endereçar este tema?
Essa é mais uma das prioridades de 2024: garantir um setor de qualidade. Há uma tendência para puxar mais as coisas que correm mal do que as que correm bem. A maioria das viagens tem corrido bem e são várias centenas, milhares por dia no setor, acaba por ser uma pequena parte das viagens que não corre tão também. Temos implementado uma série de features na aplicação para garantir que há reporte, em que podemos fazer um unmatching em que não viaja mais com esse motorista. Temos endereçado isso.
Todos os custos subiram, portanto não fazia sentidos mantermos o preço. Continuamos a ser tendencialmente mais baratos do que a nossa concorrência. (…) O preço terá certamente revisões, mas não vai haver um aumento de preços tão acentuado como no passado.
Tem havido muitos pedidos de ‘unmatching’?
É uma funcionalidade que tem relativamente pouco tempo. Vamos ter estudos brevemente sobre o tema, mas, neste momento não tenho qualquer tipo de informação. Estamos a tentar que o cliente, mas também o motorista, tenha mais ferramentas ao seu dispor para garantir um bom serviço. Há aqui um contexto importante: há um conjunto de revisões da Lei que ficaram pendentes, dado o contexto do país, importantes para garantir que conseguimos ter mais qualidade no mercado.
Pode especificar?
Com a revisão da Lei do Trabalho, acabámos por ter mais restrições no que podemos fazer a nível de controlo de qualidade, isso pode estar revisto. Quando fala na (dificuldade de) comunicação também há várias coisas na Lei que podem endereçar este tema. Este serviço é suposto ter muita qualidade e, na nossa opinião, é importante ter mecanismos de controlo dessa qualidade e garantir que, como em qualquer setor, quem tem qualidade tem um tipo de preferência e quem não tem começa a ter menos referências.
Depois da Lei do Trabalho, em maio, a ACT tem feito bastantes fiscalizações às plataformas digitais, identificou 2.609 prestadores de serviços, resultando em 861 participações do Ministério Público. A Bolt foi alvo de algum tipo de notificação?
No ride-hailing não temos absolutamente nada. Não existe nenhuma notificação da ACT, nenhum processo em tribunal.
Nenhum motorista pediu para ser integrado?
Nenhum motorista pediu, nem acho que vão pedir. Não será atrativo, estariam condicionados a uma base salarial fixa, se calhar mais baixa do que a que um motorista com 40 horas distribuídas de forma eficiente fará aos dias de hoje. Ao nível dos estafetas sabemos que há alguns processos, mas do nosso lado, muito poucos. Por processos, refiro-me a pedidos de informação da ACT e que, eventualmente, poderão chegar aos tais processos. Mas não na parte de ride hailing. Com as associações, fizemos duas reuniões presenciais com operadores de TVDE, e isto não é um tema que esteja a impactar-nos. Há já movimento na Europa contrários, com os operadores, as associações e os sindicatos de ride-hailing a pedir para não passarem uma lei que os obrigue a reclassificar, pois não é a dinâmica que querem. Uma boa parte dos motoristas trabalha com os operadores como se fosse um full time, mas uma boa parte são pessoas que querem complementar o seu rendimento. Até agora o setor não está a avançar para aí.
Em França, a Bolt, juntamente, com a Uber e a FreeNow, acordou pagar 9 euros por viagem, com rendimento mínimo de 30 euros por hora e 1 euro por quilómetro. É um modelo possível para Portugal? Ou só faz sentido com outros valores?
É um modelo que tem que ser estudado. A procura em França e em Portugal e os níveis de rendimento são completamente diferentes. Tem que haver uma sustentabilidade. Do nosso lado, estamos atentos e a estudar todas as hipóteses. Não me parece que seja uma hipótese que vá promover muita qualidade de serviço e o desenvolvimento do setor. A flexibilidade é uma parte chave do setor e quem quiser trabalhar conseguirá níveis de rendimento mais altos. Quem cancelar viagens, não estiver tão disponível terá outro tipo de rendimento, mas por opção. Estarmos a fechar a rendimentos mínimos, causa um perigo muito grande de qualidade de serviço.
Olhamos ativamente para o que é o rendimento dos motoristas. No meio deste modelo tripartido, o que nos interessa é que toda a gente pode pôr comida na mesa. Quem faz as horas de trabalho correspondentes a um trabalho normal, garantidamente, não está pior do que os portugueses que fazem outro tipo de trabalhos.
Mas qual é o vosso modelo atual? Um motorista consegue que média de rendimentos?
Não operamos diretamente com motoristas. Há vários modelos no mercado que os operadores de TVDE têm com os motoristas. Não posso partilhar esses números, mas posso dizer que olhamos ativamente para o que é o rendimento dos motoristas. No meio deste modelo tripartido, o que nos interessa é que toda a gente pode pôr comida na mesa. Quem faz as horas de trabalho correspondentes a um trabalho normal, garantidamente, não está pior do que os portugueses que fazem outro tipo de trabalhos.
Quando diz que estão a estudar vários modelos, significa que poderá haver uma mudança para uma cobrança por passageiro e não por viagem, por exemplo? Hoje quem usa a app tem várias opções de escolha, da economy, ao XS ou XL. Em algum desses segmentos faria sentido um modelo por passageiro?
Faz sentido continuarmos no modelo de viagem. Estamos a estudar formas de ter veículos que façam mais sentido para um bom número de pessoas que viaja sozinho.
Tem de explicar isso melhor.
Ainda é muito prematuro, mas a ideia base é esta. Hoje temos uma categoria XS, porque percebemos que havia muita gente a viajar com uma ou duas pessoas. Um carro mais pequeno, em princípio, tem menos custos e conseguimos servir bem estas pessoas ao melhor preço, sem prejudicar o operador de TVDE e, consequentemente, o motorista. Também temos categorias com carros maiores por causa da acessibilidade, do conforto. Para onde estamos a caminhar como empresa é garantir que a nossa oferta corresponde cada vez mais a cada segmento. Se formos mais diretos para segmentos específicos dos portugueses, garantimos que os dois lados estão equilibrados, e a pessoa paga o que é justo. Por passageiro, não é algo que tenhamos estudado, mas é uma excelente ideia que me vai ficar na cabeça.
Esse modelo não está em cima da mesa, então.
Não está em cima da mesa, pelo menos até agora.
Mas ao certo o que está a ser pensado em termos desse ajustamento das categorias ao público?
Ver os veículos que possam entrar no XS, ou seja, em categorias mais económicas, mas em que também a pessoa viaja sozinha. Não responde diretamente ao preço por o passageiro, mas indiretamente sim.
Vamos ter então mais oferta de XS no mercado, é isso?
Mais oferta para garantir que há um equilíbrio e, ao mesmo tempo, reforçamos na parte da Bolt para quem viaja em grupo onde também há um ajuste do preço.
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“Objetivo é a Bolt ser claramente líder do mercado em Portugal este ano”, diz Mário de Morais
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