O presidente do Tribunal de Contas Europeu, Klaus-Heiner Lehne, reconhece que a instituição que lidera tem uma quota-parte da responsabilidade pelo desencanto em relação ao projeto Europeu.
Klaus-Heiner Lehne é o alemão que dirige o Tribunal de Contas de Europeu. Esta quarta-feira veio a Lisboa, visitar o seu antecessor, o português Vítor Caldeira, que agora lidera o Tribunal de Contas nacional. Os dois responsáveis máximos pelo controlo dos dinheiros públicos reconheceram que uma quota-parte da responsabilidade pelo desancanto dos europeus para com a Europa pertence ao próprio tribunal.
“Todas as instituições têm algum tipo de responsabilidade, incluindo-nos a nós”, admitiu Klaus-Heiner Lehne, em entrevista ao ECO. “É um problema também do Tribunal de Contas Europeu e sobretudo da forma como passa a sua mensagem e comunica com os cidadãos”, concordaria Vítor Caldeira, à margem da visita.
E porque é preciso reconquistar essa confiança, Lehne garante que o Tribunal está a trabalhar para produzir melhores resultados e para explicar melhor o que faz. De caminho, conta como é que a sua instituição mudou para responder à crise e garante que “não faz sentido” atirar a culpa da má gestão dos recursos públicos para determinados países. “É uma experiência muito generalizada”, assegura.
O Tribunal de Contas Europeu tem uma quota-parte de responsabilidade pela falta de adesão ao projeto europeu?
Todas as instituições têm algum tipo de responsabilidade, incluindo-nos a nós. Somos uma de muitas instituições. Mas nós desempenhamos um papel importante na reconquista da confiança que pode ter sido perdida em alguns Estados-membros, porque é o nosso papel verificar as finanças. Dessa forma podemos ajudar a garantir que se gasta o dinheiro da forma certa. Ajudaria muito se no futuro conseguíssemos aumentar a atenção para o que estamos a fazer. Seria bom se pudéssemos melhorar os nossos produtos, estamos constantemente a pensar nisso, em ter um relatório anual com uma avaliação mais qualitativa em vez de ter apenas dados estatísticos. Melhorar os nossos relatórios especiais sobre aspetos de performance, para que as pessoas, e os nossos stakeholders, o Parlamento e o Conselho, possam ver os resultados alcançados. O controlo efetivo é um aspeto importante e estamos a tentar melhorar o nosso trabalho e fazer a nossa parte no âmbito deste problema.
É mais um problema de comunicação do trabalho que fazem, ou das regras de vigilância das contas?
Ambos. Os nossos produtos poderiam ser melhores, aí não há dúvida. Poderiam ser melhor compreendidos, podiam ser criados de forma a que pudessem ser melhor utilizados pelos nossos stakeholders. Estamos a tentar melhorar isso. Por outro lado, é certamente também um problema de comunicação. O meu sentimento é o de que a atenção para o que estamos a fazer está subdesenvolvida. E que poderíamos fazer muito mais neste ponto de melhorar as relações com os nossos stakeholders: ter melhor relação com o Conselho e o Parlamento.
O Tribunal de Contas Europeu tem poder efetivo?
Temos um poder indireto. Não é que apresentemos uma recomendação num relatório e ela seja automaticamente implementada. No final tiramos conclusões e fazemos recomendações à Comissão, ao Parlamento, ao Conselho, aos Estados-membros e depois cabe-lhes a eles introduzir essas recomendações nos procedimentos do seu quotidiano.
Somos significativamente bem sucedidos: a transposição das nossas recomendações, de acordo com o nosso último relatório de atividades, é de cerca de 90%.
O Tribunal deveria ter o poder de aplicar sanções?
Não, penso que não. Porque não são necessárias. Com a qualidade do nosso staff, somos politicamente neutros e fazemos uma investigação suportada por factos. Todas as nossas recomendações são senso comum e baseadas em factos. E somos significativamente bem sucedidos: a transposição das nossas recomendações, de acordo com o nosso último relatório de atividades, é de cerca de 90%. A grande maioria das recomendações estão a ser adotadas, o que quer dizer que há um impacto, embora não um impacto direto. É um impacto indireto.
Como se explica aos cidadãos europeus que, apesar de existir um tribunal com as funções do Tribunal de Contas Europeu, tivemos países como Portugal ou a Grécia com tamanha má alocação de recursos?
Primeiro, há má alocação de recursos em todo o lado na União Europeia. Isso não é um problema específico de alguns países, é uma experiência muito generalizada. Não se pode dizer que determinadas regiões ou países são culpados do problema. Isso não faz sentido. Os problemas ocorrem em todo o lado. E isto deve-se a muitos fatores. Primeiro, a forma como o orçamento é executado é única, este é um caso que penso que não se encontra em mais parte nenhuma do mundo. 80% do orçamento europeu não é executado pela Comissão Europeia, mas antes pela administração dos Estados-membros. Isto significa que as regras são desenhadas a nível europeu, os fundos vêm de nível europeu, mas a distribuição e a execução é feita pelos Estados-membros. E obviamente que a forma como as regras são implementadas é por vezes diferente e isso provoca erros. O sistema é complicado. Se virmos no longo prazo, quando começámos, e onde estamos neste momento, vemos um progresso enorme no que foi feito.
Pode explicar?
Ainda está longe de estar perfeito, mas penso que atingimos um patamar em que podemos dizer, de um ponto de vista coletivo, que a utilização dos fundos europeus e das finanças europeias tem melhorado. Claro que ainda há problemas, mas agora é mais uma questão de olhar para os pormenores do que olhar para o sistema. É por isso que estamos a tentar mudar o nosso foco mais para a direção da performance, porque isso dá-nos a oportunidade de olhar com mais atenção para pormenores específicos e encontrar os exemplos certos dos problemas, para que os Estados-membros, os parlamentos e também as instituições de nível europeu possam desenvolver uma abordagem ainda melhor.
Não chega introduzir legislação, criar novas agências ou dar nova autoridade ao Banco Central Europeu. O sistema também tem de funcionar bem e isso exige auditoria.
Houve alterações específicas provocadas pela crise económico-financeira?
Sim. Por exemplo, mudámos internamente. Criámos uma câmara nova, a quarta câmara, que tem a responsabilidade de lidar com todos os novos instrumentos criados para enfrentar a crise financeira. O Mecanismo Único de supervisão Europeu, a União Bancária, a supervisão do Banco Central Europeu, o Semestre Europeu, que também pertence a essa câmara. Temos agora uma câmara, composta por cinco membros, que tomam conta destas questões específicas. Porque concordo completamente que não chega introduzir legislação, criar novas agências ou dar nova autoridade ao Banco Central Europeu. O sistema também tem de funcionar bem e isso exige auditoria, claro. Por isso algum tipo de controlo e estamos a tentar fazer isso e cuidar destes sistemas recentes que quando começaram, todos tiveram certamente problemas. Têm de se desenvolver, ganhar as suas próprias experiências e depois melhorar e tornar o sistema mais credível e diminuir a probabilidade de crises como a que aconteceu se venham a repetir.
Disse que não se deveria apontar responsabilidades a um ou dois países específicos. Como comenta as declarações de Jeroen Dijsselbloem sobre os países do norte e do sul da Europa?
A minha sensação é a de que ele não queria dizer aquilo que disse. Porque estaria, provavelmente, mais a referir-se a um preconceito que já existe do que a querer ser ele preconceituoso. Preconceito este que, de facto, não é sustentado por dados reais. No final do dia, penso que pediu desculpa por ter cometido um erro. Para mim o caso está encerrado.
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Sanções? “Não são necessárias”, diz presidente do Tribunal de Contas Europeu
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