A sócia da Sérvulo Rita Lufinha Borges revela que espera estar à “altura dos desafios” que lhe foram lançados pela firma, como reforçar e contribuir para o crescimento da área de imobiliário.
Rita Lufinha Borges integrou recentemente a equipa de sócios da Sérvulo & Associados, após cerca de 18 anos na Miranda. À Advocatus, revela que espera estar à “altura dos desafios” que lhe foram lançados, como reforçar e contribuir para o crescimento da área transacional do departamento de imobiliário em Portugal e da visibilidade da Sérvulo Latitude.
Sobre o licenciamento urbano considera que tem de haver “estabilidade” e um “quadro regulatório claro”. A advogada assume ainda que, em pleno século XXI, “não se conseguir identificar um determinado terreno/prédio, a sua área e exata localização e saber quem são os proprietários do mesmo é algo preocupante”.

O que a motivou a deixar a Miranda após quase duas décadas e aceitar o convite da Sérvulo?
O desafio! A Sérvulo é um escritório de referência na advocacia, com uma reputação de enorme qualidade e rigor, o que é ao mesmo tempo um fator de atração/interesse e um desafio. Ter a possibilidade de integrar uma sociedade de referência e poder dar o meu contributo para o seu crescimento é algo que me entusiasma muito e, também, que me desafia como pessoa e como profissional: a querer ser melhor, a crescer e a aprender. Sair da área de conforto faz-nos crescer enquanto profissionais e como pessoas.
Por outro lado, a Sérvulo Latitude, a rede de parceiros internacionais da Sérvulo, permite-me manter as ligações aos países lusófonos e dar também, neste campo, o meu contributo e experiência. Não podia recusar um convite destes! Era o momento certo e apareceu a oportunidade certa.
Integrou a equipa da Sérvulo na qualidade de sócia. Quais são os principais desafios que enfrenta?
Os desafios são muitos. Qualquer mudança pressupõe um ajustamento a um novo paradigma e cultura, no ambiente de trabalho e na própria forma de exercer advocacia. Mas esta será a parte mais fácil. Ao nível humano e profissional, a Sérvulo é um escritório extraordinário. Senti-me bem-vinda e em casa desde o primeiro momento. Ao nível profissional, espero estar à altura dos desafios que me foram lançados: reforçar e contribuir para o crescimento da área transacional do departamento de imobiliário em Portugal e da visibilidade da Sérvulo Latitude, com enfoque nos projetos de cariz internacional e ligados aos setores da indústria, turismo, logística, infraestruturas e energia.

O imobiliário, turismo e urbanismo estão cada vez mais interligados. Como é que um advogado pode posicionar-se estrategicamente para prestar um serviço completo e eficaz nestas áreas?
Tendo capacidade para ter uma visão de conjunto dos projetos e rodeando-se de uma equipa multidisciplinar e com capacidade técnica para dar contributos em matérias mais específicas. O urbanismo é, neste ponto, uma área-chave em que o trabalho pode ser altamente especializado e difícil. Tem muitas especificidades. A parte do urbanismo é muito forte na Sérvulo e, neste aspeto, constituiu uma enorme mais-valia para uma advogada de cariz mais transacional como eu. A experiência ensinou-me que se pode ter uma visão de conjunto, que permite identificar e antecipar os eventuais problemas/riscos e questões a aprofundar nos contratos e na estruturação dos investimentos, mas para que a resposta seja eficaz e permita ultrapassar, ou mesmo resolver, esses problemas e riscos ou questões, é preciso muitas vezes um apoio mais específico num determinado ponto. É como fazer zoom num determinado aspeto de um projeto e realizar uma intervenção cirúrgica.
O que acha que os clientes da Sérvulo beneficiam consigo na equipa?
Serei suspeita na resposta…. Talvez uma abordagem pragmática, focada na solução, sem perder vista a qualidade e segurança jurídica. E, claro, a experiência internacional, no mundo lusófono.

Como classifica o atual panorama do setor imobiliário em Portugal e nos mercados lusófonos?
São realidades distintas, com problemas diferentes e contingências próprias. Embora a matriz da legislação e dos princípios jurídicos seja a mesma – muito baseado nos direitos reais do nosso ordenamento jurídico (Código Civil), nos conceitos e procedimentos-chave, como por exemplo o registo junto da autoridade tributária e do registo predial; no direito das obrigações a nível dos contratos, incluindo temas do arrendamento, existem muitas especificidades relevantes. Desde logo, porque cada país tem a sua própria legislação e também a sua prática e instituições. Mas também porque os próprios mercados são diferentes, quanto ao tipo de agentes, investidores e conjuntura, e, por conseguinte, os problemas que se encontram também o são. Mas em todos há um tema que é comum: o da segurança jurídica, essencial para qualquer investidor/agente económico poder realizar os seus investimentos e desenvolver a sua atividade e, nesse sentido, contribuir para o desenvolvimento económico de cada país.
O licenciamento urbano continua a ser um dos maiores desafios em Portugal. Que mudanças regulatórias gostaria de ver implementadas para acelerar e desburocratizar o processo?
Tem que haver estabilidade e um quadro regulatório claro, não disperso em várias regras e diplomas que tornam difícil saber, com algum grau de segurança, o que se pode fazer e de que forma nos diferentes locais. Muitas vezes, quando se fala em desburocratizar associa-se a facilitar o processo, mas na verdade há passos que são importantes e nem sempre atalhar caminho só para facilitar leva a bons resultados. A existência de regras é algo positivo, no entanto as mesmas têm que ser claras e os agentes têm que saber com o que podem contar e terem decisões em tempo razoável.
Em Portugal existe um problema de que se fala pouco e que causa muitas entropias, que é o facto de não existir um cadastro do território atualizado. O mapeamento e cadastramento do território nacional parou no tempo, ou pelo menos reduziu a velocidade, mas a vida continuou – vendas, partilhas em heranças, ocupações e usucapiões, aprovações de PDMs, tudo mais ou menos conforme, levou a que nem sempre se consiga identificar no terreno, in loco, o prédio jurídico de que se está a falar ou que se procura. Neste sentido, o projeto do Bupi e a legislação relativa à identificação de prédios (urbanos, rústicos, baldios) são absolutamente essenciais e, na minha opinião, prioritários, pois antecedem os temas do uso do solo e dos licenciamentos. Não se conseguir identificar um determinado terreno/prédio, a sua área e exata localização e saber quem são os proprietários do mesmo, em pleno século XXI, é algo preocupante.
Depois importa também assegurar processos de decisão mais ágeis, num tempo certo, o que implica naturalmente quadros qualificados. E, por fim, os desafios associados à integração das novas tecnologias têm de ser equacionados e integrados na resposta às necessidades dos diferentes projetos.
A aposta no turismo foi uma aposta de Portugal enquanto País, que deu e continua a dar muitos e bons frutos, incluindo no que respeita ao alojamento local. Não se pode ignorar e não parece que seja desejável voltar atrás nessa aposta.
No que toca ao turismo e com as restrições ao alojamento local em várias cidades, há espaço para um modelo regulatório mais equilibrado entre residentes e operadores turísticos?
Haver equilíbrio é bom e desejável. E há sempre espaço para melhorar. A legislação deve acompanhar a evolução de determinado setor e da própria sociedade, dando respostas aos problemas e ansiedades que aparecem e vão aparecendo, sendo que a realidade nunca é estática, evoluiu e muda. O legislador tem que saber ler a sociedade, o que é importante ou essencial em cada momento, mas também tentar antecipar o futuro, tendo consciência que tem poder para conformar/determinar comportamentos ou potenciar os mesmos. Neste contexto, a aposta no turismo foi uma aposta de Portugal enquanto País, que deu e continua a dar muitos e bons frutos, incluindo no que respeita ao alojamento local. Não se pode ignorar e não parece que seja desejável voltar atrás nessa aposta. Todavia, surgiram, entretanto, preocupações muito relevantes com os temas da habitação, com o bem-estar e com a vida nas cidades e no País em geral, que requerem atenção e impõem a adoção de medidas. Têm sido feitas alterações que visam repor o equilíbrio nos pontos em que o mesmo foi prejudicado ou afetado, o que é algo de positivo.
Como avalia o atual regime de planos diretores municipais (PDM) e os seus entraves ou potencialidades para o desenvolvimento urbano?
Preferia falar sobre o estado do cadastro. Conhecer o território e a sua divisão – a quem pertencem os terrenos, as suas dimensões e confrontações e até qual o melhor uso ou usos para os mesmos, permitindo uma gestão bem mais eficiente. Do levantamento das edificações existentes, se são aproveitáveis e em que termos. O trabalho desenvolvido e a desenvolver nesta área é absolutamente crítico para sabermos o que existe e determinar a melhor forma de aproveitar efetivamente a terra e as construções que já existem.
Há um consenso sobre a necessidade de incentivar a reabilitação urbana. Que obstáculos legais ainda existem?
Há obstáculos que são particulares de uma zona, por exemplo uma zona histórica, ou de um determinado contexto, por exemplo económico. Haverá quem se queixe da excessiva burocracia, da complexidade e dispersão das normas, das taxas e dos impostos associados. Tem sido feito um esforço grande para dar resposta. O boom de reabilitação de centros históricos, por exemplo, começou quando se alterou profundamente a legislação do arrendamento, em 2006. O regime do arrendamento era e, até certo ponto, ainda é um obstáculo. A legislação dispersa e, em muitos casos, muito técnica, com requisitos exigentes em matérias de urbanismo, será outra.
Mas também existem obstáculos de outra natureza igualmente importantes e que não se podem ignorar: muitos proprietários estão descapitalizados, não têm como financiar a reabilitação dos seus imóveis sendo que, seguramente, se questionam que destino dar aos mesmos e se compensa fazer esse investimento. A incerteza da pandemia, da guerra e outras vicissitudes trouxeram instabilidade no fornecimento e aumentos nos custos dos materiais. Não basta legislar ou eliminar casuisticamente determinados obstáculos. Às vezes funciona como um cobertor, que para tapar de um lado, destapa no outro… Deveria existir um fórum onde se pudessem encontrar proprietários, técnicos/empresas, financiadores e autoridades públicas por forma a facilitar a descoberta de soluções, mesmo que casuísticas.

Que marca pretende deixar na Sérvulo?
Não tenho a presunção de achar que posso deixar uma marca. Mas gostava de contribuir para o crescimento da Sérvulo na exposição aos mercados internacionais: uma advocacia virada para o mundo, com os pés em Portugal. Parece quase uma frase feita, mas é um sentimento muito português…
Qual foi o melhor conselho que lhe deram ao longo da sua carreira?
Houve duas lições que me marcaram e que, bem vistas as coisas, se complementam. A primeira foi-me dada pelo meu patrono ao contar-me uma história – não sei se inventada ou real, na altura jovem estagiária acreditei que era real… – em que ele, estando de visita a um colega na província, teve a fortuna, ou infortúnio, de assistir a uma reunião entre esse colega e um cliente do mesmo, na qual o colega recomendou ao cliente, que enfrentava graves problemas com um vizinho que andava a desviar água essencial para a rega, fazer uma “espera” ao vizinho e, quando este aparecesse para desviar a água, dar-lhe uma sova. Disse-me o meu patrono, que tinha ficado aterrado com o que ouviu, mas que no fim o colega, por sinal mais velho, lhe teria dito para o sossegar que assim se transformava uma complicada questão de águas, numa simples questão de ofensas corporais. Obviamente, não passou pela cabeça do meu patrono nem passa pela minha aconselhar semelhante coisa ou fazer apologia da violência ou do facto consumado. A mensagem era outra e ficou-me: procurar, mesmo e talvez sobretudo nas questões mais complexas, encontrar uma solução que seja simples e eficaz.
A segunda lição, foi quando me disseram que o cliente não quer ler tratados jurídicos, quer respostas e soluções, pelo que a resposta a uma pergunta feita por um cliente deve começar sempre por um “sim” ou um “não” e, vá lá, um “depende” também se aceita, seguida, então, da explicação, que o cliente pode ler, ou não, mas isso já é com o cliente. No fundo, as duas complementam-se num conselho: perante um problema, perceber o que está em causa, reduzir à essência do que importa, dar uma resposta clara e oferecer soluções para o problema, que sejam simples e exequíveis, o que não significa substituirmo-nos ao cliente na decisão e muito menos atropelar a lei.
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“Tem de haver estabilidade e um quadro regulatório claro no licenciamento urbano”
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