“Portugal tem um número demasiado alargado de benefícios e isenções fiscais”

Portugal vai conseguir registar um excedente de 0,3%? "É sempre possível", defende Pedro Brinca. "Vamos ver se é preciso algum tipo de medida compensatória", alerta o economista da Nova SBE.

“Portugal tem um número demasiado alargado de benefícios e isenções” fiscais, defende, em entrevista ao ECO, Pedro Brinca. O economista da Nova SBE considera que isso torna o “sistema fiscal muito mais complexo e muito mais custoso de gerir”, até para o próprio contribuinte. Pedro Brinca considera que deve haver um aumento do número de pessoas e empresas que pagam impostos.

Apesar de reconhecer que a economia o tem surpreendido pela positiva dada a sua resiliência, o economista alerta que a “sustentabilidade das contas públicas é fundamental” e “é preciso estar vigilante”.

Questionado sobre se é possível o excedente orçamental de 0,3% previsto pelo Executivo para o conjunto do ano — tendo em conta que no primeiro trimestre houve um défice de 0,2% — Pedro Brinca diz que “ser possível é sempre”. “Vamos ver se é preciso algum tipo de medida compensatória”, acrescenta. Ou a economia cresce o suficiente e a receita sustenta esse excedente, ou terão de ser adotadas medidas que permitam ou aumentar a receita ou diminuir a despesa, para que o excedente se mantenha, explica. “Uma das maneiras, por exemplo, pode ser a não execução de alguma da despesa através de cativações. Não seria nada de propriamente novo”, precisa, à margem da entrevista gravada.

As contas públicas estão novamente no vermelho, ao registar-se um défice orçamental de 0,2% no primeiro trimestre do ano. Faz soar novamente os sinais de alarme?

Os determinantes deste défice neste período tiveram essencialmente a ver com uma subida das despesas, que as receitas não acompanharam, nomeadamente a questão da subida das pensões e uma boa parte da despesa com os salários. Uma das razões pelas quais este número sobressai é, no período homólogo, termos tido um excedente histórico que não se verificava desde 2000. É óbvio que a sustentabilidade das contas públicas é fundamental. Se olharmos para 2022, cada português pagou, em média, mais 400 euros pelos juros da dívida pública. Em 2024, o que estava no Plano Estabilidade apresentado pelo ministro Medina, o ano passado, é que cada português iria pagar mais de 700 euros, apesar da histórica consolidação orçamental que houve. Com a subida das taxas de juro, estes encargos obviamente aumentam. É preciso ser vigilante. É preciso assegurar que, de facto, Portugal continua na trajetória de contenção da dívida, principalmente numa era em que os juros estão tão elevados tradicionalmente.

É óbvio que a sustentabilidade das contas públicas é fundamental. É preciso ser vigilante. Assegurar que Portugal continua na trajetória de contenção da dívida.

Com exceção do primeiro trimestre do ano passado, que teve um excedente histórico, tradicionalmente as contas públicas começam o ano no vermelho. Mas, este ano acresce um conjunto de fatores: mudança de Executivo, com introdução de novas novas medidas, nomeadamente do ponto de vista fiscal, que a entrarem em vigor…

Ou não.

Já analisaremos a questão de política. Mas também medidas impostas pelo Parlamento, como o IVA da luz, a descida das portagens, o descongelamento faseada da carreira dos professores. Tudo um acréscimo de despesa pública, sem medidas de acréscimo de receita. É possível terminar o ano com um excedente orçamental de 0,3%, como o Executivo antecipa?

Uma boa parte disso vai ser o desempenho da economia. A receita fiscal cresce e varia muito com o nível da atividade económica, como é óbvio, pelos principais itens de receita que o Estado tem. Ser possível é sempre. Vamos ver se é preciso algum tipo de medida compensatória. A filosofia deste Governo era desonerar as taxas, alargando a base tributária. Ou seja, reduzindo um número que no contexto português, na minha opinião, é demasiado alargado de benefícios e isenções que tornam, por um lado, todo o sistema fiscal muito mais complexo e muito mais custoso de gerir também para o contribuinte. E, ao fazê-lo, também vai diminuir todas essas possibilidades, todas essas combinações de isenções, contribui para o aumento da base fiscal, ou seja, para um aumento do número de empresas e de pessoas que efetivamente pagam impostos. Creio que seria essa a estratégia do Governo. Vamos ver se vai chegar a bom porto. Vai ser muito ditada por aquilo que será a dinâmica da economia.

Qual é a sua expectativa relativamente à dinâmica da economia, tendo em conta o comportamento das exportações e do mercado de trabalho?

Os economistas são famosos por terem conseguido prever cinco das últimas duas recessões. Estamos sempre a dizer que o diabo está à espreita. Confesso que tem-me surpreendido pela positiva, porque a política monetária tem um efeito desfasado na economia. O Banco Central Europeu sobe as taxas de juro para, não sejamos ingénuos, retirar poder de compra a famílias, empresas.

Os economistas são famosos por terem conseguido prever cinco das últimas duas recessões. Estamos sempre a dizer que o diabo está à espreita. Confesso que tem-me surpreendido pela positiva.

Arrefecer a economia.

E governos, para abrandar o nível de atividade económica, para deixar de haver tanta pressão sobre os níveis de preços. Mas esse efeito não é imediato. Aliás, basta ver, por exemplo, no caso dos portugueses que têm empréstimos a taxa de juro variável ou indexante, muitas vezes é de seis meses ou 12 meses, por isso só é atualizada a cada seis a 12 meses. Assim, há ali um período de desfasamento entre o que são as subidas das taxas de juro e o que é o impacto no nível da atividade económica. Até setembro do ano passado, se olhássemos para trás e sabendo que a política monetária tipicamente exerce o seu impacto 12 a 18 meses após a subida das taxas, ainda tínhamos o grosso da subida das taxas para sentir. Estive muito mais pessimista relativamente ao desempenho da economia neste primeiro trimestre do que aquilo que a economia acabou por mostrar. Estas previsões valem o que valem. A economia portuguesa, e não só (mas sobretudo a portuguesa), tem mostrado uma resiliência muito surpreendente em termos de nível de atividade económica. Mas, tudo pode mudar de um momento para o outro. Enquanto os níveis de desemprego se mantiverem muito baixos e o nível de emprego se mantiver elevado, tudo isto irá correr bem, se quisermos pôr as coisas desta maneira. O perigo, obviamente, é que uma escalada do desemprego mude tudo muito depressa.

É expectável que o BCE continue o seu ritmo de descida dos juros este ano, com um alívio adicional no bolso das famílias? Ou porque nem a economia, nem os preços, estão a desacelerar ao ritmo esperado…

É mais o segundo fator. Isto aconteceu nos Estados Unidos. Houve uma redução da inflação, mas depois subiu um bocadinho.

Levando a Fed a adiar a descida dos juros.

Tivemos também na Europa uma estabilização da inflação em julho, ainda assim, a um nível superior daquilo que é o objetivo do BCE, que são os 2%, a dois anos, a médio prazo. Toda esta discussão é complexa porque assenta numa coisa que os economistas chamam de taxa natural, a taxa de juro em que a inflação é estável e a taxa de juro de longo prazo reflete características fundamentais das economias. No fundo, qual é o retorno que a economia dá ao investimento. Por isso, a pergunta tem de ser: o que aconteceu à taxa de juro natural?

E a resposta é?

Há indicadores para ambos os lados de que a taxa de juro natural terá mudado. Por um lado, o facto de o Sudeste Asiático estar a injetar muito menos dinheiro na dívida europeia e americana pode trazer uma subida da taxa de juro natural. Porque havendo menos procura de títulos, os que são emitidos têm de pagar um retorno maior para conseguirem ser vendidos. Outro fator também pode ter a ver com as dinâmicas demográficas. Temos uma maior proporção de pessoas em meia-idade do que em idade jovem. As pessoas entre os 45 e 55 anos são as que têm maior disponibilidade monetária, são as que, tipicamente, efetivam poupança. As pessoas mais jovens, entre os 20 e os 45, são as que pedem emprestado. Se há menos procura e mais oferta de fundos, a taxa de juro tende a descer. Mas essa transição demográfica tem abrandado e esse efeito pode estar a desaparecer.

Por outro lado, o aumento da longevidade faz com que haja uma maior proporção de pessoas mais velhas. Tipicamente têm taxas de poupança mais baixas. Havendo menos poupança, faz aumentar a taxa de juro. Tivemos ainda a questão da pandemia, que trouxe uma aceleração da digitalização que sugeriria um aumento da produtividade das empresas, o que aumenta a rentabilidade dos investimentos, que, por sua vez, aumenta o valor da taxa de juro natural. Por isso, há aqui uma incerteza enorme sobre a taxa de juro natural.

É este jogo de apalpadelas às escuras que o banco central tem de fazer, porque a taxa de juro natural é uma construção teórica abstrata dos economistas.

Em que nível se encontra?

O consenso é que terá subido cerca de 1%. Esteve em terreno negativo até à pandemia e agora estará em cerca de 0,5%, ou perto disso, o que faz com que a taxa de juro do Banco Central Europeu irá mudar até que chegue a um ponto em que a taxa de juro natural seja neutra em termos de inflação. E como é que isso se traduz? Quando para o investidor for indiferente — uma vez ajustado ao risco, claro — investir nos mercados financeiros às taxas de juro prevalentes ou investir na economia real. Se não houver esse equilíbrio há um grande fluxo financeiro para economia real que a vai aquecer, fazendo subir a inflação, ou o inverso. As pessoas não querem investir na economia real e metem tudo no banco a render juros, o que depois faz com haja descida da inflação. Algures entre os dois estará a taxa de juro nominal do Banco Central Europeu que irá estabilizar a inflação nos 2% relativamente à taxa de juro natural.

É este jogo de apalpadelas às escuras, que o banco central tem de fazer, porque a taxa de juro natural é uma construção teórica abstrata dos economistas. O que o BCE irá fazer é ir baixando as taxas enquanto a inflação não entrar numa trajetória estável. Mas existe um consenso de que o nível da taxa de juro do Banco Central Europeu, que dará uma taxa de inflação estável nos 2%, é mais elevado do que antes da pandemia, apesar de haver sinais contrários. A expectativa dos economistas é que a taxa de juro natural tenha subido e, consequentemente, a taxa de juro nominal do BCE, que assegura uma inflação de 2%, também ela terá subido. Os 3,45% parecem elevados relativamente àquilo que será a taxa de juro de longo prazo, mas creio que não voltará a território negativo ou zero, ou perto disso, como antigamente.

  • Diogo Simões
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