Fernanda de Almeida Pinheiro: “No sistema atual de previdência dos profissionais falha tudo”

Fernanda Almeida Pinheiro apresentou oficialmente a sua candidatura a bastonária da Ordem dos Advogados (OA) em julho, no Salão Nobre da OA. É o rosto do referendo relativo à CPAS.

Fernanda de Almeida Pinheiro – o rosto do referendo relativo à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) – é a terceira entrevistada no ciclo de entrevistas individuais que a Advocatus vai publicar nas próximas semanas aos sete candidatos, por esta ordem: Luís Menezes Leitão, Paulo Valério, Fernanda de Almeida Pinheiro, Varela de Matos, António Jaime Martins, Rui da Silva Leal e Paulo Pimenta. A ordem de publicação das entrevistas foi decidida por sorteio.

Fernanda Almeida Pinheiro apresentou oficialmente a sua candidatura em julho. Entre os pilares do seu programa está a dignidade e a dignificação da profissão, dar voz à advocacia, conciliação da vida pessoal e profissional, defesa do atual regime do acesso ao direito e aos tribunais, revisão da tabela de honorários, defesa intransigente dos atos próprios da advocacia, defender a dignidade para todas as formas do exercício da profissão e os direitos sociais e continuidade da formação altamente qualificada dos profissionais.

Qual é, para si, a principal função da Ordem dos Advogados?

A principal função da Ordem dos Advogados (OA) é, e será sempre, a defesa do Estado de Direito e a defesa dos direitos, liberdades e garantias e nessa senda zelar também pelo acesso ao direito. Porque é a associação pública profissional da Advocacia, deve defender e zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão e, por fim, exercer o poder disciplinar sobre os advogados. São estas, em resumo, para mim, de entre o vasto elenco das alíneas do artº 3º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), as principais funções da OA.

Para acautelar uma eficaz defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, temos que ter uma Advocacia forte, por isso comigo, os Advogados e as Advogadas podem contar com uma defesa intransigente das suas prerrogativas, por forma a que se dê cabal cumprimento ao artigo 3º do estatuto. A Ordem não é um sindicato, mas tem que defender os legítimos interesses da Advocacia.

É função da ordem acautelar os direitos dos seus associados e associadas, nomeadamente os direitos sociais, entre os quais o direito à parentalidade, ao apoio na doença, na quebra de rendimentos, sem nunca esquecer a situação dos advogados que são falsos recibos verdes (e que prestam serviço sem quaisquer direitos ou garantias), podendo, de um dia para o outro, serem dispensados.

Quando for eleita Bastonária tudo farei para garantir os interesses de todos os advogados, quer exercem em regime de subordinação, em empresas, sociedades ou em prática individual. Uma Advocacia forte como um todo, é a imediata garantia da defesa do Estado de Direito e da defesa dos direitos, liberdades e garantias.

Qual é o seu dever, perante os Advogados?

O dever da OA perante os Advogados é defender a dignidade e prestígio dos profissionais, garantindo que os mesmos consigam exercer com total liberdade e independência técnica, os mandatos que lhe são conferidos pelos seus constituintes. Para que tal possa suceder é essencial que os direitos constitucionais (tantas vezes desrespeitados pelo poder político) sejam honrados, cabendo à OA defender as suas prerrogativas profissionais em todas as realidades e circunstâncias.

Os candidatos são demasiados?

Em democracia nunca existem candidatos em excesso. Todos os profissionais podem (e devem) ter a possibilidade de apresentar as suas propostas e as ideias que entendem que são adequadas para o futuro da classe, levando as mesmas a sufrágio, cabendo à instituição garantir que todas essas candidaturas possam ter iguais oportunidades na sua formalização e difusão.

No mais, a multiplicidade de candidaturas é a evidência clara de que a OA está a cumprir com a sua atribuição principal, que é a defesa do estado direito democrático, acolhendo bem todas as propostas e ideias para o futuro da classe dos seus associados e associadas, independentemente da sua origem ou forma de exercício da profissão.

A Ordem dos Advogados atualmente é um órgão político?

Infelizmente tem sido, mas por via da subversão absoluta das atribuições que lhe estão acometidas. A OA não tem funções políticas; pode (e deve) emitir o seu parecer sobre as propostas de lei apresentadas pela AR e Governo, porém, não poderá utilizar-se a instituição, nem os seus meios, como arma de arremesso político contra este ou aquele governo, emitindo o Bastonário a sua opinião pessoal sobre diversas matérias (como tantas vezes sucedeu nos últimos 3 anos), esquecendo-se que, enquanto titular do órgão, deve abster-se de as apresentar publicamente.

Desde Marinho e Pinto que a ‘elite’ da advocacia diz que a OA perdeu prestígio. Concorda?

Não, não concordo. O Dr. Marinho e Pinto e a sua equipa, concorde-se ou não com o seu estilo pessoal, foi o primeiro bastonário que se preocupou em abrir portas da Ordem a toda a Advocacia, que diariamente se dedica de forma independente e livre, à defesa intransigente do estado de direito democrático e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e das cidadãs.

Quando digo Advocacia falo de todos advogados que exercem seja na Ribeira Grande (onde ninguém vai visitar escritórios), seja no maior escritório da nossa capital. A OA é a casa de todos advogados e, como tal, todos aqueles que exercem esta profissão no estrito respeito das regras profissionais, contribuem sempre para o prestígio da advocacia e da OA.

E a advocacia, perdeu o seu prestígio?

Eu acredito que se queira isso com muito afinco. Basta atentar nos ataques constantes que têm sido feitos à classe, no entanto, esta é a única profissão com clara custódia constitucional e, como tal, jamais poderá estar em causa o seu prestígio.

Eu não alinho num discurso catastrófico, proferido por um determinado setor da profissão ou por pessoas estranhas à profissão. Nos últimos anos tem-se tentado passar a ideia de que o prestígio está ligado ao poder económico ou à visibilidade pública do profissional. No entanto, tal não corresponde à verdade, já que o poder económico ou a visibilidade, como bem sabemos, não são, necessariamente, sinónimo, de qualidade ou rigor profissional.

Esta é uma profissão de talentos, ninguém deve ser arredado da mesma com base em critérios economicistas ou de imagens enganadoras de sucesso, porque não é isso que se pretende desta profissão. A Advocacia deve servir a justiça e o Estado de Direito, sempre com elevada competência técnica e deontológica, porque é esse o garante do seu prestígio, e isso conquista-se a cada dia e a cada processo e com cada profissional.

A OA não tem funções políticas; pode (e deve) emitir o seu parecer sobre as propostas de lei apresentadas pela AR e Governo, porém, não poderá utilizar-se a instituição, nem os seus meios, como arma de arremesso político contra este ou aquele governo, emitindo o Bastonário a sua opinião pessoal sobre diversas matérias (como tantas vezes sucedeu nos últimos 3 anos), esquecendo-se que, enquanto titular do órgão, deve abster-se de as apresentar publicamente.

É a cara do grupo que impulsionou o referendo relativo à CPAS. O que falha no sistema assistencial?

No sistema atual de previdência dos profissionais falha tudo. Os advogados são todos os dias privados dos seus direitos básicos de parentalidade, as suas crianças não têm direito a receber o apoio e proteção dos seus pais, que claudicam perante prazos e diligências, que são sempre inadiáveis, quando estão em causa esses seus direitos.

Não existe apoio na doença, não existe apoio em caso de perda abrupta de rendimento, não existem reformas dignas para a maioria dos profissionais, em suma, é um sistema que nada tem de assistencialista e, por isso mesmo, está totalmente ultrapassado em relação às necessidades que são fundamentais e exigíveis de acordo com os valores de um estado de direito democrático.

Se for eleita, o que pretende fazer para que a proposta relativa ao resultado do referendo veja a luz do dia?

Quando for eleita Bastonária trabalharei sem tréguas, para garantir que o resultado do referendo é cumprido. A nossa candidatura nasce exatamente da necessidade que sentimos de que a Advocacia, quanto a esta matéria, seja ouvida e respeitada.

A postura de todos os meus oponentes nesta eleição revela bem que nenhum deles quer resolver esta questão. Somos a única candidatura que o irá fazer e demonstramos isso de forma séria e coerente com a apresentação também de uma candidatura à direção da CPAS.

Não posso aceitar que alguém que se candidate a um cargo de Bastonário diga à Advocacia que não será capaz de fazer valer a vontade da maioria expressa democraticamente em referendo dos sues pares. Isto demonstra, desde logo, que esse candidato não está habilitado para defender os interesses da nossa profissão.

Quem se candidata admitindo que não consegue fazer valer os interesses da maioria da Advocacia, quanto à CPAS, não o irá conseguir fazer quanto ao sigilo profissional, à defesa dos atos próprios, ao acesso ao direito dos cidadãos, ao prestígio da profissão, ou seja, não consegue em matéria nenhuma que tenha que defender o interesse da Advocacia em contraponto com o interesse político. Quem não consegue o menos, jamais conseguirá o mais.

Não posso deixar de salientar que todas as vozes que agora se levantam contra a alteração do EOA, que visa permitir a escolha entre os regimes de previdência – como existe, por exemplo, em Espanha – dizendo que o mesmo é impossível de implementar, se mantiveram em total e absoluto silêncio, desde 2014/2015, quando foi alterado profundamente o NRCPAS, que agravou de forma considerável a vida presente e a reforma futura dos profissionais.

São as mesmas vozes que nunca se preocuparam em oferecer única solução para o financiamento da CPAS, uma única proposta para ancorar as contribuições aos rendimentos, uma única ideia para resolver este gravíssimo problema que enfrenta a advocacia, que é a falta de assistência da sua Caixa, que ficou bem patente durante a pandemia.

Estas pessoas que agora entendem que o optout é impossível ou que a integração é o único caminho, são as mesmas que esconderam à classe a alteração do regulamento que estava a ser gizada (e que tanto prejudicou pensionistas e contribuintes), são as mesmas que participaram em manifestações para fazer crer aos eleitores que contavam com eles para resolver o problema da Caixa e são as mesmas que juraram defender a mesma até ao fim, contra tudo e todos, ainda que em surdina.

Se este tema continua a ser discutido e foram feitas alterações (pouquíssimas) ao NRCPAS desde 2015, é consequência direta do trabalho deste grupo de advogados e solicitadores que agora se candidata aos órgãos da OA (e que concorre também à Direção e Conselho de Fiscalização da CPAS), porque os números que agora parecem aterrorizar tantos, são exatamente aqueles existem desde há mais de 20 anos, sem que tal causasse o mínimo sobressalto a alguém.

Não tenho dúvida nenhuma que apenas as nossas listas estão totalmente empenhadas em resolver, definitivamente, o problema de previdência dos advogados, solicitadores e agentes de execução e tudo farão para encontrar a solução que salvaguarde os direitos de todos, porque esse é e sempre foi o nosso propósito: cuidar das pessoas. Tudo o resto, como dizem os nossos amigos brasileiros é isto: “o golpe está aí, cai quem quer!”

Não existe apoio na doença, não existe apoio em caso de perda abrupta de rendimento, não existem reformas dignas para a maioria dos profissionais, em suma, é um sistema que nada tem de assistencialista e, por isso mesmo, está totalmente ultrapassado em relação às necessidades que são fundamentais e exigíveis de acordo com os valores de um estado de direito democrático.

O atual bastonário foi omisso nesta questão da CPAS?

O atual bastonário não foi omisso nesta questão. O atual bastonário combateu ativamente esta luta. Não convocou a AGE quando lhe foi solicitada, obrigou os seus pares a assinar uma convocatória para garantir que a mesma se realizasse. Rejeitou as assinaturas eletrónicas dos certificados da Ordem dos Advogados, impediu o recurso interposto para o Conselho Superior relativamente a essa decisão, não fez qualquer proposta de regulamento ou de pergunta para o referendo, em suma, limitou-se a ser um by stander em relação a todo este processo.

Mas não foi o único, já que todos os criticaram a pergunta que foi feita, a opção proposta e os próprios resultados do referendo (mesmo aqueles defendem a manutenção do status quo), jamais avançaram alguma proposta concreta de alternativa ou solução para este enorme problema que temos para resolver.

O Bastonário, o Conselho Geral, os Conselhos Regionais e muitas delegações, lançaram mão de todos os expedientes possíveis ao seu alcance para impedir a sã e democrática discussão no seio da classe sobre o futuro da sua previdência, contribuindo ativamente para a enorme desinformação que ainda existe hoje junto da classe sobre esta questão.

É absolutamente lamentável a forma como todo este processo foi conduzido, chegando alguns elementos desta lista e seus apoiantes a serem, inclusivamente, ameaçados pelo simples facto de exigirem que esta questão fosse discutida de forma democrática por todos.

Se alguém duvida da capacidade e força da minha equipa, aqui está um bom exemplo de que se consegue alcançar, com trabalho, profissionalismo, rigor e união, mesmo contra todos os poderes instituídos, garantindo que seja respeitada a vontade expressa pela Advocacia. É com esta equipa que contam para mudar a Ordem dos Advogados e garantir o prestígio da Advocacia.

A CPAS não funciona porque é demasiado corporativista?

A CPAS não funciona porque o modelo de previdência em que assenta se encontra totalmente esgotado.

É preciso nunca perder de vista que a CPAS foi criada num tempo em que a previdência pública nem sequer existia e que a única preocupação era garantir a reforma dos beneficiários (praticamente não existiam mulheres a exercer a profissão).

É evidente que os tempos de hoje são outros, a realidade dos profissionais é totalmente diferente da de então, o que significa que esta falta de assistência na doença, na parentalidade e na quebra abrupta de rendimentos é muito penalizadora para a Advocacia, que depende totalmente dos rendimentos do seu trabalho, tal como é extremamente penalizante o pagamento de contribuições que não tenham por base as remunerações efetivamente recebidas. Sem esquecer ainda da injustiça que existe quanto aos nossos colegas – Advocacia de Empresa – que são obrigados a descontar para os dois sistemas (SS e CPAS). Quando for eleita esta matéria também será resolvida, passando a ser pessoal a escolha do/s sistema/s de previdência.

A vossa lista à CPAS pretende mudar o status quo?

Naturalmente que sim. O motivo da candidatura à Direção e ao Conselho de Fiscalização da CPAS prende-se com a nossa vontade inequívoca de alterar o status quo atual, que não serve às classes profissionais que abrange.

Quem tem poderes para alterar o regulamento é a direção e quem pode verificar o que se passa com as contas da CPAS é o CF.

Nesse pressuposto, o nosso objetivo é fazer cumprir o resultado do referendo e implementar o mesmo o quanto antes, garantindo também que, até que tal ocorra, a CPAS altere profundamente a fórmula de cálculo das contribuições, que têm necessariamente de estar indexadas às remunerações de cada um, ao mesmo tempo que se alarga a componente assistencial tão necessária aos profissionais.

Como explica haver tantos candidatos a bastonário nas últimas eleições e apenas uma lista para a direção da CPAS?

O que se passa com a nossa caixa de previdência resulta do facto de sermos advogados, solicitadores e agentes de execução, cuja vocação não é propriamente garantir a gestão de uma previdência para a classe.

A maioria dos profissionais nada sabe sobre a CPAS, não conhece a sua dinâmica e as suas limitações. Em regra, os profissionais só têm a real perceção do que é a instituição quando carecem dela por alguma razão da sua vida pessoal, no caso de doença ou parentalidade, ou então por via de alterações profissionais que impliquem a quebra abrupta de rendimentos e, por isso, vão ignorando o problema, pensando que o mesmo não se lhes aplica, ou que se resolverá por si mesmo, o que não é o caso.

Por outro lado, existe um conjunto de profissionais, muito poderosos economicamente, a quem esta situação interessa diretamente, uns porque até agora nunca foram chamados a assumir as suas responsabilidades de entidade empregadora, que são, outros, porque podem escolher o escalão que querem pagar, libertando-se de terem de contribuir para a previdência de todos, na exata medida do que recebem, como sucede na SS.

Como disse em tempos, não existe uma transparência relativamente às questões que são colocadas pelos Advogados. Falava dos concursos públicos que não existem?

É uma das questões que nos causa muita estranheza. Porque razão, sendo a CPAS uma entidade de direito público, não promove, como sucede na OA, concursos públicos para aquisição dos seus bens e serviços, ou para a contratação dos seus recursos humanos?

Mas não é a única perplexidade, a CPAS sempre recusou a consulta de documentos contabilísticos, de processos de aquisição do património, da forma de valorização do mesmo e assim por diante. Falta transparência e prestação de contas digna desse nome aos interessados e essa é também uma coisa que pretendemos alterar.

Os beneficiários ativos, bem como aqueles que estão a usufruir das reformas que legitimamente tiveram direito, têm que ser conhecedores, em pleno, da situação económico-financeira da instituição. É obrigação de qualquer direção eleita, garantir uma segurança inquestionável quanto aos direitos que se estão a formar e aos que já são adquiridos. É nosso propósito assegurar a transparência, a informação e acima de tudo os direitos de todos os profissionais, seja qual for a solução de futuro da nossa previdência.

Porque razão, sendo a CPAS uma entidade de direito público, não promove, como sucede na OA, concursos públicos para aquisição dos seus bens e serviços, ou para a contratação dos seus recursos humanos?

A participação da advocacia na política está muito ligada à promiscuidade. Concorda?

Na minha perspetiva, a participação política deve ser livre. Nenhum cidadão, seja qual for a sua profissão, pode, por via desta, ser impedido de a exercer. Os Advogados e Advogadas até serão, por razões elementares, de todos os cidadãos, dos mais bem preparados, por exemplo, para a prática legislativa.

O que defendo nesta matéria especifica do exercício do cargo de deputado é que este deve ser exercido, sempre, em regime de exclusividade, seja qual for a profissão do eleito Não faz para mim nenhum sentido que um deputado deva estar envolvido no processo legislativo, sem que esteja completamente liberto de qualquer outra atividade profissional, de forma a garantir total independência na sua atuação. Ligar a promiscuidade diretamente à Advocacia e a nenhuma outra profissão é uma forma useira e vezeira de retirar prestígio à nossa classe profissional e para mim isso não é aceitável.

Se há promiscuidade na política é nessa esfera que ela deve ser combatida. Devem criar-se mecanismos, no exercício dos cargos políticos/públicos, que protejam a sociedade, assim como, dentro da Ordem dos Advogados também se garante que a Advocacia está preparada para o exercício digno e deontológico da sua profissão.

A ação disciplinar é bem feita atualmente? Ou ainda há muito corporativismo?

A ação disciplinar da OA tem de ser muito melhorada, tem de ser mais célere e eficaz, porém, não me parece que se levantem questões de corporativismo. Por vezes, acontece até precisamente o inverso.

O principal problema dos órgãos disciplinares é a falta de meios humanos e tecnológicos, que garantam uma resposta rápida aos constituintes que apresentam as suas queixas, mas também ao profissional que se vê a braços com uma questão disciplinar. Uma das nossas propostas é criar condições para que os órgãos disciplinares se tornem financeiramente autónomos para que possam dessa forma impulsionar o funcionamento dos mesmos. O processo de Apreciação Liminar (AL) tem de ser bastante mais célere, garantindo que as partes são ouvidas e a decisão de conversão em procedimento disciplinar é conhecida rapidamente, garantindo-se depois que o processo é também tramitado sem grandes contingências, salvaguardando sempre os direitos de defesa do visados.

Por isso, respondendo à sua questão, o problema não é de corporativismo, mas antes, de falta de meios para garantir a justiça a todos (queixosos e arguidos), e é isso que temos de garantir que vai existir no futuro.

Se tivesse de eleger uma medida do seu programa como a com mais rasgo, qual seria?

Temos várias medidas muito importantes no nosso programa todas elas sobejamente conhecidas de quem segue a nossa intervenção nos últimos anos. Destacamos, no entanto, aquela que entendemos ser absolutamente fundamental para garantir a defesa da dignidade e prestígio da profissão.

É nossa intenção criar um gabinete próprio de defesa das prorrogativas da profissão, que visará apoiar os profissionais nas situações de desrespeito com que são diariamente confrontados nos tribunais, nas repartições públicas, nos órgãos de polícia criminal, no seu exercício de defesa do Estado de Direito democrático, quando devidamente mandatados pelos cidadãos. Este é um modelo que existe, por exemplo, no Brasil, onde a OA poderá ser chamada a intervir junto dos vários organismos e instituições, em defesa das prorrogativas da profissão, garantindo assim, que a lei e a constituição são objetivamente respeitadas.

A OA é, atualmente, uma mera cobradora de quotas?

Não deveria ser. Mas a verdade é que, mais grave que ser uma mera “cobradora de quotas”, é ter-se transformado num desfile de vaidades, de gastos inadequados e sem qualquer acréscimo para a dignificação da profissão e dos associados.

E é isto que mata a instituição, este distanciamento dos problemas reais dos profissionais, esta imagem de “revista cor de rosa” que é divulgada a cada evento que é organizado pela instituição, o protagonismo excessivo de muitos dos seus membros, em detrimento da missão de serviço à classe e aos cidadãos, que é causador principal desse desinteresse da classe pela instituição.

Qual foi o seu bastonário favorito, de todos os que exerceram o cargo?

Não tenho nenhum bastonário favorito. Tenho 53 anos de idade e exerço há mais de 20 anos a profissão, numa instituição que leva já quase 100 anos, pelo que apenas tenho memória precisa dos titulares do cargo a partir dos finais dos anos 90.

Durante a história da nossa Ordem tivemos muitos momentos e atos dos quais me orgulho, mais do que destacar um Bastonário ou Bastonária favorito destaco momentos e as pessoas envolvidas nos mesmos, como sejam, a fundação da Associação dos Advogados de Lisboa em 1838, a primeira mulher licenciada em Direito em 1913 – Dra. Regina Quintanilha, a abertura da Advocacia às mulheres através do Decreto n.º 4676, de 19 de Julho de 1918, o Decreto Oficial da criação da Ordem dos Advogados em 1926, os Advogados que defenderam os presos políticos nos tribunais plenários do regime de ditadura do Estado Novo, colocando em risco a sua própria vida e segurança, o I Congresso Nacional dos Advogados Portugueses em 1972, a entrada em vigor do primeiro Estatuto da Ordem dos Advogados em 1984, o Decreto-Lei n.º 387-B/87 que estabelece o regime de acesso ao direito e aos tribunais no ano de 1987 e as primeiras eleições por voto eletrónico em 2019, entre tantos e tantos outros que deram (e continuam a dar) tanto prestígio a esta profissão, garantindo aos cidadãos o livre exercício dos seus direitos.

A OA precisa de um provedor que fiscalize a sua atuação?

No meu entendimento nenhuma Ordem carece da figura de um provedor para fiscalizar a sua atuação, porque tem órgãos próprios, democraticamente eleitos, que o fazem, com total isenção e independência, e muito menos precisa de ter um provedor, que nem sequer é um membro associado e desconhece totalmente as características da profissão, para garantir a qualidade dessa mesma atuação. Essa é, aliás, uma das propostas avançadas pelo projeto de lei das APP, que nos merece total repúdio, principalmente nos moldes em que está prevista no projeto de lei que está a ser discutido na especialidade na AR.

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