Dona das marcas Calém e Kopke, a Sogevinus é detida pelo Abanca. Diretor-geral Pedro Braga nega “torneira do dinheiro aberta” e diz que acionista é “tão ou mais exigente do que com qualquer cliente”.
Desde 2014 nas mãos do multimilionário Juan Carlos Escotet, dono do grupo Banesco que comprou a Caixa Galicia e deu origem ao Abanca, a Sogevinus é a herança da aventura vitivinícola iniciada em 1998 pela “caja” galega ao entrar na Cálem, a que se seguiram já neste século as compras da Burmester ao grupo Amorim ou da empresa que detinha a Kopke.
Depois de passar por um “plano de reestruturação forte” na década passada, está agora num “ciclo de crescimento e de investimento”, preparando-se para inaugurar um hotel de 50 milhões de euros em Vila Nova de Gaia.
No entanto, em entrevista ao ECO, o diretor-geral, Pedro Braga, contraria a ideia de “facilidades” pelo facto de a empresa, que fatura 47 milhões de euros e emprega 200 pessoas, ser detida por uma instituição financeira, até porque o acionista “não quer que este negócio seja um mau exemplo”, sublinha o gestor.
Licenciado em Engenharia pela Universidade Católica, tem 25 anos de “casa” e em outubro de 2022 foi promovido de diretor de operações à chefia executiva da empresa nortenha, que lidera o mercado nacional de vinho do Porto com a marca Velhotes.
Na primeira metade da década passada, a Sogevinus foi obrigada a reestruturar as operações, a despedir dezenas de trabalhadores e a baixar a dívida. Estão agora mais tranquilos e com saúde financeira para investir?
Já antes de entrar este acionista [Juan Carlos Escotet] tínhamos feito um plano de reestruturação forte. Com a vinda do Gonzalo [Pedrosa] fizemos essa reestruturação e reorganização da dívida, tínhamos um empréstimo sindicato com 20 bancos e foi uma negociação difícil, mas aguentamo-nos.
E nos anos seguintes reestruturámos, reorganizámos o negócio e depois entramos num novo ciclo. Agora estamos bastante estáveis e num ciclo de crescimento e de investimento, o que prova que estamos com saúde para podermos fazer isso. E isso é algo validado pelo nosso acionista, que é muito exigente nessas coisas.
Sendo o acionista um grupo financeiro [Abanca], que impacto é que sente na gestão?
Em termos de gestão, a única coisa que impacta é a exigência que nos dá ao negócio, que é muito de uma visão de controlo financeiro e de um equilíbrio financeiro muito grande. Mas não na perspetiva em que, por sermos de um banco, temos mais facilidades seja no que for.
Pelo contrário, os nossos resultados são mesmo resultado do nosso esforço e da boa gestão que fazemos. E isso é importante que se diga porque há muito [a ideia] e vamos ouvindo que, como somos detidos por uma entidade financeira, é tudo mais fácil. Mas nós tivemos dificuldades.
A este aumento das taxas de juro e a estes desequilíbrios todos que temos sentido [no mercado do vinho], temos respondido com a nossa gestão do negócio e não porque o nosso acionista dá aqui uma ajudinha. Nisso não facilitou. São negócios completamente à parte. Pelo contrário, é tão ou mais exigente connosco do que com qualquer outro cliente. Isto é dito quer pelo nosso presidente, que é o presidente do banco, quer pelo próprio diretor-geral do banco, que é muito de rentabilidade, rentabilidade, rentabilidade.
Por que acha que é mais exigente?
Porque não quer que nós sejamos um mau exemplo. Somos participados a 100% pelo banco, que tem outras participadas que não a 100%, e temos de ser um exemplo para as outras participadas e também para os outros clientes que o banco tem. Temos sempre esse peso e essa exigência.
Então não têm a torneira do dinheiro aberta.
Não. Confesso que gostava de ter, ajudava muito [risos]. Mas é importante esta profissionalização da gestão e esta exigência que nos dá o banco e, nomeadamente, o presidente. Aqui temos a vantagem de o presidente do banco acreditar neste negócio e ser também o presidente da Sogevinus.
Temos conselhos de administração mensais e ele está em todos. Mas também temos esse compromisso porque é muito mais exigente do que qualquer outro acionista que tivéssemos. Pela aposta, pelo envolvimento, pela proximidade e até pelo nível de profissionalismo que nos exige.
Cada negócio tem os seus níveis de rentabilidade e no vinho quer que sejam os mesmos dos outros negócios, claro que enquadrando dentro do setor em que estamos. Mas não temos essa benesse do acionista.
Qual o interesse que tem neste negócio, que herdou na compra da Caixa Galicia?
Foi uma herança, é verdade, que no meio dos negócios todos era uma coisa pequenina que ali estava. Mas por ser pequenina poderia não ter interesse em continuar ou que corresse bem. Mas teve interesse e em nos dar o tal mandato de sermos uma empresa referência no setor.
Ele gosta deste negócio por ser diferente do negócio habitual, o negócio financeiro. Porque realmente tem características muito diferentes e ele tem uma paixão por isto. Se calhar até gosta mais deste porque tem o vinho [risos]. Tem essa paixão, mas também nos dá exigências muito claras de querer ser líder e de querer crescer.
E a prova disto é que, desde que são nossos acionistas e ele o presidente, temos tido crescimentos significativos e acrescentado valor ao negócio. Exemplo disso é a aposta que estamos a fazer agora com o investimento no Tivoli Kopke Porto Gaia Hotel, como complemento ao nosso negócio, que nos vai dar um crescimento adicional.
E é possível esse crescimento só organicamente ou vai exigir aquisições?
Neste momento, em termos de mandato e dentro do nosso plano estratégico, o objetivo é sermos uma referência no setor. Agora, sermos uma referência é, em primeiro lugar, criarmos valor de ano para ano, crescer sempre.
Desde 2022, desde que aqui estou, nunca conseguimos aprovar um business plan que não fosse de crescimento. E crescer sustentavelmente também é importante, portanto este equilíbrio financeiro é relevante.
Para ele é uma paixão, mas não perdendo dinheiro.
Ganhando dinheiro, seguramente. Ando há muitos anos neste negócio e sei que é difícil. O não perder é sempre um bom objetivo, mas não chega. É preciso ganhar sempre mais.
Desde outubro de 2022 que está no cargo de diretor-geral. Vai ficar quanto tempo?
Não sei. Curiosamente os meus antecessores não ficaram muitos anos. Já estou aqui há 25 anos [na empresa] e não queria que fosse um mandato por pouco tempo. Ao fim de 25 anos teria de deixar a empresa. Sei que existe uma confiança do presidente e do acionista na minha função, mas sabemos que este mandato é em função dos resultados.
Temos de conseguir, como país e dentro da União Europeia, mudar este rumo da diabolização do consumo de álcool, particularmente de vinho. Não podemos meter tudo no mesmo saco, não é tudo igual.
Este setor tem vivido momentos atribulados nos últimos meses. Como olha para esta crise e como se pode sair dela?
Eu não sou economista, mas olhar para o lado da oferta e da procura explica muito as coisas. No negócio dos vinhos em geral, do lado da procura tem havido uma quebra. Os números são claros e isto é a nível mundial. Até mais no vinho do Porto do que nos outros. Isto está a pressionar e está a aumentar este desequilíbrio e a pressionar um bocado a reorganização do negócio de outras formas.
Quais?
As soluções que temos encontrado do lado da procura é o crescimento no enoturismo. Às vezes pode parecer que estamos a desfocar e que agora vamos ser uma empresa de turismo. Não. Somos uma empresa de enoturismo e todos os negócios de turismo, incluindo o hotel, são para vendermos mais vinhos e para promovermos as nossas marcas de vinhos.
Não somos um operador turístico, não temos essa estratégia, mas achamos que o enoturismo tem um potencial enorme para vender vinhos. E do lado da procura este crescimento do enoturismo é uma das nossas ações e estratégias para crescer. Temos conseguido e vamos continuar a investir no enoturismo.
No Douro, a abertura do enoturismo na Quinta de São Luiz tem dado frutos, quer em vendas de vinho, quer em termos de projeção e notoriedade das nossas marcas, nomeadamente a Kopke. É um veículo enorme de potenciação da notoriedade das marcas. E depois os investimentos que temos feito na extensão das caves Cálem [dois milhões de euros] e no hotel, onde teremos incorporadas as caves Kopke, prevemos um aumento significativo das vendas de vinho.
Por outro lado, com a aposta na premiumização, que tem sido um dos nossos drivers. Existe potencial para criar mais valor do que volume. Apostamos em vender melhor e gamas mais premium como uma forma de combater estes problemas que temos do lado da procura, que efetivamente nos preocupam.
Quem não o fizer vai desaparecer do mercado?
Se compararmos com a concorrência, o enoturismo é uma vantagem competitiva que temos e não vamos abdicar dela. No ano passado, só na Cálem tivemos mais de 350 mil turistas e este ano vamos ultrapassar esse número. Entre as três caves, vamos ultrapassar este ano o meio milhão de visitantes.
Depois há outras coisas que podemos e devemos fazer. Por exemplo, na promoção da marca Porto. No IVDP [Instituto dos Vinhos do Douro e Porto] temos a questão das cativações e esperamos que o ministro cumpra o que disse sobre a descativação das verbas porque esse investimento na promoção de Porto e da região Douro é importante.
Depois temos as questões do anti-álcool em que temos de conseguir, como país e dentro da União Europeia, mudar este rumo da diabolização do consumo de álcool, particularmente de vinho. Não podemos meter tudo no mesmo saco, não é tudo igual.
E medidas do lado da oferta?
Aí estamos completamente alinhados com a AEVP [Associação das Empresas de Vinho do Porto]. Uma das medidas necessárias é a reorientação do sistema produtivo – não uso o termo ‘arranque de vinha’ porque não corresponde ao que é a medida. É um arranque de vinha pago, mas com reorganização.
O Douro tem algo muito valorizado que é o benefício [autorização de produção, corresponde à quantidade que cada produtor pode destinar a vinho do Porto] e que é importante para quem o tem. Estamos a propor que haja uma compensação por esses direitos que tem no vinho do Porto, isto é, que possam ser realocados a quem queira comprá-los. Ou seja, no caso de uma vinha que tem determinado benefício, quem quiser paga a esse viticultor para arrancar e depois aplica esse benefício nas suas vinhas.
Um dos problemas da região do Douro, que bate na questão da mão-de-obra, é que os viticultores estão a envelhecer e não há quem queira continuar a atividade vitivinícola. Esta reorientação produtiva permite também isso: que as pessoas possam deixar as suas vinhas, arrancar as suas vinhas, mas que possam ter algum rendimento por isso até ao final da sua vida, sem serem penalizadas.
Acho que encaixa direitinho naquilo que é o cenário do Douro neste momento e não entendo porque é que há tantas resistências a isto. Sejamos claros: dizer que o Douro não tem um excedente não é verdade. Também é verdade que parte desse excedente tem muito a ver com a questão dos vinhos importados de fora da região.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Por a Sogevinus ser de um banco não tem mais facilidades, pelo contrário. Não há benesse do Abanca”
{{ noCommentsLabel }}