O presidente do Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves, Paulo Manso, quer o fim dos cortes salariais a partir do próximo ano. É, diz, a única forma de estancar a saída de profissionais.
Paulo Manso, presidente do Sindicato dos Técnicos de Manutenção de Aeronaves (SITEMA) deixa críticas à reestruturação da TAP por manter uma estrutura muito pesada, com muitas chefias, que dificulta a agilidade na tomada de decisões. Diz também que a presidente executiva, Christine Ourmières-Widener, tem de comunicar mais com os trabalhadores, como fazia Fernando Pinto.
O SITEMA espera arrancar em breve as negociações com a administração para o Acordo de Empresa (AE) que irá substituir o Acordo Temporário de Emergência (ATE). Em 2021, os técnicos de manutenção de aeronaves (TMA) aceitaram um período de part-time que começou por ser de 15% no ano passado e baixou para 10% em 2022. Em contrapartida desta redução salarial, o SITEMA conseguiu evitar a saída de pessoal, embora seis tenham acabado por ser inseridos no despedimento coletivo feito pela companhia.
O regime de part-time acabou em agosto, por opção da administração, devido ao aumento das necessidades de manutenção das aeronaves, dada a forte recuperação do tráfego aéreo. Os TMA mantêm, no entanto, uma redução de 20% no salário, que passará para 25% em 2023. O objetivo do sindicato é, no entanto, pôr fim aos cortes na negociação do novo (AE). Se não conseguirem, admite ir para greve.
Essa é, para Paulo Manso, a única forma de estancar a saída de técnicos, insatisfeitos com os cortes e seduzidos pelos salários mais altos pagos noutros países. “Desde o início do ano, entre TAP e PGA, já saíram mais de 50 técnicos”, revela. Pelas suas contas, a companhia tem atualmente cerca de 750 a 770 TMA, dos quais 660 estão filiados no SITEMA.
O responsável sindical concorda com o encerramento da M&E Brasil — embora acredite que a história pudesse ter sido diferente — e defende a criação de um polo de manutenção em Beja.
Já tiveram reuniões com a administração da TAP para a negociação do novo acordo de empresa?
O novo acordo de empresa deveria ter começado a ser negociado no primeiro trimestre de 2021. Isso não veio a acontecer por indisponibilidade por parte da empresa. E, sejamos honestos, também não estávamos interessados em negociar em 2021, tendo em conta o estado em que estava o negócio do transporte aéreo. Neste momento, fruto do fim do part-time, em que teve de existir um acordo entre as partes, o que exigimos é que a empresa, de uma vez por todas, colocasse no papel as datas para começarmos a negociar os acordos de empresa. O que estava estipulado entre as partes é que deveria começar no início de outubro. Até ao momento ainda não recebemos nenhuma indicação formal para o início das negociações
Gostava que ficasse assinado até ao final deste ano para entrar em vigor já no próximo?
Gostaríamos que ficasse assinado no mais curto espaço de tempo, para dar uma perspetiva de futuro às pessoas. Acreditamos que, neste momento, o fim dos cortes é a única solução para a situação em que estamos. Já toda gente percebeu que já não faz sentido para a empresa manter os cortes, que trazem desmotivação e a saída de colegas que vão à procura de melhores condições de trabalho noutras empresas.
A saída de pessoas está a penalizar a operação?
Obriga à contratação de trabalhos no exterior que são mais caros e com uma qualidade inferior. Existe, depois, uma incapacidade de prever situações que corram menos bem quando o trabalho é feito no exterior. Quando é feito nos nossos hangares existe sempre a capacidade de adaptar o decorrer dos trabalhos às necessidades das aeronaves. Se nós colocamos as aeronaves fora da TAP deixamos de ter o controlo sobre isso.
A TAP precisa de acabar rapidamente com os cortes para que se evite a sangria continuada de técnicos que está a acontecer e ter a possibilidade de voltar a contratar alguns que saíram.
Que fornecedores são esses?
Estamos a falar de empresas que fazem a manutenção aos nossos aviões por falta de capacidade interna da TAP neste momento. Tivemos quatro aviões que foram fazer manutenção na Eslovénia, o que não era habitual acontecer. Um avião desses teve um problema de vibrações, detetado durante a operação, o que obrigou a que o avião ficasse no chão para nós repararmos a avaria. É uma aeronave que ficou indisponível. Em agosto ou setembro, que é o pico, todas estas interrupções da operação têm custos monetários e de imagem. A TAP precisa de acabar rapidamente com os cortes para que se evite a sangria continuada de técnicos que está a acontecer e ter a possibilidade de voltar a contratar alguns que saíram.
Quantos já saíram?
Desde o início do ano, entre TAP e PGA, já saíram mais de 50 técnicos.
Que vão para outras empresas do setor?
Que vão para outras empresas do setor, tipicamente fora de Portugal, embora já tenha acontecido colegas terem saírem da TAP para outras empresas dentro do âmbito nacional, nomeadamente para a HiFly. Ainda internamente, há não muito tempo tivemos também colegas a sair para a Ryanair. Os restantes vão para diversos lugares do mundo, tipicamente para a Europa, para França, Dinamarca, Noruega, Espanha. Têm estado a sair com muita frequência, muito acima do que era desejável para a empresa.
Isso está a acontecer mais do que acontecia no passado?
Está a acontecer mais.
Porque há procura externa e descontentamento interno.
A Boeing e a Airbus, que são os dois maiores fabricantes de aviões, já estimavam uma falta de 750 mil TMA a nível mundial antes da pandemia. Com a pandemia houve uma diminuição brusca dos voos e um reajustamento das empresas. Houve muitos programas voluntários de saída de pessoas, reformas, pré-reformas, rescisões por acordo, e houve muita gente a sair.
Só que entretanto ocorreu uma retoma rápida do transporte aéreo.
Entretanto há uma retoma muito mais rápida do que estava previsto nos melhores cenários e há um défice enorme de técnicos de manutenção neste momento. Isto faz com que haja uma melhoria substancial dos salários pagos. É o mercado a funcionar.
Daí que estejam a sair
Estamos a ganhar menos do que devíamos na TAP, devido aos cortes, e as empresas a pagar mais do que já pagavam habitualmente. Cria-se aqui um desequilíbrio muito grande. Só não saem os que por motivos familiares não lhes é possível ir para o estrangeiro.
Não me passa pela cabeça que nos novos acordos de empresa sejam perpetuados os cortes dos acordos de emergência.
Qual é o caderno de encargos que vão levar para as negociações com a TAP?
A tentativa de repor as condições salariais que entretanto se perderam. Mais do que uma exigência da nossa parte, é reconhecido pela própria empresa que esse tem de ser o caminho. A empresa se quer continuar a ter aviões tem de ter manutenção. Se quiser continuar a ter manutenção tem de ter técnicos de manutenção. Para que isso aconteça, tem de ter condições que se aproximem daquilo que o mercado paga. De outra forma, vamos continuar a ter a saída de colegas e vai chegar a uma altura em que não será possível fazer a manutenção com o número de pessoas que temos.
O objetivo é eliminar os cortes a partir do próximo ano?
Não me passa pela cabeça que nos novos acordos de empresa sejam perpetuados os cortes dos acordos de emergência. Temos outubro, novembro e dezembro para negociar, para depois poder entrar em vigor em janeiro de 2023. É o que nos parece mais correto, como inclusive, da parte da administração da TAP e não só, esse é claramente um objetivo que também têm, porque o racional do negócio assim o exige.
Outro tipo de exigências que vão levar para a mesa de negociações?
Que haja uma gestão racional dos horários, porque nós trabalhamos nas 24 horas e os estudos, nomeadamente ao nível do impacto no sono, mostram que há consequências na esperança média de vida. Está estudado que turnos, nomeadamente entre a 0h00 e as 08h00, podem vir a causar uma perda de cerca de 18 anos na esperança média de vida. Queremos, por um lado, que se recorra a trabalho no período noturno na medida do estritamente necessário, e por outro, que esse trabalho seja de alguma maneira compensado por aquilo que são os impactos que tem na vida das pessoas. Tem de haver algum critério que dê alguma estabilidade na rotação de horários e que os períodos de descanso entre os turnos sejam de verdadeiro descanso.
Foram colocadas ações em tribunal relativamente a seis TMA que foram alvo de despedimento coletivo. Já há decisão final?
Houve uma tentativa de reconciliação entre as partes promovida pelo juiz, que não surtiu efeito. A única coisa que a TAP tem vindo a manifestar disponibilidade é para o pagamento das rescisões, mas estes colegas querem é ser reintegrados. Pelos nossos números, o part-time permitia poupar a saída de 105 trabalhadores e só era preciso poupar 103. Foi completamente descabido estar a despedir seis pessoas. Como é óbvio sentimos que fomos lesados, para não dizer enganados.
Se agora no Acordo de Empresa não conseguimos chegar a um entendimento, não vamos abdicar de utilizar todas as ferramentas que à luz da lei podemos utilizar. A greve será uma delas.
Se as negociações com a administração não correrem como o SITEMA pretende, vão avançar para a greve?
Se as coisas não correrem como o SITEMA pretende, acho que acima de tudo é mau para a empresa. Vamos ter colegas a sair, uma dificuldade enorme para a empresa operar. Apesar de sentirmos que fomos enganados, demonstrámos mais uma vez boa vontade e demos a outra face para retirar a greve que tínhamos em vigor há quase um ano [às horas extraordinárias], criando todas as condições para a empresa operar. Se agora no Acordo de Empresa não conseguimos chegar a um entendimento, não vamos abdicar de utilizar todas as ferramentas que à luz da lei podemos utilizar. A greve será uma delas. Com a saída das pessoas começa a ter um efeito de greve sem haver greve. No limite, podemos avançar com a greve às deslocações, ao trabalho extraordinário e inclusive mais violentas se for esse o cenário. Estou em crer que não haverá essa necessidade.
“Chefias a mais” e um polo de manutenção em Beja
Como é que avalia a gestão da TAP?
Neste momento o trabalho da administração da TAP carece de mais contacto com os trabalhadores. Já tive a oportunidade de o dizer à CEO. O Fernando Pinto [presidente executivo entre 2000 e 2018] era alguém que vinha ao terreno com muita frequência, falava com as pessoas, explicava algumas coisas que por vezes desconhecemos enquanto trabalhadores. Às vezes uma explicação na altura certa evita problemas a posteriori. As pessoas conseguirem verbalizar o que sentem por vezes basta para diminuir a pressão. Isso é algo que está a falhar. Depois disso, sentimos que a reestruturação que foi feita pelo Governo e a administração ficou muito aquém das expectativas.
Ficou aquém das expectativas em quê?
A empresa continua a funcionar num modelo que no nosso entendimento é completamente anacrónico. Não faz sentido nos dias de hoje. Tem uma estrutura muito pesada, com muitos níveis de chefia. Isto levanta um problema de peso salarial, como é óbvio, mas outro ainda mais grave, que é de agilidade na tomada de decisões. Nós competimos com os melhores a nível mundial, com estruturas muito mais ágeis, que funcionam e tomam decisões de forma muito mais rápida e ajustada ao momento.
A TAP tem chefias a mais?
Claramente tem chefias a mais. Nesta reestruturação, a saída de pessoas aconteceu muito na base. As pessoas ligadas à parte de produção são as que foram identificadas para sair. A nível da estrutura, de chefias e hierarquias, não me recordo de ninguém que tenha sido apontado. E isto não quer dizer que o mal esteja só de um lado ou do outro.
Uma das causas dos resultados negativos do Grupo TAP foi, durante muitos anos a Manutenção e Engenharia Brasil. Foi acertada a decisão de fechar a operação?
Se calhar é tão acertado termos acabado com a M&E Brasil fruto do historial permanente de resultados negativos, como foi acertado ter enveredado pela compra da Varig Engenharia e Manutenção (VEM) na altura.
Podíamos ter um pólo de manutenção em Beja. Já tivemos conversas com o ministro das Infraestruturas e com o presidente da Câmara sobre este assunto.
O que falhou, então?
Foi não se ter feito uma restruturação como deve ser e incutir lá o nosso ADN e forma de trabalhar, para garantir que a qualidade de serviço feita naquela empresa era muito próxima dos standards da TAP. Se isso viesse a acontecer não tenho dúvida que teríamos lá uma série de clientes sul-americanos, norte-americanos e eventualmente alguns da Europa. A manutenção é um negócio global. Ainda agora na fase da pandemia tivemos dois aviões de uma companhia da Nova Caledónia, que fica ao lado da Austrália. Tendo em conta o que aconteceu, tenho de lhe responder que me parece acertado termo-nos desfeito de um negócio que estava permanentemente a consumir recursos à empresa.
A TAP M&E tem conseguido resultados positivos.
A questão é: podíamos ou não melhorar esses resultados? Poderíamos. Mas mesmo com todas as dificuldades, a TAP M&E tem sido sempre um pólo que aporta resultados positivos, para além daquilo que é uma imagem que está alicerçada no nosso trabalho, que é a segurança que a TAP oferece. Podíamos ter um polo de manutenção em Beja. Já tivemos conversas com o ministro das Infraestruturas e com o presidente da Câmara sobre este assunto. Parece-me que existe todo o potencial para fazer crescer um negócio que podia aportar muito valor a Portugal, manter uma série de empregos qualificados e permitir a entrada de divisas.
A ideia não avançou. Porque acha que isso aconteceu?
Tenho alguma dificuldade em responder. Lançámos a discussão em 2020 com o ministro. Temos a Câmara Municipal de Beja muito interessada, não num aeroporto, porque sejam sinceros não aportaria grande negócio, mas uma área de manutenção poderia levar gente e conseguir apoios europeus, uma vez que se trata de uma região do interior. Se não conseguimos decidir um aeroporto há 50 anos que expectativa podemos ter para uma coisa destas.
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TAP “tem uma estrutura muito pesada” com “chefias a mais”, diz presidente do SITEMA
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