Paulo Pimenta é o sexto entrevistado no ciclo de entrevistas individuais que a Advocatus está a publicar aos sete candidatos a bastonário da Ordem dos Advogados.
Paulo Pimenta é o sexto entrevistado no ciclo de entrevistas individuais que a Advocatus está a publicar nas próximas semanas aos sete candidatos a bastonário da Ordem dos Advogados, nas eleições que se realizam no final do mês de novembro. As entrevistas foram e estão a ser publicadas por esta ordem: Luís Menezes Leitão, Paulo Valério, Fernanda de Almeida Pinheiro, Varela de Matos, Rui da Silva Leal, Paulo Pimenta e António Jaime Martins. A ordem de publicação das entrevistas foi decidida por sorteio.
O atual presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados (OA), Paulo Pimenta, apresentou em setembro a sua candidatura a bastonário da OA. O lema da sua lista é “Dedicação, Responsabilidade e Independência”. “É propósito da candidatura recuperar o prestígio e a reputação da Ordem dos Advogados e dar-lhe capacidade de intervenção no espaço público”, sublinhou o candidato.
Qual é, para si, a principal função da Ordem dos Advogados?
Qualquer discussão em torno da Ordem dos Advogados deve começar por ter presente o seu Estatuto e o seu enquadramento jurídico-constitucional. Em matéria de atribuições da Ordem dos Advogados, as mesmas estão enunciadas no art. 3º do Estatuto. A primeira delas consiste em defender o Estado de Direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e em colaborar na administração da justiça. Tal atribuição, sendo a primeira, está longe de esgotar aquilo que a Ordem dos Advogados pode e deve fazer, como resulta do teor do referido preceito.
Qual é o seu dever, perante os advogados?
Uma coisa é aquilo que, no plano institucional e estatutário, compete ao bastonário, enquanto presidente da Ordem dos Advogados, com consagração no art. 40º do Estatuto da Ordem dos Advogados. Outra coisa é aquilo que o bastonário pode e deve fazer em termos de assegurar que a Ordem dos Advogados cumpra realmente as suas próprias atribuições, por referência ao acima mencionado art. 3º do Estatuto. Entre essas atribuições, são de salientar as seguintes: zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de advogado, promovendo a formação inicial e permanente dos advogados e o respeito pelos valores e princípios deontológicos; representar a profissão de Advogado e defender os interesses, direitos, prerrogativas e imunidades dos seus membros, denunciando perante as instâncias nacionais e internacionais os atos que atentem contra aqueles; defender a solidariedade entre os Advogados.
Nesta vertente, que designaria por vertente política do mandato, há muitas dimensões a considerar e muitos patamares de intervenção, mas isso supõe que o Bastonário tenha características que o habilitem a tal.
Nestes três últimos anos, a Ordem dos Advogados andou para trás, perdeu relevância e capacidade de intervenção no espaço público, foi tomada pela inércia e pelo imobilismo.
O que é que o diferencia dos restantes candidatos?
É verdade que sou candidato a bastonário e que me confronto com mais seis colegas igualmente candidatos, dos quais me distingo claramente, mas prefiro começar por salientar que a candidatura que encabeço se apresenta à eleição para bastonário e para o Conselho Geral da Ordem dos Advogados.
Esta candidatura não é um projeto individual estruturado em torno de uma só pessoa. A nossa candidatura é um projeto coletivo que, além de mim, integra vinte colegas com provas dadas, com carreiras profissionais consistentes, pessoas com grande reputação e prestígio, de diferentes gerações e com diversos modos de exercício da profissão.
Sempre achei que é muito redutor centrar a questão somente naqueles que são candidatos a bastonário, pois um Conselho Geral que não seja integrado por colegas habilitados para as elevadas responsabilidades da função está gravemente limitado na sua capacidade de ação. É um erro de perspetiva comparar os candidatos a bastonário sem analisar as equipas que estes apresentam a sufrágio. Sem querer ser pretensioso, a nossa candidatura, nessa perspetiva de conjunto, é claramente a mais qualificada de todas, sendo, aliás, a única capaz de devolver à Ordem dos Advogados a capacidade crítica, a capacidade de reflexão e a capacidade intervenção que tanto têm faltado e que são umas das principais causas do apagamento e da inércia que têm tolhido a Ordem dos Advogados.
Tenho muito orgulho nos colegas que me acompanham e estou certo de que alguns teriam condições para serem, eles próprios, candidatos a bastonário. De resto, desde a apresentação da candidatura e ao longo da campanha eleitoral, sempre fiz questão de divulgar os nomes e os rostos desses vinte colegas, o que também se manifesta nos nossos cartazes e na demais documentação alusiva à nossa candidatura. Faço questão, fazemos questão, de que os colegas votantes fiquem a conhecer cada um dos elementos da nossa candidatura, saibam bem quem somos nós e, portanto, saibam que nós temos reais condições de devolver à Ordem dos Advogados o prestígio e a reputação que se perderam nos últimos anos.
Quanto ao que me diferencia dos restantes candidatos, importa começar por salientar que, como em qualquer eleição, os candidatos são aquilo que são, ou seja, não faz sentido que um candidato, só para efeitos eleitorais, invoque qualidades ou atributos que o seu percurso pessoal e profissional nunca revelaram. Não faz sentido um candidato procurar obnubilar factos, práticas ou atitudes que todos sabemos que tem ou teve. E não faz sentido imputar a um candidato eventuais defeitos nunca ninguém descortinou.
Todos os colegas conhecem o meu percurso pessoal e profissional, na advocacia (desde 1992), na docência universitária (desde 1990/91), no Centro de Estágio do Porto (entre 1996 e 2006), como vogal do Conselho Distrital do Porto (2008/2010), como presidente do Centro de Estágio e como vogal do Conselho Regional do Porto (2014/2016) e como presidente do Conselho Regional do Porto (2017/2019 e 2020/2022). Todos os colegas conhecem as minhas intervenções públicas, quer como conferencista em matéria de processo civil, quer como orador noutros eventos, quer em artigos de opinião, quer enquanto dirigente da Ordem dos Advogados, sempre na defesa intransigente da advocacia e do Estado de Direito.
Todos os colegas sabem que, em 30 anos de advocacia efetiva, quotidiana e multifacetada, trabalhei quase sempre em prática individual e só nos últimos dois anos constituí uma sociedade com mais cinco colegas.
Todos os colegas sabem que conheço a realidade dos tribunais, das repartições públicas e dos estabelecimentos prisionais, enfim, dos locais que, de uma forma ou de outra, contendem com a prática da advocacia e da administração da justiça.
Todos os colegas sabem quais as opiniões que tenho sobre os mais diversos e mais relevantes temas que interessam à advocacia, à cidadania e ao Estado de Direito.
Todos os colegas sabem que sou frontal e incisivo, não tendo feitio para ajustar afirmações ou opiniões a meras situações conjunturais, nomeadamente para efeitos eleitorais. De resto, deploro quem segue esses métodos.
Todos os colegas sabem que, se formos eleitos, exercerei as funções de bastonário em inteira exclusividade e cumprirei somente um mandato.
Todos os colegas sabem que apenas a candidatura da Lista A tem uma visão reformista da Ordem dos Advogados, pautada por um elevado sentido de responsabilidade e sobriedade.
Tenho por seguro que a figura do bastonário tem de ser respeitada, que as suas intervenções devem ter eco na comunidade e tenho a certeza de que isso depende da postura e da atitude do bastonário, da firmeza e da clareza das suas convicções, do seu prestígio e da sua independência face a quaisquer interesses.
Tenho por seguro que os advogados precisam de sentir-se dignamente representados pelo seu bastonário, o que supõe que vejam realmente nele um colega conhecedor da realidade quotidiana da advocacia. O bastonário deve ter uma genuína disponibilidade para o diálogo, deve ser agregador e capaz de gerar empatia. O bastonário deve ser capaz de mobilizar os advogados em torno de propósito comuns, em vez de acentuar clivagens e promover divisões.
São todas essas condições que a nossa candidatura, e somente a nossa candidatura, assegura, nisso se distinguindo de todas as outras.
O que mudou na OA nos últimos três anos?
Nestes três últimos anos, a Ordem dos Advogados andou para trás, perdeu relevância e capacidade de intervenção no espaço público, foi tomada pela inércia e pelo imobilismo, para o que contribuiu largamente o facto de o bastonário em funções continuar a exercer todas as atividades que já exercia antes de ser eleito, o que não se coaduna com as elevadas responsabilidades e exigências do cargo, que, obviamente, devem ser exercidas a tempo inteiro.
O Conselho Geral e o bastonário em funções fecharam-se sobre si próprios e recusaram o diálogo com os colegas em geral e com os demais órgãos estatutários. Foi um mandato triste. Como se não bastasse, o bastonário envolveu-se em querelas públicas com a presidente do Conselho Superior e do Conselho de Deontologia de Lisboa, com graves efeitos para a reputação institucional da Ordem dos Advogados.
O lema da sua lista é “Dedicação, Responsabilidade e Independência”. Porquê a escolha da palavra ‘independência’?
No contexto desta eleição, “independência” começa por significar que rejeitamos a ideia de a nossa candidatura ser federadora de candidaturas a outros órgãos da Ordem dos Advogados, quaisquer que sejam. Apenas nos apresentamos à eleição do próximo bastonário e do próximo Conselho Geral e não temos “candidatos” a outros órgãos, nem teremos posição institucional a esse propósito. Depois, “independência” significa que, se formos eleitos, o bastonário exercerá funções em total e absoluta exclusividade, como condição de não estar minimamente limitado ou constrangido para tratar qualquer temática sobre a qual, enquanto Bastonário, deva pronunciar-se (independência que, como é sabido, o atual bastonário não tem, por força da sua ligação a interesses privados estranhos à Ordem dos Advogados). Além disso, “independência” significa que, caso sejamos eleitos, o bastonário cumprirá um só mandato, o que o colocará a salvo de tentações calculistas visando a reeleição (tentações a que o atual bastonário não resistiu, como se viu pela promoção massiva de eventos através de órgãos da Ordem dos Advogados, nos dois últimos meses). Finalmente, “independência” reporta-se à situação da Ordem dos Advogados face ao Estado e pretendemos assinalar o propósito de tudo fazer para denunciar e combater sem tréguas o intuito do Estado de instrumentalizar a Ordem dos Advogados através de medidas legislativas que constituem um atropelo a regras básicas de uma convivência democrática.
É insofismável que, nos últimos três anos, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados e o seu bastonário não passaram de uma irrelevância, o que é grave, quer no plano institucional, quer para cada um dos advogados espalhados pelo país fora, que se sentiram abandonados e sem terem uma voz que falasse em seu nome.
Pretende, se for eleito, dar à OA capacidade de intervenção no espaço público. Acha que não aconteceu, até aqui?
É insofismável que, nos últimos três anos, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados e o seu bastonário não passaram de uma irrelevância, o que é grave, quer no plano institucional, quer para cada um dos advogados espalhados pelo país fora, que se sentiram abandonados e sem terem uma voz que falasse em seu nome.
Para os equilíbrios indispensáveis num Estado de Direito, é fundamental que a Ordem dos Advogados seja respeitada e considerada por todos os demais intervenientes na área da justiça e pelo poder político.
O apagamento da Ordem dos Advogados nestes três anos põe em causa esses equilíbrios.
O diretor nacional da PJ acusou a advocacia de exercer “terrorismo judiciário”. Como encarou estas declarações?
Essas declarações são totalmente disparatadas, seja porque não têm qualquer adesão à realidade, seja porque o diretor nacional da Polícia Judiciária, pelas elevadas funções que desempenha, deveria coibir-se de dizer coisas sem sentido e claramente ofensivas para os advogados.
No nosso país, que se afirma um Estado de Direito, as polícias investigam sob orientação do Ministério Público (MP). Achando que tem matéria para tal, o MP formula acusação. O arguido, aconselhado pelo seu advogado, opta entre requerer a abertura da instrução (que conduza a um eventual arquivamento) ou sujeita-se logo a julgamento. Quer a instrução, quer o julgamento decorrem perante um juiz (por vezes, o julgamento cabe a um coletivo de juízes). Tudo isso está sujeito a determinadas regras, umas plasmadas na Constituição, outras previstas no Código de Processo Penal. O diretor nacional da Polícia Judiciária não ignora que tais regras, típicas de um Estado de Direito que se preze, existem precisamente para a salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos, face ao intuito persecutório das polícias e do MP. Tais regras são isso mesmo, limites a potenciais abusos. Tais regras conferem a todos os cidadãos que se vejam na condição de arguidos garantias processuais, que são garantias mínimas e até têm sido restringidas nos últimos anos.
Aquilo que os advogados, enquanto defensores dos arguidos, fazem nos processos tem total e absoluto suporte na lei. E se não tiver, lá estará um juiz (e não um polícia ou um magistrado do MP) para pôr cobro a qualquer excesso.
Há quem tenha uma visão justiceira da vida em sociedade e para quem os advogados são um verdadeiro empecilho. Na realidade, os advogados são os únicos capazes de acudir aos cidadãos e de os proteger do intuito persecutório das polícias e do MP.
Sem advogados, os cidadãos, todos os cidadãos, estariam sujeitos ao arbítrio, pois ninguém os defenderia. Ataques assim contra os advogados são, afinal, ataques contra os cidadãos e as suas garantias, pois o papel dos advogados é representar os cidadãos e defendê-los de quaisquer abusos. Enquanto houver advogados livres, haverá cidadãos com voz e haverá Estado de Direito.
Era algo deste género que o atual bastonário deveria ter dito de modo claro (e deveria ter explicado aos cidadãos, se tivesse a tal intervenção pública), em vez de preferir um expediente burocrático, promovendo uma participação disciplinar contra Luís Neves, a pretexto de que o mesmo está inscrito na Ordem dos Advogados.
Deve dizer-se que, em certa medida, este episódio com o diretor nacional da Polícia Judiciária (e outros similares, com origem em certos setores das magistraturas), acabam por ser o reflexo da perda de relevância institucional e reputacional a que chegou a Ordem dos Advogados. Hoje, qualquer pessoa se permite atacar os advogados, por pressentir que a Ordem não os protege e o bastonário não fala em seu nome. É isto que temos de mudar rapidamente.
Se tivesse de eleger uma medida do seu programa como a com mais rasgo, qual seria?
Face ao estado de degradação a que deixaram chegar a Ordem dos Advogados, a intervenção do novo bastonário e do novo Conselho Geral tem de ser desenvolver-se num plano integrado e não numa medida ou outra, por importante que seja.
No plano interno, impõe-se diligenciar pelo fim da crispação entre os diversos órgãos da Ordem dos Advogados (Conselho Geral, Conselho Superior, Conselhos Regionais, Conselhos de Deontologia e Delegações), promovendo rapidamente reuniões de trabalho com todos os titulares eleitos, assim reconhecendo a sua legitimidade assente na eleição. É também premente reorganizar todos os serviços administrativos da Ordem dos Advogados e implementar canais de comunicação eficazes e úteis, quer no plano interno, quer no contacto com a comunidade. É ainda premente dar voz a todos os advogados, o que significa que o bastonário, a exercer funções em exclusividade, deve ter vontade e disponibilidade para se deslocar junto dos colegas, em todos os pontos do país, qualquer que seja o modo de exercício da profissão, envolvendo todos e promovendo um sentimento de pertença a uma casa comum.
No plano externo, é necessário encetar contactos com todas as entidades que atuam na área da justiça (Conselhos Superiores, presidentes de Tribunais Superiores, presidentes das Comarcas, etc.) e com o poder político, a todos mostrando que a Ordem dos Advogados tem condições e massa crítica para se envolver na busca das melhores soluções para o funcionamento do sistema de justiça, mantendo com todos relações institucionais permanentes e cordatas, num plano que tanto rejeita a subserviência como dispensa a arrogância, sempre com sentido de responsabilidade e respeito recíproco.
Dentro destes parâmetros, será então possível levar por diante aquilo que nos propomos.
Desde Marinho e Pinto que a ‘elite’ da advocacia diz que a OA perdeu prestígio. Concorda?
Que a advocacia – assim como a Ordem dos Advogados – perdeu prestígio é uma evidência. Que isso é efeito de um processo de degradação que não começou hoje nem ontem também é uma evidência. Trazer o nome de Marinho e Pinto para esta eleição nada tem de útil, pois a questão tem outra dimensão e profundidade.
Mais do que saber quem afirma o quê, o triste é que tem razão quem descortina essa perda de prestígio. E tanto o pode afirmar o advogado mais famoso do praça como o advogado mais anónimo, e ambos falam verdade.
No contexto da Ordem dos Advogados, é sabido que o termo “elite” tem por efeito estimular uma clivagem entre os advogados, sem qualquer utilidade para ninguém. O que importa perceber e aceitar é que existem várias formas de advogar e todas elas são dignas, desde que o seu exercício se faça com rigor, qualidade e elevados padrões deontológicos, nas grandes cidades e nos meios mais pequenos, no litoral e no interior, no continente ou nas ilhas, em prática individual ou em estruturas organizativas, sejam as de mera repartição de despesas, sejam as pequenas, médias ou as grandes sociedades.
Todos e cada um dos advogados devem empenhar-se, isso sim, em contribuir para a retoma do prestígio da profissão. E o novo bastonário e novo Conselho Geral deverão dar o mote nesse sentido. Estamos certos de que a nossa eleição, a eleição da Lista A, será decisiva para dar forma a esse propósito.
Rejeitamos a funcionalização do apoio judiciário pelo Estado, chamando a si a criação de “defensores públicos”, ainda que originariamente advogados, pois isso é matricialmente incompatível com um genuíno patrocínio judiciário.
A democracia perde ou ganha por ter um Parlamento com maioria de advogados?
Confesso que tenho dificuldade em estabelecer um nexo efetivo entre a condição de advogado e a de deputado para encontrar aí alguma luz acerca do que é questionado. Não tenho qualquer ligação partidária e não percebo, talvez por isso, algumas “dinâmicas” dos grupos parlamentares.
O que posso dizer é que um advogado tem a obrigação de ser especialmente sensível em tudo quanto possa colocar em perigo as garantias próprias de uma democracia. Assim sendo, à falta de outros dados, é difícil compreender que deputados portadores de cédula profissional de advogado não se incomodem com a aprovação de diplomas que qualquer aprendiz de jurista percebe que atentam contra a democracia.
Existe uma necessidade de fiscalizar a OA, de forma a haver total transparência?
Num Estado de Direito, todas as entidades devem estar sujeitas a fiscalização, disso ninguém tenha dúvidas.
No caso da Ordem dos Advogados, existem diversas formas de fiscalização, quer interna, quer externamente. Por vezes, o que falta é maior atenção dos próprios advogados relativamente às questões da sua Ordem, o que passaria por uma participação mais ativa nas assembleias locais, regionais e gerais, o que lhes permitiria perceber o que se passa no dia-a-dia e colocar questões aos titulares eleitos, cuja legitimidade até sairia reforçada, por prestarem esclarecimentos de forma tão próxima e efetiva.
Por outro lado, no plano disciplinar, as decisões podem sempre ser impugnadas nos tribunais administrativos, o que significa que o sistema não funciona em circuito fechado.
Se for eleito, o que levará logo à discussão com a senhora Ministra da Justiça?
Remeto para o que respondi acima. Assim como nada se resolve com uma medida sem mais, também não será na primeira reunião com a titular da pasta da Justiça que se tomam decisões. O importante é criar condições para haver canais de comunicação regular entre o bastonário e a Ministra da Justiça, num quadro de respeito e de confiança institucional, em termos de o poder político compreender a importância de considerar as sugestões ou propostas da Ordem dos Advogados, tendo como pressuposto que não é possível gerir a pasta da Justiça sem a participação ativa, séria e empenhada da Ordem dos Advogados e sem perceber que não há justiça onde não houver advogados.
A ação disciplinar é bem feita atualmente? Ou ainda há muito corporativismo?
O principal problema da ação disciplinar na Ordem dos Advogados radica na falta de meios humanos e técnicos e isso deve-se ao facto de, nos últimos anos, ninguém ter investido seriamente na busca de soluções para agilizar e modernizar os procedimentos. Tudo isto provoca graves atrasos e tem o efeito perverso de parecer que há corporativismo, o que não é verdade.
O sistema de acesso ao direito é o calcanhar de Aquiles do Estado, na área da Justiça?
O sistema do acesso ao direito, habitualmente designado por apoio judiciário, decorre do imperativo constitucional segundo o qual não deve ser denegada justiça a ninguém em virtude da sua insuficiência económica. Daqui resulta que pensar no acesso ao direito implica fazê-lo sob o ponto de vista dos cidadãos mais carenciados e que, por princípio, não têm meios que lhes permitam custear os honorários de um advogado.
Tal como vem funcionando o sistema, sempre que a Segurança Social reconhece a insuficiência económica de um cidadão, compete à Ordem dos Advogados nomear um patrono, cabendo ao Estado remunerar os serviços prestados pelos advogados.
É patente que existe um sentimento geral depreciativo relativamente ao regime do apoio judiciário. Temos de inverter o estado de coisas, assumindo que o modelo em uso não agrada nem aos cidadãos beneficiários, nem aos advogados que se inscrevem no Sistema de Acesso ao Direitos e aos Tribunais (SADT).
O apoio judiciário é inerente à advocacia. Tudo o que respeite ao patrocínio dos cidadãos mais carenciados deve ser gerido pela Ordem dos Advogados.
Rejeitamos a funcionalização do apoio judiciário pelo Estado, chamando a si a criação de “defensores públicos”, ainda que originariamente advogados, pois isso é matricialmente incompatível com um genuíno patrocínio judiciário.
Propomos um modelo gerido pela Ordem dos Advogados, através de um corpo de Advogados recrutados para desempenharem as respetivas funções por um período pré-definido, mediante remuneração mensal fixa e condigna, o que será garantia de estabilidade e previsibilidade remuneratória. Como é evidente, tratando-se de advogados que continuam a sê-lo, esse desempenho não deve e não tem de ser em regime de exclusividade.
O patrocínio oficioso deve ser sinónimo de qualidade e de elevados padrões deontológicos, mais a mais porque os cidadãos beneficiários não têm poder de escolha e, tantas vezes, não têm condições para valorar o desempenho do patrono nomeado. O ingresso no sistema do apoio judiciário nos moldes propostos permitirá verificar as aptidões dos candidatos para as áreas a que se habilitam, deixando o patrocínio oficioso de estar dependente do mero impulso de cada advogado. Nesse campo, o prestígio da Ordem dos Advogados e da advocacia joga-se na qualidade e na eficiência de cada concreto patrocínio oficioso. Acresce que, neste modelo, os próprios advogados sentir-se-ão respaldados na sua própria Ordem, a quem caberá assegurar a gestão burocrática do modelo, dispensando os advogados de todas as desinteligências, tantas vezes humilhantes, por que passam no contacto com os funcionários judiciais incumbidos de “validar” atos, intervenções, montantes e quejandos. O modelo proposto, ao menos nas suas linhas gerais, será um relevante contributo para prestigiar os advogados que asseguram o apoio judiciário, pondo fim ao estigma que, injustamente, paira sobre muitos deles.
Além disso, o modelo proposto permitirá assegurar, a nível nacional, um regime de consulta jurídica prévia, com uma efetiva triagem acerca das pretensões dos beneficiários.
A OA é, atualmente, uma mera cobradora de quotas?
Trata-se de uma ideia feita, que assenta num equívoco. O pagamento de quotas radica na necessidade de assegurar as condições para o exercício da profissão de advogado, a começar pela estruturação da própria Ordem e pela afirmação de um estatuto profissional garantido por prerrogativas e imunidades funcionais. Tal pagamento tem como contrapartida todo um conjunto de serviços determinantes para o exercício da profissão. Assim sucede com a disponibilização de um certificado digital que é, hoje, essencial e que permite que os advogados pratiquem e validem atos perante entidades oficiais. Neste quadro, os advogados não têm de suportar individualmente os custos dessa certificação, nem os custos de cada ato que pratiquem. Por outro lado, a Ordem oferece aos advogados um seguro de responsabilidade civil profissional em condições que estes dificilmente obteriam numa negociação individual, ao que acresce a hipótese de acesso a um reforço da apólice em condições vantajosas para todos. É de referir ainda que a Ordem disponibiliza gratuitamente a todos os advogados uma revista técnica de elevada qualidade, permitindo que estes aperfeiçoem a sua cultura jurídica. Além disso, o produto das quotas dos advogados também ajuda a estruturar os serviços regionais e locais da instituição, serviços que, embora com alguma heterogeneidade, acompanham o dia-a-dia dos advogados, nos mais diversos pontos do país, prestando apoio logístico e informático, além de disponibilizarem relevante acervo bibliotecário.
E convém não esquecer que, tantas e tantas vezes, a Ordem dos Advogados chama a si a defesa e proteção dos colegas perseguidos no exercício da sua profissão, disponibilizando-lhes assistência e acompanhamento, com resultados documentados. A cédula profissional que titula o estatuto do advogado é a manifestação mais clara das vantagens da auto-regulação, a qual, como é evidente, tem um custo.
O atual bastonário foi omisso na questão da CPAS?
Não foi omisso, foi equívoco, que é outra coisa. Por razões que são mais ou menos conhecidas, o atual bastonário foi eleito fruto de uma aproximação estratégica aos colegas que então se empenhavam na luta por um novo modelo de previdência. Após a eleição, o atual bastonário nada fez, pelo contrário, em prol dessa luta, o que criou um sentimento de frustração e até indignação em todos esses colegas, sentimento que persiste. Quer dizer, quando lhe pareceu conveniente, o atual bastonário posicionou-se de certa maneira. E quando lhe pareceu que já não precisava do apoio desses colegas, posicionou-se de outra maneira. Isto diz muito acerca de quem é o atual bastonário. Tal como disse acima, deploro aqueles que preferem dizer o que supõem que os outros querem ouvir, em vez de terem a frontalidade de dizerem o que pensam. Como é sabido, a frontalidade é uma característica de quem é realmente advogado.
Neste momento, a preocupação imediata dos advogados contribuintes, principalmente dos mais novos, não é tanto o valor das reformas que virão a receber, mas sim o valor elevado das contribuições a cujo pagamento estão vinculados, mesmo no escalão inferior.
Quer “repensar a estrutura orgânica e funcional” da OA . Pode concretizar?
A organização interna da Ordem dos Advogados, ao nível do Conselho Geral, está parada no tempo. Todos os colegas se queixam de que nem sequer conseguem que alguém lhes atenda um telefonema. Há uma série de Institutos que gravitam na órbita do Conselho Geral cuja utilidade não se vislumbra. Em contrapartida, há Comissões da maior importância, como a dos Direitos Humanos e a de Legislação, que estão perfeitamente inertes e sem atividade conhecida. Há muito que se fala numa revisão estatutária e ninguém tem a iniciativa de encetar trabalhos sustentados para esse fim.
É difícil aceitar que haja Conselhos Regionais deficitários (quase todos), apenas porque a sua dotação depende do número de advogados inscritos na sua circunscrição, havendo, em contrapartida, delegações com dotações bem superiores a vários Conselhos Regionais. Estes são exemplos avulsos do muito que temos pela frente.
Pretende ainda encontrar uma solução “segura” e “sustentada” para o sistema de previdência. O que quer isso dizer, na prática?
Todos sabemos que há uma insatisfação crescente com a CPAS e uma legítima preocupação acerca da sua evolução.
Qualquer tomada de posição acerca desta matéria deve ter presente o que nos trouxe até aqui, seja no modelo que vigorou até 2015 (a fórmula de cálculo da reforma considerava os 10 melhores anos de descontos; muitos dos advogados que se reformaram à luz desse regime passaram a receber reformas cujo valor esgotou em pouco tempo o valor das suas próprias contribuições), seja no facto de as alterações de 2015 terem sido retardadas, seja no facto de tais alterações terem posto em risco tantos e tantos advogados, vinculados a contribuições que, não raras vezes, excedem a sua própria capacidade contributiva.
Neste momento, a preocupação imediata dos advogados contribuintes, principalmente dos mais novos, não é tanto o valor das reformas que virão a receber, mas sim o valor elevado das contribuições a cujo pagamento estão vinculados, mesmo no escalão inferior. Há uma iniquidade no modelo, já que é possível que a contribuição de um advogado com 5 anos de inscrição seja a mesma de um advogado com 30 anos de profissão, independentemente dos rendimentos de cada um e da sua real capacidade contributiva. Tudo agravado por não haver um escalão de refúgio para casos comprovados de rendimentos mais baixos.
Porém, o caminho não está na mera transição para o regime da Segurança Social. O referendo realizado em 2021 constitui uma impossibilidade em si. Nunca foram explicadas as condições em que ocorreria essa transição. É uma ilusão supor que basta um referendo no seio da Ordem dos Advogados para impor algo que depende do poder legislativo, o qual, como é público, rejeita a ideia de livre opção entre regimes.
No imediato, sendo incontornável a permanência na CPAS, há que trabalhar para revigorar o próprio sistema da CPAS, respondendo aos justos anseios dos Colegas, desde logo na vertente da adequação entre as contribuições e a capacidade contributiva de cada um, segundo os seus rendimentos. Além disso, é importar reforçar as medidas de proteção, nomeadamente na doença e na parentalidade.
Os dirigentes da Ordem dos Advogados e da CPAS (e os dirigentes da outra ordem profissional integrada na CPAS) devem cooperar reciprocamente e evitar confrontações inúteis.
Ainda que o modelo da CPAS não seja a única solução possível, tudo deve ser feito para melhorar tal modelo enquanto o mesmo vigorar. Merece repúdio a hipótese de manter tudo como está. Qualquer alteração de paradigma nesta sede exige uma reflexão cuidada, com estudos adequados e ponderando experiências encetadas noutros países.
Esteve na liderança do CR do Porto. É o candidato do Norte?
Se tenho escritório no Porto e estou inscrito pelo Conselho Regional do Porto, a ser presidente de um Conselho Regional, só poderia ser do Conselho Regional do Porto. Numa candidatura nacional, como é a candidatura a Bastonário e ao Conselho Geral, é destituída de sentido útil a ideia de “acantonar” um candidato à área onde tem escritório. Felizmente, sou suficientemente conhecido e reconhecido em todos os pontos do país, por ser quem sou, pelo meu percurso pessoal e profissional, e não por ter escritório aqui ou ali. Acresce que a nossa candidatura – e aqui está, de novo, a ideia de projeto coletivo – é integrada por colegas que representam todos os Conselhos Regionais. E sem querer ser pretensioso, a autêntica e inequívoca dimensão nacional da nossa candidatura cria a expectativa de obtermos um honroso resultado eleitoral em todos e em cada um dos Conselhos Regionais. Sou candidato a bastonário e os colegas que me acompanham são candidatos ao Conselho Geral. Somos candidatos nacionais e contamos com votos de colegas de todos os pontos do país.
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Paulo Pimenta: “Nos últimos três anos o bastonário não passou de uma irrelevância”
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