Na primeira grande entrevista que deu desde que foram conhecidas as descidas de 3,4% nas tarifas para 2022, Matos Fernandes falou ao ECO/Capital Verde sobre o IVA da luz.
Cerca de um mês antes de a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos ter apresentado a sua proposta tarifária para o mercado regulado em 2022, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, veio garantir que os preços da luz não iam subir.
Para isso tinha à sua frente uma lista de medidas no valor no total de 815 milhões de euros que o garantiam. No entanto, as contas finais cabiam à ERSE e Matos Fernandes ficou à espera da passada sexta-feira, 15 de outubro, para ver o resultado.
No entanto, a realidade superou as suas melhores expectativas: de dezembro para janeiro os preços no regulado descem 3,4%, as tarifas de acesso às redes caem desde 50% para os domésticos e até 94% para os industriais (o ministro tinha falado em 30%) e o défice tarifário reduziu-se em 1.000 milhões de euros.
Razões que deixam um sorriso na cara do ministro e que o levam a dizer que “há uma semana que se deixou de falar no preço da eletricidade, porque as pessoas perceberam que aquilo que era o aumento do preço da produção de energia elétrica não vai ter qualquer reflexo naquilo que elas pagam em casa”.
Na primeira grande entrevista que dá desde que são conhecidas as propostas tarifárias para 2022, Matos Fernandes falou ao ECO/Capital Verde também sobre o “não-assunto” do IVA da luz, sobre os mais de 13 mil milhões que o sobrecusto das renováveis já custou aos portugueses, das metas do solar e do ritmo a que estão a avançar os projetos vencedores dos leilões de 2019 e 2020.
Somando esta nova crise no preço dos combustíveis — com o Governo a ser forçado a agir até ao final da semana para apresentar uma medida transitória para travar mais aumentos –, à crise energética que já tem vindo a marcar 2021, com uma interminável escalada dos custos da energia elétrica nos mercados grossistas, está criada uma tempestade perfeita. Pode estar em causa a recuperação verde da economia?
Mais do que nunca esta retoma vai ser uma recuperação verde. Há uma semana que se deixou de falar no preço da eletricidade, porque as pessoas perceberam que aquilo que era o aumento do preço da produção não vai ter qualquer reflexo naquilo que elas pagam em casa. E porquê? Porque Portugal começou muito antes dos outros países a fazer esta revolução verde. A eletricidade vai baixar 3,4% para o comum dos portugueses no próximo ano porque 60% da eletricidade produzida em Portugal já tem origem no renovável. E porque mesmo aqueles que foram contratos, que eu não vou comentar, mas que manifestamente num tempo em que a tecnologia não era madura, criaram um sobrecusto sobre o preço da eletricidade que foi pago pelo conjunto dos portugueses, mesmo esses contratos são hoje um seguro real contra o aumento real do preço da eletricidade.
Para o preço da luz que está à vista, não faz falta descer o IVA. É natural que venha a ser discutido, vendo aquilo que o Bloco de Esquerda aponta. Só quis aclarar que o Governo não tem proposta para discutir IVA da luz nem tal se revela necessário. Então depois de 15 de outubro, já não há mesmo nenhuma necessidade de discutir o IVA da luz e que ela não vai subir sem mexer nesse mesmo IVA.
Como é que o Governo e a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos conseguiram tirar este trunfo da manga e fazer com que as contas da luz não subam, no regulado, pelo menos?
Conseguimos, em primeiro lugar, com uma política justa, que vem de trás, da aposta nas renováveis. E em segundo lugar, colocando o dinheiro certo nos sítios certos para estancar e, assumidamente, colocar dinheiro público, sem cobrar nem mais um tostão a nenhum dos portugueses. É dinheiro que havia em fundos geridos pelo Ministério do Ambiente. Colocámos o dinheiro certo para garantir que também para a indústria, que era a minha maior preocupação aqui, podíamos assegurar que a tarifa de acesso às redes se reduziria e acabou por reduzir-se em 94%. Esse foi um valor que ultrapassou as mais otimistas das expectativas que os próprios industriais poderiam ter. Se não houver variação do preço da eletricidade na produção, e nós sabemos que vai haver, mas se não houver, esta redução de 94% representa uma redução de -35% naquilo que as indústrias vão pagar. E muitos vão beneficiar dessa redução, porque têm contratos que vão valer já durante o próximo ano todo.
Sentiu os portugueses preocupados com o que iria acontecer à sua conta da luz, como aconteceu em Espanha?
Quem tem contratos a longo prazo, nunca teve nenhuma variação do preço da eletricidade. O comum dos consumidores domésticos não teve variação nenhuma e vai ter agora um decréscimo. Quem apostou em comprar a eletricidade ao dia, ganhou muito dinheiro há um ano, quando a eletricidade tinha um valor reduzido na produção. Está a pagar muito mais hoje. Aquilo que eu digo é o seguinte, primeira preocupação: proteção de todo o mercado regulado residencial, com a certeza de que o mercado não regulado beneficia de uma redução de tarifa de acesso à rede entre os 50% e os 60%, portanto não há nenhuma razão para que o mercado não regulado tenha alguma variação positiva de preço no próximo ano. Não vai ter. Em relação à indústria, tudo aquilo que nós podíamos fazer está feito. Uma redução de 94% na tarifa de acesso à rede. Cabe agora aos industriais serem capazes de fazerem os seus melhores contratos com quem lhes vende a eletricidade. E esses contratos, nos tempos que correm, parecem claramente ser melhores se forem mais prolongados no tempo.
Já desistiu de tentar baixar o IVA da luz? Isso chegou a ser discutido no Orçamento do Estado?
Não. O que eu disse foi que a medida tomada foi de estatuto permanente e atingiu 85% dos consumidores. Para o preço da luz que está à vista, não faz falta descer o IVA. É natural que venha a ser discutido, vendo aquilo que o Bloco de Esquerda aponta. Só quis aclarar que o Governo não tem proposta para discutir IVA da luz nem tal se revela necessário. Então depois de 15 de outubro, já não há mesmo nenhuma necessidade de discutir o IVA da luz e que ela não vai subir sem mexer nesse mesmo IVA.
Há uma semana que se deixou de falar no preço da eletricidade, porque as pessoas perceberam que aquilo que era o aumento do preço da produção não vai ter qualquer reflexo naquilo que elas pagam em casa. E porquê? Porque Portugal começou muito antes dos outros países a fazer esta revolução verde. A eletricidade vai baixar 3,4% para o comum dos portugueses no próximo ano porque 60% da eletricidade produzida em Portugal já tem origem no renovável.
Ainda assim, ouvimos o Presidente da República a falar de apoios sociais, mexidas de impostos para apoiar as famílias O que se pode esperar?
É conhecida a caixa de ferramentas que a Comissão Europeia propôs, e concordamos com ela, mas também dizemos que já temos essas ferramentas todas. Temos uma tarifa social automática que abrange 800 mil famílias, que ganhou agora um prémio internacional. É necessário reduzir impostos, os CIEG são carga fiscal e foram reduzidos e de que maneira. A própria redução do IVA, por escalões de consumo até 100 kWh. Nas medidas de curto prazo Portugal está na linha da frente.
O IVA da eletricidade não pode voltar a entrar no médio e longo prazo?
Repito: a eletricidade para o ano vai baixar. Por isso é inútil estar a fazer essa discussão da descida do IVA. O longo prazo tem a ver com o compromisso europeu com as interligações elétricas. É a Europa toda que pode beneficiar da eletricidade produzida a partir de fontes renováveis a muito bom preço em Portugal. A neutralidade carbónica é um projeto europeu. Há um risco de ilha energética para a Península ibérica. As ligações a França são frágeis.
Pode transformar Portugal num país exportador de energia?
Sim, manifestamente. Quem tem potencial de produzir a mais baixo custo somos nós.
Entretanto, ainda estamos em crise energética? O que temos vindo a assistir é que em Portugal somos uma espécie de oásis, aqui no canto da Europa, com os outros países todos a pegar fogo: a descerem IVA, a injetarem dinheiro, as tarifas dos consumidores a subirem imenso.
Eu não uso a palavra oásis, até porque quem inventou a palavra veio há meia dúzia de dias dizer à televisão que este era mesmo o tempo de acabar com as preocupações ambientais. O único oásis que essa pessoa imagina é mesmo o oásis no meio do deserto. Não uso mesmo a palavra, nem direi que não estou preocupado. Nós estamos no meio de uma crise energética. Nós conseguimos controlar o preço da eletricidade porque trabalhamos muito e conseguimos colocar o dinheiro certo no sítio certo e fazer avançar o mais depressa possível os projetos das renováveis. Não andamos com loucuras de curto prazo como outros países na Europa andaram, que lhes está a sair o tiro pela culatra, e estão neste momento a ver-se aflitos para poderem cumprir quaisquer outras metas, incluindo metas de preço.
A partir do momento em que tomaram a opção de cobrar mais impostos na produção de renovável, como os produtores de renovável também são produtores de eletricidade de origem não renovável, portaram-se como qualquer um de nós: preferiram pagar menos impostos. Deixaram de injetar eletricidade renovável nas redes. Estamos neste momento mais despreocupados porque a ERSE já falou. Mas o oásis não foi de geração espontânea. Fomos mesmo nós que o cavámos, palmeira a palmeira.
Diz que “pusemos o dinheiro certo no sítio certo. Mas tivemos mais de 13 mil milhões de sobrecusto das renováveis, que entretanto já foram pagos entre 2008 e 2021 nas faturas dos consumidores de energia, segundo números da ERSE. Foi um investimento que saiu do bolso de todos nós? E que fez com que durante muito anos Portugal tivesse uma das eletricidades mais caras da Europa, segundo o Eurostat. Não por via dos impostos, mas por via dos CIEG.
CIEG esses que o Eurostat também considera carga fiscal e que são muito reduzidos durante o próximo ano. Eu não tenho nada a discordar na história que conta. O facto de Portugal ter apostado antes de todos os outros países na transição energética, ainda que acelerada mais recentemente, porque hoje quem pensa e discute estas matérias a sério não tem dúvidas que a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis é muito mais barata do que a partir de fontes fósseis. Isso em Portugal é uma evidência ainda mais óbvia porque não temos esses combustíveis.
Ao longo do tempo, os portugueses pagaram essa fatura, é verdade. Por isso é que eu quando olho para o Fit for 55 package que aí vem, com o qual concordo na generalidade, há uma coisa da qual ao discordo, é que a redistribuição das verbas que virão a ser cobradas comummente no futuro no domínio da descarbonização, na proposta da UE está muito voltada para quem mais precisa de fazer. E objetivamente Portugal, tendo muito à sua frente para fazer, comparado com muitos outros países, já fez muito do seu trabalho. E fez o seu trabalho quando a expressão transição justa não fazia parte do léxico comum. É essa a razão porque o Fit for 55, naturalmente atribuindo mais dinheiro a quem está mais atrasado, porque temos todos de chegar à neutralidade carbónica, não pode na sua fórmula de redistribuição de dinheiro esquecer o valor que disse e que os portugueses já pagaram para chegarem onde chegaram. É inaceitável que Portugal só venha a ter 1,8% das verbas que estão a ser propostas para o mecanismo social de redistribuição de verba para o caminho da neutralidade, quando há quatro países, entre eles a Alemanha e a França, que têm 50% desse mesmo dinheiro. Isso não é razoável. É mesmo absolutamente necessário atender àquilo que foi o esforço, de 13 mil milhões, que os portugueses já pagaram para estarmos onde estamos.
Nós estamos no meio de uma crise energética. Nós conseguimos controlar o preço da eletricidade porque trabalhamos muito e conseguimos colocar o dinheiro certo no sítio certo e fazer avançar o mais depressa possível os projetos das renováveis.
Acha que os portugueses têm consciência do que já lhes saiu da carteira, quando um estudo da APREN diz que 91% dos portugueses acha que a fatura da luz é demasiado cara?
O que foi pago no passado, por ter correspondido à necessidade desta mesma transição energética — e sem discutir o contrato da há 10 ou 15 anos, é essencial para que hoje nós tenhamos o seguro que temos e possamos dizer aos portugueses que o esforço que eles fizeram, esforço esse que acabou por corresponder ao pagamento daquilo que foi uma opção política — é, num tempo de crise energética, o melhor seguro que eles podem ter. É uma garantia que para o ano a eletricidade vai baixar, mas que a forma de produzir electricidade em Portugal é mesmo a partir de fontes renováveis.
Isso significa que no futuro vamos ter eletricidade mais barata e vamos ter uma muito maior estabilidade no valor dessa mesma eletricidade. Este esforço que o Governo teve de fazer, que valeu 800 milhões de euros, não vai ter de se repetir nos anos próximos.
Já contestou a distribuição de verbas do Fit for 55 em Bruxelas?
Estamos a fazê-lo no contexto da avaliação do pacote Fit for 55 que não está aprovado e que não acredito que venha a ser aprovado pela presidência eslovena e que sabemos que a presidência francesa quer muito vir a aprovar. Eu direi que isto só se fecha lá para março ou abril. Se me pergunta se já contestei? Sim, sendo que neste momento isto não está no espaço público, são as equipas que estão a trabalhar as propostas que estão a fazer essa contestação.
Portugal terá um dia perto de 100% da eletricidade produzida através de fontes renováveis?
Vai ter certamente. Nós temos uma meta de 60% que atingimos em 2020, 59% para ser rigoroso. Temos agora uma meta de 80% para 2030, que a ERSE já veio dizer que em 2025 chegamos lá. Repare, a progressão que temos do solar é enorme. Na água, nas barragens, não vamos ter grande progressão. Aliás, o roteiro para a neutralidade carbónica diz que a partir de 2030 até há uma regressão. E porquê? Porque a água é um bem tão escasso que faz falta para outras coisas. No vento, vamos ter sobretudo com o reequipamento, ainda vamos ter um salto na energia eólica. Mas no solar, Portugal tem cerca de 2 GW de potencial de produção. Isto é menos do que a Bélgica. Menos que Inglaterra. Nós vamos mesmo chegar aos 9 GW. A nossa meta era 2030. A ERSE diz que ao ritmo a que vamos chegaremos lá em 2025.
Isso significa que podemos estar perto dos 100% no final da década?
Também não sou tão otimista quanto isso, até porque estes projetos espantosamente também geram contestação. Há algumas entidades, nomeadamente as ONGA, que se afirmam muito comprometidas com a neutralidade carbónica, mas não conseguem apresentar solução nenhuma, nomeadamente para a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis. A meta, sabemos qual é. Chegar a 2050 com 100% de eletricidade produzida a partir de fontes renováveis. Será possível antecipar essa meta? Como ministro não tenho a mais pequena dúvida. Como engenheiro preciso fazer a conta daqui a meia dúzia de anos.
O solar está a andar ao ritmo que previa?
Claramente, neste momento estão em apreciação 2,5 GW de projetos de promoção individual. O primeiro leilão já tem mais projetos licenciados, o mais barato do mundo já está licenciado e vai começar em obras em novembro.
Do leilão de 2019 que percentagem já está construída?
Construída não sei responder. Licenciada, os pequenos projetos estão todos licenciados e alguns dos maiores já tem declaração de impacto ambiental, como seja o mais barato do mundo, que é em Monforte e cuja construção está prevista para começar agora em novembro.
O avanço destes projetos está a ser prejudicadoo pelo aumento do custo dos materiais, pós pandemia?
É verdade que o preço das matérias-primas e dos equipamentos importados aumentou imenso. Daí o despacho do secretário de Estado da Energia com o objetivo de o dia para entrar em funcionamento com um preço combinado é este. Tudo o que conseguirem andar mais depressa e fazer antes dessa data podem vender a preço de mercado. Isso animou muito a vontade de construir depressa para ganhar mais alguns euros. É verdade que estas são matérias-primas, de que se fala menos, porque chega menos às pessoas. Chegam muitas notícias sobre a falta dos chips, por exemplo, nomeadamente para a construção de automóveis. Mas é muito mais do que isso.
Teremos em breve outra mega central solar em Portugal, como a de Alcoutim?
A ser inaugurada, promovida por leilão, não será em breve, mas três muito grandes começarão até final deste ano, duas do Gavião e uma em Monforte.
Ao longo do tempo, os portugueses pagaram essa fatura, é verdade. O facto de Portugal ter apostado antes de todos os outros países na transição energética, não deixa dúvidas que a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis é muito mais barata do que a partir de fontes fósseis. Isso em Portugal é uma evidência ainda mais óbvia porque não temos esses combustíveis.
E quando ao leilão de 2020?
Esse está mais atrasado, mas tudo está a correr normalmente. E no leilão de 2021, só para os espelhos de água, vai ser lançado muito em breve, assim que o decreto-lei esteja aprovado.
As metas do PNEC2030 terão de ser revistas?
Não só não vão ser revistas como vão ser ultrapassadas. E ficaremos muito satisfeitos se isso acontecer.
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