A bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro faz um balanço do primeiro ano de mandato, identifica as prioridades a apresentar à ministra da Justiça e pede mudanças no estatuto dos advogados.
Fernanda de Almeida Pinheiro tomou posse no dia 9 de janeiro de 2023 como bastonária dos advogados. Tem 52 anos, é licenciada em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa, tendo exercido a profissão como advogada de empresa entre 2002 e 2007 e como diretora de recursos humanos, junto de sociedades da área das Tecnologias de Informação. É advogada em prática individual na Comarca de Lisboa desde junho de 2008, estando inscrita no Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais desde 2010. Foi vogal do IAD – Instituto do Acesso ao Direito da Ordem dos Advogados entre junho de 2011 e maio de 2012, vice-presidente do IAPI – Instituto do Advogado em Prática Individual, entre 2014 e dezembro de 2016 e foi Vice-Presidente da APAPI–ADV – Associação Portuguesa da Advocacia em Prática Individual entre maio de 2020 e 2022.
Na entrevista à Advocatus, faz um balanço do seu primeiro ano de mandato, enuncia as expectativas relativamente à nova ministra da Justiça e do que ainda tem de ser feito na tabela de acesso ao direito, na Caixa de Previdência e relativamente ao estatuto dos advogados. E explica a decisão do investimento que a Ordem dos Advogados vai fazer num imóvel de 3,4 milhões de euros.
No programa do Governo não há uma única referência à palavra ‘advogado’ nem à advocacia. Preocupa-a?
Preocupa! Porque não há Justiça sem uma advocacia livre e independente, não é? E isso é realmente um pilar fundamental do Estado de Direito democrático, a Justiça sem advogados não é Justiça. E, portanto, fiquei perplexa. Ainda por cima porque a senhora ministra da Justiça é advogada, é uma colega. Mas não há ali uma única palavra em temas que são, por acaso, tão importantes como os da carreira retributiva dos funcionários judiciais, dos serviços prisionais, e também das próprias magistraturas. Mas não podemos esquecer que há 20 anos que a tabela do sistema de acesso ao Direito e aos tribunais não é revista. Isso foi uma das coisas que tivemos uma enorme preocupação em fazer com o anterior Governo. Uma proposta que foi trabalhada em conjunto com o Ministério da Justiça.
Já estava praticamente pronta essa atualização da tabela do acesso ao direito?
Já estava praticamente, sim, e foi revista pelos serviços, inclusivamente. Portanto, fiquei de facto preocupada e apreensiva. Nunca é bom presságio que não se fale de um pilar fundamental na boa administração da Justiça que é a advocacia. E por isso entrámos logo em contacto com o Ministério.
Mesmo antes de conhecer o programa de Governo?
Mesmo antes de conhecer o programa já tínhamos tentado falar com a senhora ministra da Justiça, não só para apresentar os cumprimentos e também para a congratular, porque tem um gabinete só de mulheres, que é uma coisa que também prezo muito em termos da igualdade de género das mulheres líderes no Direito. Ela é uma delas e, portanto, fiquei muito satisfeita. Queria realmente desejar-lhe as maiores felicidades, mas também sublinhar os problemas que nos atormentam enquanto classe: A falta de direitos de previdência que a advocacia tem e também a injustiça que se vem arrastando nos últimos 20 anos na tabela de acesso ao direito.
Então, o que vai levar a essa reunião com a ministra da Justiça são esses dois pontos?
Não só. Por exemplo, o estatuto [dos advogados] é também para nós muito importante. Vamos tentar corrigir aquilo que não foi feito na legislatura anterior por falta de diálogo. Até tem piada, não é? Como é que agora a oposição se queixa da falta de diálogo? Tem pouca memória? É certo que tinha uma maioria absoluta, o que não é o caso deste Governo, mas a maioria absoluta deve ser exercida com responsabilidade e a verdade é que foram sensibilizados várias vezes para os erros que estavam a ser cometidos. E as palavras não são nossas, foram do senhor Presidente da República, foram de instituições internacionais. Os estudantes estão preocupados porque não sabem como vão conseguir garantir um estágio remunerado. Tendo em linha de conta que cerca de 85% da população de advocacia é exercida em prática individual.
O que faz com que tenham menos possibilidade de pagar a estagiários….
Vai tornar ainda mais difícil, não só o acesso à profissão, mas também exige que essas pessoas que conseguem os tais estágios remunerados tenham que estar deslocadas daquilo que é o seu ambiente para os grandes escritórios em Lisboa, Porto, Coimbra, com as inerentes despesas na habitação. Não temos nada contra a remuneração dos estagiários, muito pelo contrário. Aliás, as sociedades sempre pagaram muito bem aos seus estagiários. E bem! Agora, sabemos que isso vai ser extraordinariamente difícil para a prática individual…
Mas nas sociedades de advogados também não cabem lá todos os estagiários…
Naturalmente, nem é isso que se pretende, nem eles querem. Uma outra coisa que nos preocupa muito é a falta de um exame de agregação. O que está previsto é um trabalho que não está ainda muito bem definido. Como é que vai ser feita aquela avaliação? Por outro lado, o tempo de estágio é outra coisa que a ordem não se conforma: passar de 18 para 12 meses.
Somos o único país da União Europeia que tem um tempo tão reduzido de estágio. E não consigo compreender quando me dizem que isto são imposições da União Europeia. A Polónia, por exemplo, tem três anos de estágio. Em França é exatamente a mesma coisa, com cerca de 24 meses, na Áustria são cinco anos e na Alemanha são quatro. Por que razão estamos a falar de imposições europeias quando há países que têm este valor, este índice de estágio tão prolongado?
O Dr. João Massano não pode é vir para a praça pública discutir questões da OA, inclusive levantar suspeição sobre a solvabilidade da instituição, que isso é uma coisa absolutamente imperdoável, quando não o fez quando entrou na Assembleia Geral e não pediu um único esclarecimento.
Em relação a este Governo, espera ter um maior feedback sobre estas matérias?
Sem dúvida nenhuma. Porque foi demonstrado interesse ao longo do debate destas matérias na anterior legislatura. E estamos a falar de um primeiro-ministro que é advogado.
Mas António Costa também era e é advogado…
É verdade, é realmente. Mas ali a questão não foi tanto com o Governo, foi mais com o grupo parlamentar do PS, que tomou posições que eram claramente ideológicas e que nada têm a ver com aquilo que deve ser a postura cautelosa de quem legisla sobre estas matérias. Não faz nenhum sentido, em nome de uma alegada problemática com a concorrência que nunca foi demonstrada. Os estudos que supostamente deveriam estar na base desta alteração nunca foram feitos. Aliás, essa foi uma das críticas dirigida ao Governo português por parte da CCBE e também da Federação das Ordens dos Advogados Internacional. Depois também dizer o seguinte: em 31 de dezembro de 2023 o número de advogados deste país era cerca de 36 mil e qualquer coisa para uma população de dez milhões. Estamos a falar de muitos advogados, portanto, temos sérias dúvidas de que exista aqui um problema de concorrência e de acesso aos serviços. As pessoas que não acedem aos serviços de advogados não é porque não existam profissionais, é pelo valor das custas e pelas remunerações baixíssimas. Toda a classe média vive muito acima da sua capacidade financeira.
Já disse publicamente que o combate à corrupção tem de ser feito por todos os atores judiciários. E os políticos?
Todos, claro! Por isso não concordo com estas medidas da corrupção que estão avulsas no programa. Porque a nossa legislação é boa, já é boa, mas não há bons resultados. Aliás, está demonstrado que quanto mais profícua é a legislação anticorrupção, mais tendência existe para que a corrupção não seja devidamente controlada. Temos de introduzir, acima de tudo, medidas na área da prevenção e na área da educação, que são fundamentais para que os cidadãos e cidadãs, desde muito jovens, tenham a noção do que é que é um conflito de interesses, o que é uma falta de transparência, do que é uma tentativa de corrupção. E depois precisamos de efetiva punição. E, para isso, precisamos de meios.
Meios humanos, meios tecnológicos?
Ambos. Deve realmente existir uma quantidade de pessoas suficientes para conseguir conduzir uma investigação que não é fácil. Um dia destes vi um comentário televisivo em que as pessoas ficaram muito impressionadas com o facto de um Cessna com 30 peritos, se ter deslocado à Madeira para trazer aquela prova toda, Pois isso é tudo muito bonito e as pessoas até pensam que aquilo reflete tudo aquilo que existe na Justiça. Não, não é verdade, não é. Portanto, aquilo é uma situação absolutamente pontual.
Foi também para ser filmado….
É isso mesmo. Mas o que precisa depois para concretizar a investigação? Como é que se vai analisar aquela prova? Não é só do ponto de vista dos peritos. Têm de ter ferramentas de inteligência artificial que ajudem a selecionar a prova.
Nós estamos a privilegiar os senhores advogados e as senhoras advogadas que têm maior índice de faturação em detrimento dos outros que não têm. Ou seja, o que a CPAS precisa é que este número de advogados consiga compatibilizar, em termos de orçamento, aquilo que é necessário.
Mas imagine o Ministério Público a lidar com a inteligência artificial. Não sei se vai ser muito fácil….
Por isso é que têm os técnicos e por isso é que precisam de recursos humanos…
Está ausente do programa do Governo essa questão da digitalização e do choque tecnológico na Justiça….
Está tudo supostamente garantido com os fundos do PRR: pelo menos foi aquilo que nos disse a anterior senhora ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro. Que está tudo em curso e, portanto, é uma questão de dar seguimento. Sendo certo que os resultados só se vão ver daqui por muito tempo.
O programa de Governo é muito ambicioso no que toca à corrupção?
Não é uma questão de ser ambicioso. Toca em pontos que são muito importantes, mas deixa no ar algumas coisas que me criam algumas perplexidades. Por exemplo, a alteração do Código Penal, nas 72 horas de prazo para serem aplicadas as medidas de coação por vários juízes, está incluído no programa da corrupção. Pergunto: Mas esta alteração é só para esses crimes?
É uma medida mediática…
Isso mesmo. É que não vejo necessidade disso porque temos outros mecanismos legais: a Constituição, a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que dizem claramente que a pessoa só pode estar detida o tempo estritamente necessário. O que me parece que aconteceu é que estamos apenas a falar de um caso específico, do processo de alegada corrupção na Madeira. Ainda mais porque a medida de coação que era esperada era uma e acabou por ser outra. E isso acabou por esvaziar expectativas. Depois daquele espetáculo, as pessoas estavam mesmo à espera de garantias de que ia haver uma prisão preventiva. Mas atenção: isto não quer dizer que não possam existir penas de prisão no futuro. As pessoas têm uma perceção de que existe corrupção completamente descontrolada no país. Isto não é verdade.
Voltemos à tabela dos oficiosos. Tem esperança na sua aprovação?
Tenho a certeza que se o Governo não tivesse caído, o assunto teria progredido. Esta tabela é inadmissível, não só o ponto de vista da valorização da remuneração, mas também um conjunto de atos que hoje sabemos que têm de ser remunerados e que não são porque não estão previstos nesta tabela. Entre a nossa e a proposta do Governo há uma diferença de 20 milhões, isso não é minimamente significativo, tendo em linha de conta que se trata de um serviço que é fundamental e também do papel que a Ordem dos Advogados tem nesta matéria. Nunca é demais lembrar que a Ordem dos Advogados assegura, com as quotas dos senhores advogados e das senhoras advogadas, todo o sistema de nomeações e de criação de escalas.
Tenho muita esperança que isso venha a ser feito, porque também se não for, naturalmente que vão contar com a nossa contestação, porque não faz nenhum sentido que estejamos a falar aqui de uma tabela com esta, em que os advogados estão sempre disponíveis 365 dias por ano, 24 horas por dia. E as pessoas têm direito à sua remuneração, têm direito à sua valorização, porque isto dá muito trabalho.
De todas essas matérias mais urgentes que quer levar à ministra da Justiça, qual será mais simples de concretizar?
Esta, porque a da CPAS vai ser mais complicada.
O que é que vai fazer em relação à Caixa de Previdência?
Para já, temos de colocar a comissão a trabalhar. E uma das propostas que está em cima da mesa é a possível integração na Segurança Social. E aí tenho mais receio deste Governo por questões ideológicas. No entanto, nunca se pode perder de vista que nós e os senhores solicitadores somos os únicos que temos uma caixa de previdência autónoma. E o problema é que muitas pessoas entendem que essa caixa tem de ser autónoma para garantir a independência da advocacia. E não é só o problema dos direitos de previdência, é também a capacidade contributiva de cada um, porque a tabela que é feita do ponto de vista das bases, os escalões que existem, não tem em consideração o volume de faturação individual de cada profissional e isso é muitíssimo gravoso.
Façamos uma auditoria à CPAS. Não vejo qual é o problema de pedirmos uma auditoria à Inspeção Geral de Finanças, porque se tem essa capacidade financeira, não há problema. Se é assim tão boa e robusta como dizem, porque não?
Um advogado paga por mês cerca de 300 euros no mínimo, certo?
Cerca de 277,77 euros. Graças ao que a senhora ministra anterior impediu que pudesse acontecer, porque a proposta da CPAS era de baixar o fator de correção para 6%. E foi a intervenção da senhora ministra que fez com que se mantivesse tudo nos 10%, que foi, aliás, aquilo que inicialmente pedimos à CPAS era que mantivesse o fator de correção inalterado, pelo menos, ou ainda superior, até ser decidido o que é que se ia fazer com a Caixa de Previdência.
Então, quais são as propostas que estão em cima da mesa?
Três opções. Ou dá liberdade de escolha ou faz com que tenhamos os mesmos critérios da Segurança Social, quer do ponto de vista contributivo, quer do ponto de vista dos benefícios. A terceira e última é integrar, porque se a CPAS não tem capacidade para manter, isto tem naturalmente de ser integrado no sistema público. O que não pode acontecer é isto, é ter cartas todos os dias no meu gabinete de pessoas que querem iniciar a profissão e que sabem que vão ficar a dever porque não podem pagar 277,77 euros. Não posso ter mães que são apenas beneficiadas com o benefício de parentalidade que existe na CPAS, que não é benefício nenhum: Aquilo que faz é terem de pagar a seguir porque não podem suspender a atividade. No fundo, adianta-se o dinheiro para eu pagar as minhas contribuições à CPAS. Isto é claramente um desvantagem em relação à Segurança Social, onde a mãe não só tem direito a receber o seu subsídio de maternidade, como durante esse tempo não paga contribuições para poder estar em casa a tomar conta do seu filho, algo que nós, enquanto cidadãos, consideramos absolutamente essencial.
No relatório de contas da CPAS, é apontada a necessidade de mudar o fator contributivo…
Falam sempre e a CPAS está a insistir. Mas nós já demos essa solução. Até sou contra a existência de um fator de correção, mas para retirarmos o fator de correção, temos de colocar as pessoas a contribuir de acordo com aquilo que recebem e que faturam. Como acontece com toda a gente. É só uma questão de queremos estar do lado da solução. Aquilo que acontece aqui não é isso. Estamos a privilegiar os senhores advogados e as senhoras advogadas que têm maior índice de faturação em detrimento dos outros que não têm. Ou seja, o que a CPAS precisa é que este número de advogados consiga compatibilizar, em termos de orçamento, aquilo que é necessário.
Pagar, no fundo, consoante o que ganham?
Sim. As reformas consomem quase tudo, portanto, a diferença é pequeníssima, mas a verdade é que a CPAS dá alguns benefícios, não é? Dão uma comparticipação quando um advogado ou solicitador fica sujeito a um internamento superior a 48 horas com o pagamento de algumas despesas. Tem esta questão — que já referi — do subsídio de maternidade. Ou seja: adiantam uma verba, mas depois recebem-na a seguir. Portanto, até têm alguns benefícios mas que nem fazem, a meu ver, sentido. Aliás, um deles, por exemplo, que era interessantíssimo que pudesse ser colocado a toda a gente que são os gabinetes médicos, mas não é. Portanto, temos o Serviço Nacional de Saúde e ainda há bem pouco tempo, a Caixa de Previdência — no ano passado, creio — abriu na Madeira um gabinete médico e até me pediu para ir lá fazer a inauguração. Não fui e dir-me-iam: então isso não é uma coisa boa para os advogados? E se conseguirmos garantir a todos? Agora, se só conseguimos garantir na Madeira, em Lisboa, no Porto e em Coimbra, é como se não existissem advogados no resto do país. Isso já não parece bem, porque isso é discriminatório. E quando faço uma medida a nível do Conselho Geral para a Advocacia, penso em todos e faço o meu plano para toda a gente. Quem quiser, usa, mas tenho que pensar para todos. Não posso pensar apenas para alguns e isso é uma coisa que tem que ser corrigida.
No relatório de contas da CPAS, é explicado que tem sustentabilidade, que está de boa saúde financeira…
Então, façamos uma auditoria. Não vejo qual é o problema de pedirmos uma auditoria à Inspeção Geral de Finanças, porque se tem essa capacidade financeira, não há problema. Se é assim tão boa e robusta como dizem, porque não?
E a CPAS, que diz disso?
Não aceitaram. O que nos dizem sempre é: Não há necessidade, os números estão todos vistos e está tudo bem, etc. Mas sabemos que os números nos dizem outras coisas. Se estivesse tudo bem e se isto não fosse um problema, não estaríamos a ter esta conversa desde 2015 e sem nenhuma solução. A solução da direção das CPAS é que fique tudo como está. Ora, os advogados e os solicitadores e agentes de execução já disseram que isto, como está, não pode estar. Tem de se mudar o que tem de se mudar. Não só a forma como calculamos as contribuições como o termos de garantir os direitos de previdência que todas as pessoas têm direito, como o resto dos cidadãos e cidadãs deste país. E, portanto, se isso não está a acontecer, nós temos que encontrar forma de que isso possa acontecer.
Então, tem de ser um estudo da sustentabilidade da CPAS?
O que temos é de encontrar uma solução e essa só pode chegar quando os estudos forem feitos. E por isso é que é importantíssimo que esta comissão avance e que venha dizer-nos com números o que podemos fazer, que opções podemos tomar para encontrar a verdadeira solução.
Mas esse assunto já se discute há muito…
Claro! Mas é responsabilidade de quem? A CPAS nunca teve verdadeira vontade de mudar esse estado de coisas e vai protelando e arrastando com a barriga, para ver se isto se resolve pelo esquecimento. Ora, isso é impossível, porque isso prejudica gravemente os senhores advogados. E se eles não tiverem dignidade nas suas vidas pessoais, como é que podem ter depois para exercer livremente e de forma independente a profissão? Isso não é possível. E é isso que estamos a tentar lutar. E gostava de não ter de recorrer aos tribunais, porque isto é, acima de tudo, um problema político.
Está previsto um investimento num imóvel de 3,4 milhões. Foi muito criticada, nomeadamente pelo Conselho Regional de Lisboa. Quer explicar a decisão?
Só estou a ser criticada pelo senhor presidente do Conselho Regional de Lisboa. Que até esteve presente na assembleia-geral, não colocou nenhuma questão sobre esse assunto, mas depois veio falar para a comunicação social. Explicamos isto de uma forma muito clara. Aliás, fomos o primeiro e único conselho geral que o fez, até agora, de uma forma totalmente transparente.
Aquilo que acontece é muito simples: a Ordem anda há muitos anos a precisar de mais espaço para poder exercer as suas atribuições estatutárias e, portanto, já tenho muita dificuldade com os funcionários novos que vão entrando, não sei bem como ou onde os colocar no espaço. E porquê? Porque aquele espaço é limitado, portanto não consigo crescer para lado nenhum. Por outro lado, aquele edifício não é propriedade da OA o que significa que, para fazer obras, estou sempre a fazer obras dentro de uma propriedade que não é minha e com as limitações inerentes. Aquele edifício é património da cidade, está numa área histórica da cidade, não tem placa de cimento. Inicialmente pensámos em arrendar as instalações, mas chegámos à conclusão que não compensa minimamente. Entendo que se a instituição tem uma boa saúde financeira e se tem disponibilidade dentro de um preço que nos parece razoável, deve adquirir esse imóvel, fazendo esse investimento que é património da Ordem.
Por outro lado, temos essa situação dentro de casa — facto que o senhor doutor João Massano parece esquecer. As instalações do Conselho Regional de Coimbra são próprias, as instalações do Conselho Geral de Faro são próprias, as instalações do Conselho Regional de Évora são próprias. O Porto vai comprar também as suas instalações. [Mas] Não pode vir para a praça pública discutir questões da OA, inclusive levantar suspeição sobre a solvabilidade da instituição, que isso é uma coisa absolutamente imperdoável, quando não o fez quando entrou na assembleia-geral e não pediu um único esclarecimento.
A Ordem dos Advogados foi alvo de vários processos judiciais por advogados brasileiros. Como estão esses processos?
Penso que recebemos cerca de 45 ações. Na verdade, foram intimações, na sua maioria, que foram instauradas no Tribunal Administrativo de Lisboa, com o objetivo de conseguir concretizar a inscrição de advogados brasileiros ao abrigo do acordo de reciprocidade, alegando os senhores advogados brasileiros tinham o direito fundamental de se poderem inscrever. Mas esse direito nunca esteve em causa, mas têm de fazer o estágio da OA portuguesa. Tal como fazem todos os cidadãos advogados da UE que queiram exercer em Portugal.
Afinal, quantos advogados brasileiros se inscreveram na Ordem dos Advogados para fazer o estágio?
Nenhum… Terminámos o acordo em julho e depois respondemos às pessoas que nos iam colocando questões que poderiam inscrever-se até outubro, porque iríamos iniciar um estágio e nenhum o fez. Temos atualmente cerca de 24 processos com decisão favorável à Ordem dos Advogados. Dentro desses 24, há um ou dois que ainda têm recurso pendente. Mas aquilo que está a acontecer é que o Tribunal, por questões processuais, está a dizer que aquilo não é o meio adequado processual para discutir essa questão. Estamos confiantes porque sabemos perfeitamente que esta decisão foi tomada no interesse dos direitos, liberdades e garantias das pessoas. Aliás, muitas destas ações foram enviadas para os tribunais errados. Porquê? Porque processualmente, quem estava a instaurar as ações, nem sequer sabia qual era o tribunal competente.
Passou mais de um ano desde que tomou posse, a 9 de janeiro. Que balanço faz?
Pretendia ter conseguido fazer muito mais, mas infelizmente tivemos a questão do estatuto que nos ocupou muito tempo. Ainda assim, acho que fizemos um trabalho absolutamente extraordinário. Convido inclusivamente os meus ilustres colegas a irem ver o relatório de atividades desta casa para perceberem a dimensão do trabalho feito. A única coisa que é a minha tristeza absoluta é de ainda não ter conseguido resolver a questão da tabela, mas continuamos a trabalhar.
O contexto político não ajudou…
Ninguém previa e tínhamos realmente as coisas muito bem encaminhadas com o anterior Governo. Aliás, os nossos colegas judiciais não estavam habituados a ver a Ordem dos Advogados tão participativa em termos internacionais, em termos locais, também com o Gverno, com as instituições governamentais, propondo soluções, fazendo parte de grupos de trabalho, estando do lado da solução, como deve estar sempre para melhorar a Justiça, basta dizer que este e este ano, só em pareceres legislativos que foram dados pela Ordem dos Advogados, foram 86.
Qual era o número de pareceres, em média, do mandato anterior?
Muito menor. Não vou falar sobre isso, mas os números são públicos. Houve um esforço por parte deste Conselho Geral de pegar em todo o trabalho que estava pendente e tentar obter soluções, implementar o nosso programa. Já conseguimos muitas vitórias. Uma delas foi seguramente conseguir aumentar a parentalidade. Estávamos com um prazo de 120 dias e passámos para 180 dias para concretizar a devolução de quotas às senhoras advogadas mães. Vamos tentar no próximo ano estender essa medida prevista também para os pais, porque somos pela paridade e já está devidamente aprovada essa essa medida. Oferecemos a agenda jurídica e temos também uma plataforma de gestão de escritórios que foi disponibilizada para todos os advogados e para todas as advogadas, completamente gratuita, até um determinado nível. Vão ter acesso a uma plataforma de jurisprudência, vão ter acesso a pastas individuais dos seus clientes, vão conseguir fazer notas de honorários com base em tarefas que fazem e, portanto, tudo isto feito de forma gratuita. E temos muito mais ambições para o futuro. Vamos querer continuar a servir a advocacia, colocar a OA ao serviço da democracia e das populações.
Isso também vai depender muito da ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, certo?
Claro!
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“A nossa legislação sobre corrupção é boa, já é boa, mas não há bons resultados”
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