Gunter Pauli, conhecido como "Steve Jobs da Sustentabilidade", explicou o que é a Economia Azul, que tem já 200 projetos criados, com 4.000 milhões de dólares investidos.
Tem 64 anos e é conhecido como o “Steve Jobs da Sustentabilidade“. Gunter Pauli é belga, fluente em sete línguas e já morou em quatro continentes, assumindo-se por isso como um “cidadão do mundo”. Há cerca de 30 anos, em 1991, disse que as emissões zero e os resíduos zero eram o caminho a seguir, testando as suas teorias no terreno, contra a vontade das grandes empresas multinacionais, que agora reconhecem essa necessidade e a inserem nos seus planos estratégicos.
Em 1994, criou o movimento ZERI – Zero Emissions Research and Initiatives, baseado num programa da Organização das Nações Unidas, e em 2009 apresentou a “Economia Azul”, um relatório redigido para o Clube de Roma. É considerado como um dos fundadores do conceito de Economia Circular.
Sem papas na língua, em pleno ano de crise pandémica foi dos poucos oradores convidados estrangeiros a meter-se num avião e a aterrar em Lisboa para participar em carne e osso na primeira edição do Planetiers World Gathering, no final de em 2020.
Em entrevista ao ECO/Capital Verde, via Zoom, durante a sua estadia em Portugal, explicou no que consiste a sua economia azul, que tem já 200 projetos implementados, 4.000 milhões de dólares investidos e três milhões de empregos criados. Quanto à economia verde, não a rejeita, mas garante que “tudo o que respeita o ambiente é mais caro. Quantas pessoas conseguem pagar mais? Isso é para os ricos. Não precisamos de uma economia para os ricos, precisamos de uma economia para todos”, defende.
Veio a Portugal em 2020 para o Planetiers World Gathering. Que mensagem trouxe consigo?
A mensagem principal é que temos de passar à ação. Temos coisas a fazer. O tempo de apenas falar terminou. Vivemos neste confinamento que nos obriga a ficar em casa, sem fazer nada. Quando temos um inimigo em comum, devíamos mobilizar-nos e passar à ação. Precisamos de melhorar a nossa saúde, o nosso sistema imunitário e de nos exercitar. Estamos contra as pessoas que não usam máscara, mas quem não faz exercício todos os dias também ajuda a prolongar a crise pandémica porque tem o seu sistema imunitário em baixo.
Para mim, o mais importante é agir. Será que estamos prontos para deixar apenas de falar? Queremos pessoas que façam. Eu penso que o maior desafio que enfrentamos hoje é sermos uma sociedade de risco zero, na qual ninguém faz nada. Isto é exatamente o oposto daquilo que deve ser feito.
A economia azul diz para usar o que temos, gerar valor, responder às necessidades básicas e apreciar essa atitude.
É o fundador da economia azul. Qual é a diferença para a economia verde, de que tanto se fala hoje?
Eu sempre fui defensor da economia verde, mas os produtos da economia verde são muito caros e isso é para os ricos. Não é possível. Acabámos de confinar toda a nossa economia em 2020, temos vindo a destruir a nossa economia com todas as medidas inacreditáveis, possíveis e imaginárias. Portanto, temos de deixar as pessoas serem capazes de voltar ao normal, ao que eu chamo de “responder às necessidades básicas de todo”. A economia vai disparar rapidamente assim que se começar a usar os recursos locais e a torná-los em bens úteis e serviços que correspondam às necessidades básicas das pessoas.
Mas não é o que estamos a fazer. Não estamos a cuidar dessas necessidades e a pobreza cresce a um ritmo alucinante. A fome aumenta como nunca visto. Os índices de saúde diminuem em todo o lado, porque as pessoas já não vão ao hospital, não têm cuidados preventivos e nem fazem check-ups de saúde.
Como se resolve este impasse?
Numa situação como esta, há que voltar ao básico. E voltar ao básico significa: O que tenho? O que posso fazer com o que tenho? Se eu tomar o meu café de manhã, o que posso fazer com a borra do café, por exemplo? Posso adubar a terra? Posso produzir alimentos para mim e talvez para meia dúzia de galinhas que produzam ovos? Temos de ser bastante práticos e de pés assentes na terra.
Milhares de pessoas por todo o mundo agiram assim em vez de deixarem os resíduos do café apodrecer. Assim, teremos um café sem CO2 e emissões poluentes, que irá alimentar as pessoas e é essa a mudança necessária. A economia azul diz para usar o que temos, gerar valor, responder às necessidades básicas e apreciar essa atitude.
Por que é que diz que a economia verde é para os ricos?
Tudo o que é verde é bom para nós. Tudo o que respeita o ambiente e resolve desigualdades sociais é mais caro. Se praticar comércio justo com um fornecedor de café estou disposto a pagar mais 30%. Quantas pessoas conseguem pagar mais 30%? Isso é para os ricos. Não precisamos de uma economia para os ricos, precisamos de uma economia para todos, incluindo os animais. Há centenas de milhares de espécies com as quais partilhamos este planeta. Será que conseguimos, pelo menos, cuidar delas também em vez de dizer que estamos a reduzir o nosso impacto negativo? É que tudo está a ter um impacto negativo. Precisamos de um impacto bastante positivo.
Já está nisto há bastante tempo e as pessoas continuam a não agir. O que o leva a crer que agora vai ser diferente?
Tenho estado nisto há 40 anos e continuo a colocar a minha gravata, porque não quero ser visto como um revolucionário. Quero ser considerado um cidadão decente, com gravata e camisa branca, por isso não soo nem me pareço como um revolucionário. Eu acho que o que faz falta é acordar as pessoas e agora é possível fazê-lo. Mas não as podemos acordar a dizer que é tudo um drama, que é o fim do mundo. Não podemos fazer isso, jamais funcionou.
Sou membro do Clube de Roma e há mais de 40 anos que andamos a dizer “O fim aproxima-se”. Todos dizem uma e outra vez “Isto é o fim, preparem-se”. Temos cerca de 70 anos pela frente para resolver isto e não é assim que funciona. Há que inspirar as pessoas com todas as grandes ações positivas que podemos fazer. Só quando sairmos da lógica do Dia do Juízo Final e mostrarmos às pessoas todas as oportunidades incríveis que existem para fazer coisas que deixarão um legado na terra. Só depois disso é que estamos prontos para começar.
Mais do que uma mudança que está nas mãos das empresas e dos Governos, trata-se então de voltar ao básico nas economias domésticas?
O mais importante não é o que eu posso fazer; é o que nós podemos fazer. Somos nós, não eu. E é isto que faz a diferença, temos tido demasiados “eu faço” e “eu quero”. Não pode ser. Temos de chegar ao “nós fazemos”. Podemos fazer coisas, correr alguns riscos e é divertido. Quando éramos crianças e algo era proibido, adorávamos fazê-lo porque era proibido. Fez parte da nossa aprendizagem ver a resistência dos nossos pais, testar a flexibilidade dos professores. Estávamos a estabelecer os nossos limites. Pois bem, precisamos de pessoas que vão muito além de mudar os limites. Precisamos de pessoas que mudem todas as regras do jogo. Essa é a mensagem essencial: mudar as regras do jogo. Já não estamos a jogar como nos foi apresentado antes. Acabou. Esse jogo não nos levou a lado nenhum.
Contudo, preocupa-me esta árdua realidade de termos pessoas jovens que dizem “não sei o que fazer, não penso que seja responsável por isto, quero que os meus pais decidam o que fazer, sou demasiado novo para saber”. Mentira! Nada disso é verdade. Temos de mobilizar tudo e todos, em particular os sem experiência, pois esses serão capazes de ser muito mais criativos do que todos os outros. Tanto precisamos de ter pessoas que saibam ser resilientes, como aquelas que não sabem fazer nada, pois é aí que irão surgir soluções criativas.
Podemos criar cortinas de algas com 25 metros que irão absorver todos os microplásticos. E assim criamos as zonas livres de microplástico. Isto é interessante. E o que fazemos com isso? Fabricamos biogás e limpamos o oceano, é disso que precisamos.
Pode dar exemplos?
Há mais de vinte anos que foi descoberto como retirar o plástico dos oceanos. Mas nada aconteceu. E nunca houve tanto plástico no oceano como agora. E depois, damo-nos conta que há microplásticos no oceano e não há nada a fazer. Mas quem disse isso? Vamos olhar para a natureza e perceber quem é capaz de retirar o plástico do oceano. É claro que isso é um insulto para a maioria dos engenheiros. Mas os melhores absorventes de microplástico são as algas. Podemos criar cortinas de algas com 25 metros que irão absorver todos os microplásticos. E assim criamos as zonas livres de microplástico. Isto é interessante. E o que fazemos com isso? Fabricamos biogás e limpamos o oceano, é disso que precisamos. E quando eu apresento esta ideia às pessoas, todas me perguntam “como é que eu também posso fazer isso?” É continuar! Descubram!
Plantar algas é muito mais fácil do que educar um elefante. Se temos educado elefantes e tigres nos zoos, então, definitivamente, podemos plantar algas nos oceanos. Nem é difícil fazê-lo. Todavia, o que temos eliminado são as sementes das algas, porque há enormes redes no fundo do mar para apanhar cada vez mais peixe. Em vez de dizermos “estou a tirar o microplástico do oceano”, podemos dizer “estou a proporcionar um espaço para que os jovens peixes se possam esconder dos predadores, aumentando a quantidade de peixe, e estou a gerar biogás”.
Temos de mudar a forma como pensamos?
Temos de pensar como uma floresta, como um ecossistema. Os ecossistemas têm ótimos quadros de operações. Primeiro, não há desemprego. Todos contribuem com as suas melhores habilidades, sejam pequenas ou antiquadas. Segundo, não há desperdício. Tudo é usado por todos. E terceiro, ninguém faz batota. É divertido, porque há novas regras em jogo e todos partilham os seus benefícios. Não há necessidade de fazer batota porque todas as necessidades básicas estão preenchidas. Todas as pessoas contribuem e sentem-se úteis – é essa a economia do futuro.
À luz deste ano de 2020 tão conturbado, quais são as perspetivas para os próximos anos?
Tendo em conta a completa falta de liderança que temos nos dias de hoje, que apenas nos diz a que distância devemos estar afastados uns dos outros… Quando se é líder, este é o momento de preparar a revolução. E garanto que em 2021 ou 2022 haverá uma revolução nunca vista no mundo e é disso que precisamos. Mas com um sorriso e com ações.
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“Produtos da economia verde são muito caros. Isso é para ricos”, diz Gunter Pauli, o “Steve Jobs da Sustentabilidade”
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