Luís Montenegro afirma em entrevista ao ECO que é difícil recuperar toda a carreira dos professores por causa do impacto financeiro, mas defende uma solução negociada. E tem dúvidas sobre as quotas.
Luís Montenegro é presidente do PSD há cerca de seis meses e assinala-se neste dia 30 de janeiro um ano sobre as eleições legislativas que deram a maioria absoluta a António Costa. Em entrevista exclusiva ao ECO, Luís Montenegro admite que há “um elefante na sala” quando se fala dos professores: “Era desejável recuperar o máximo tempo possível, dentro de um critério de equilíbrio da administração pública e, naturalmente, também das consequências financeiras. Há aqui um elefante na sala, não vamos ignorá-lo. Todos sabemos que a recuperação integral [da carreira] de mais de 100.000 pessoas tem um impacto financeiro muito grande“.
O presidente do PSD pede uma solução equilibrada de negociação entre os professores e o Governo. “Tinha que se encontrar na administração pública, na recuperação das carreiras professores e de todos os profissionais da administração pública, um critério de alguma uniformidade, alguma justiça relativa“. Montenegro defende a avaliação dos professores, mas não é favorável à imposição de quotas que, no seu entender, “pode deixar de fora critérios de progressão da carreira profissionais que, ainda assim, são muito bons“.
A emergência de um novo sindicato como o STOP é, para o líder do PSD, o resultado de uma renovação do movimento sindical. “Não vamos também escamotear a situação, com certeza, ainda por cima, quando os seus dirigentes se vão prolongando no tempo“, afirma, numa referência implícita à Fenprof e a Mário Nogueira.
Os professores estão em greve com um modelo que suscitou dúvidas ao Governo, que encerra escolas logo no início das aulas e é marcado distrito a distrito. É aceitável este modelo de greve que os sindicatos estão a seguir?
Não era o que eu queria seguramente para o país, nem é isso que o país precisa, com franqueza. Mas temos que respeitar o direito à greve e temos que respeitar a sua expressão.
São greves ilegais?
A menos que algum tribunal as considere ilegais, temos de partir do princípio o contrário, que se inscrevem no exercício dos direitos que estão assegurados aos profissionais, neste caso da educação. É evidente que o direito à greve, neste como noutros setores, colide em alguma altura com o interesse coletivo. Uma coisa é a capacidade reivindicativa, a capacidade negocial que o direito à greve encerra, outra coisa é quando causamos um prejuízo que é, do ponto de vista da proporção, muito, mas muito maior do que aquele que resulta.
Não estamos já a viver isso?
Estamos numa numa altura que eu diria estar no limiar de poder deixar muitas famílias efetivamente com um problema grave para resolver, que é duplo, é falta de aprendizagem dos alunos por causa da pandemia e, simultaneamente, um problema social e laboral enorme, porque há muitos pais que não têm alternativa onde deixar os filhos.
Concorda com as principais reivindicações dos professores?
Eu concordo com a necessidade que há de ter um modelo de colocação de professores que hoje de facto, está a provocar injustiças enormes. Eu vou dar aqui um caso concreto, porque também não estamos a falar só à frente. No primeiro dia deste ano escolar, estava precisamente numa das minhas ações do “Sentir Portugal”, no caso no distrito de Viseu, e fui a uma escola em Cinfães. Estive com duas professoras que eram de Bragança e que tinham sido colocadas em Cinfães, a distância até não é assim muito grande, mas as senhoras professoras não tinham condições para, todos os dias, irem a Bragança. Portanto, estavam as duas deslocadas, tinham que fazer as despesas semanais de deslocação, as despesas de alojamento, as despesas de alimentação, basicamente, ganhavam no limite para aquilo que gastavam, o que já por si só é muito problemático, mas tinham a expectativa de estar, no fundo, a colecionar créditos para poderem, no futuro, estar perto de casa. Agora, o que é que verifiquei? Não posso agora precisar se foi na segunda ou na terceira fase do concurso, abriram vagas em Bragança, nas escolas de onde eram oriundas, exatamente os horários e as disciplinas destas professoras, só com já estavam colocadas e foram colocadas [em Bragança] outras que, por sinal, vinham de outro sítio qualquer.
Eu até admito que quando se fazia a colocação de professores à mão, fosse muito difícil com tantos milhares de profissionais, mas hoje, com as ferramentas que temos, é um dos casos onde a inteligência artificial deve servir para corrigir automaticamente. Pergunto, mas não é possível serem as senhoras a ir para Bragança? E aquelas que foram para Bragança ficarem mais perto e haver aqui uma gestão que, no fundo, possa diminuir o impacto? Eu acho que sim. Portanto, quando os professores pedem um processo de colocação mais justo, é possível fazer muito mais daquilo que tem sido feito.
E sobre avaliação de professores, o que defende?
Eu sou defensor quer da avaliação dos alunos, quer da avaliação dos professores. Acho que foi um erro tremendo acabar com a avaliação, vamos chamar lhe vinculativa, dos dos alunos nos fins dos ciclos de aprendizagem e a passagem para as provas de aferição. Isso retirou exigência e, por via disso, também qualidade.
Há um problema com as carreiras, há um problema com a atratividade da carreira de professor. Com certeza que há outros, como o excesso de burocracia, a autoridade do professor. Para chamar hoje pessoas com habilitação para a carreira do ensino, é preciso dar-lhes condições, condições remuneratórias, condições de colocação, condições para conciliar o exercício da profissão com a vida familiar.
Se for primeiro-ministro, vai recuperar os exames nos fins de ciclo?
Vou recuperar isso, indubitavelmente. A aposta que estava a ser feita em disciplinas nucleares como a matemática e português, e que se esbateu, já está a provocar alguns efeitos negativos nos resultados…
…e a avaliação dos professores?
Há uma questão crítica… eu não vou fugir ao assunto, porque para mim era muito fácil estar aqui a apresentar uma solução [mas] neste momento, a solução só pode ser mesmo alcançável no processo negocial entre o Governo e os professores. Há um problema com as carreiras, há um problema com a atratividade da carreira de professor. Com certeza que há outros, como o excesso de burocracia, a autoridade do professor. Para chamar hoje pessoas com habilitação para a carreira do ensino, é preciso dar-lhes condições, condições remuneratórias, condições de colocação, condições para conciliar o exercício da profissão com a vida familiar. E, efetivamente, os professores, como muitos funcionários públicos, foram privados da progressão normal das suas carreiras, por vicissitudes várias ao longo dos anos…
Então, decidia-se pela recuperação total das carreiras dos professores?
Não creio que haja condições para isso, com franqueza, mas é uma conta que eu não consigo fazer. Eu já disse isto há vários anos, algures em 2016 ou 2017… A recuperação do tempo, fruto do chamado congelamento das carreiras, deveria ser feito, com um critério de justiça dentro daquilo que estava a acontecer na administração pública. O que é que acontece na administração pública…
…mas agora é preciso dar uma resposta aos professores.
A resposta tem a ver com isto. Há não sei quantas carreiras, há não sei quantos processos de progressão, não são todos uniformes, não são todos com os mesmos anos, não são todos com os mesmos métodos. Portanto, tinha que se encontrar na administração pública, na recuperação das carreiras professores e de todos os profissionais da administração pública, um critério de alguma uniformidade, alguma justiça relativa.
Era desejável recuperar o máximo tempo possível, dentro de um critério de equilíbrio da administração pública e, naturalmente, também das consequências financeiras. Há aqui um elefante na sala, não vamos ignorá-lo. Todos sabemos que a recuperação integral [da carreira] de mais de 100.000 pessoas tem um impacto financeiro muito grande.
Em 2018, o Governo recuperou uma parte dessa carreira dos professores que tinha sido congelada…
…exatamente nessa altura. O Governo começou exatamente a encaminhar as coisas para aí e acabou por decidir um determinado nível de recuperação em anos, meses e dias. Não era a totalidade [do tempo] e eu estava de acordo com isso. Eu disse-o e é isso que quero aqui reiterar. O Governo quis, do meu ponto de vista bem, fazer com que houvesse uma relação de equilíbrio, vamos chamar assim, de equivalência com o resto da administração pública. Na altura, os sindicatos de professores manifestaram se com grande veemência, precisamente em sentido contrário e dizendo que as contas estavam mal feitas. E o que eu disse, e digo outra vez, é o seguinte: Acho que deve ser encontrada uma fórmula que seja justa para os professores e também justa para todos os outros setores da administração pública. Se a conta está mal feita, se deve ser feita com alguma especificidade, o Governo deve estar disponível para isso.
Obviamente, não tem todos os dados para uma resposta definitiva, mas há um princípio político a clarificar. É desejável a recuperação de todo o tempo de serviço dos professores que foi congelado?
Era desejável recuperar o máximo tempo possível, dentro de um critério de equilíbrio da administração pública e, naturalmente, também das consequências financeiras. Há aqui um elefante na sala, não vamos ignorá-lo. Todos sabemos que a recuperação integral [da carreira] de mais de 100.000 pessoas tem um impacto financeiro muito grande. Eu acho que os professores são os primeiros a querer equilíbrio, lutam pelos seus direitos como os enfermeiros, como os médicos, como os funcionários administrativos, como os funcionários judiciais e por aí fora. Todos eles têm o seu enquadramento, com os polícias, as forças de segurança, todos eles têm determinado enquadramento, mas há uma responsabilidade que é transversal… Um partido como o PSD não vai estar a dizer a todos que têm razão em tudo e tem razão em manifestar a sua reivindicação para atingir o máximo possível. E é isso que estão a fazer.
Defende a manutenção das quotas na avaliação e progressão dos professores?
Eu tenho muitas dúvidas.
Então, como se faz a avaliação? Apenas pela antiguidade?
Eu tenho minhas dúvidas… não é pela antiguidade. A avaliação, quando é feita pelas quotas, pode deixar de fora critérios de progressão da carreira profissionais que, ainda assim, são muito bons. Se tivermos quota, estamos a fechar. Estamos a dizer que só podem progredir um determinado número…
Os melhores?
Mas estamos a limitar os melhores. A progressão deve ter em linha de conta a avaliação, não há dúvida nenhuma quanto a isso…
Mas a avaliação sem quotas é mesmo uma avaliação?
Eu acho que sim. A avaliação tem que ser hierarquizada e, depois, tem que ser um modelo…
…em que todos são promovidos, todos sobem?
Podem subir todos se tiverem uma avaliação positiva, mas não todos no mesmo montante.
Se fosse primeiro-ministro, estaria disponível para deixar cair as quotas no processo negocial com os sindicatos?
Eu estou disponível, num processo negocial, para que se encontre uma formulação que, mais uma vez, seja justa, onde o mérito seja premiado, onde aqueles que trabalham mais e têm melhor performance têm um aumento salarial maior. Mas não quer dizer que os outros fiquem estagnados.
As quotas são um dos instrumentos de avaliação. Nas empresas privadas, também há quotas…
…não, não é verdade. Isso não é verdade. Peço desculpa, mas nas empresas privadas há quem aumente de forma progressiva, consoante os resultados e o mérito de cada trabalhador. Agora, posso dar um aumento de 2% a um e de 4% a outro, estou a aumentar os dois. O que não posso é dizer é que quem atingir este objetivo e encaixar nos 10 primeiros sobe 4% e os outros não sobem nada.
Os sindicatos vão gostar de falar consigo. Têm falado com eles?
Não tenho falado diretamente, tenho falado com muitos professores. Ainda agora, precisamente no início do Conselho Nacional do PSD, alguns professores vieram entregar-me algumas propostas que estou a analisar. Evidentemente, sou o principal interessado, enquanto líder da oposição e líder da alternativa política, em falar com todos os agentes, nomeadamente com os sindicatos, com as associações empresariais, por exemplo.
Para responder à pergunta mais diretamente, eu vi com alguma naturalidade que houvesse outras outras formas de organização, seja através de um novo sindicato, seja até através, às vezes de algumas manifestações que são mais inorgânicas, que emanam de alguns grupos concretos que se juntam e que vão passando a palavra, e nós temos que estar preparados para isso.
No contexto desta discussão dos professores, como é que avalia a emergência de um novo sindicato, o STOP?
Sinceramente, tenho que respeitar, não me cumpre a mim estar a fazer uma avaliação. O que acontece, francamente, é que houve algum desgaste do trabalho…
…da Fenprof.
De alguns sindicatos e de algumas federações. Não vamos também escamotear a situação, com certeza, ainda por cima, quando os seus dirigentes se vão prolongando no tempo. Para responder à pergunta mais diretamente, eu vi com alguma naturalidade que houvesse outras outras formas de organização, seja através de um novo sindicato, seja até através, às vezes de algumas manifestações que são mais inorgânicas, que emanam de alguns grupos concretos que se juntam e que vão passando a palavra, e nós temos que estar preparados para isso. Portanto, o que acho é que tem que haver responsabilidade e tem que haver representatividade também. Mas não podemos cair na asneira, como já aconteceu em alguns setores da atividade, de qualquer dia termos uma pluralidade tal de sindicatos em que ninguém representa.
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