"A magnitude daquilo que foi o investimento do Estado português na Efacec e a magnitude daquilo que podemos recuperar é similar", garante o ex-ministro António Costa Silva.
António Costa Silva reconhece que teria sido melhor que o processo de reprivatização da Efacec tivesse sido concluído com a portuguesa DST e não com a alemã mutares, mas não concorda com o Tribunal de Contas quando este diz que “nenhum objetivo foi conseguido e que acabou por ser saldar num fracasso”. E está confiante que o Estado vai reaver os 420 milhões injetados na Efacec.
“Estava confiante que a solução com a DST ia avançar. Só que o acordo que foi assinado com a DST tinha pressupostos financeiros, ao nível das taxas de juro e do trade finance, que não foram aceites pela Comissão Europeia”, diz Costa Silva. “Se tivéssemos conseguido [vender à DST], tínhamos impedido muita coisa. Mas a vida não é aquilo que a gente quer. A vida é como aquilo que é possível fazer nas circunstâncias em que atuamos”, conclui.
Costa Silva faz questão de recordar que não estava no Governo quando foi decidida a nacionalização da Efacec. A decisão recai sobre os ombros do seu antecessor, Siza Vieira que atira as culpas do falhanço dos objetivos da nacionalização à forma como a reprivatização foi feita. Mas Costa Silva alinha com o Tribunal de Contas, quando diz que não se pode nacionalizar qualquer empresa. “O Estado não deve intervir nem salvar empresas quando há erros de gestão, erros de apreciação do mercado, há desorganização interna”, defende. E a nacionalização da Efacec resultou do envolvimento da acionista maioritária (71,73%) Isabel do Santos no Luanda Leaks.
O Tribunal de Contas concluiu que nenhum dos objetivos da reprivatização Efacec foi cumprido. Como viu estas críticas?
Há conclusões do Tribunal de Contas que acompanho, outras acompanho menos. Queria só dizer que em relação à nacionalização da Efacec, eu não estava no Governo, quando a nacionalização foi decidida, creio que em julho de 2020. Só cheguei ao Governo em 2022. Apanhei o processo a meio da ponte. Trabalhei-o em articulação com o ministro das Finanças e o secretário de Estado das Finanças. A minha parte era encontrar uma solução. O meu trabalho foi mais na envolvente externa de encontrarmos uma solução de venda.
O Tribunal de Contas faz um trabalho exaustivo, penso que é muito importante e respeito muito o Tribunal de Contas. Há recomendações que acompanho. Por exemplo, não se pode nacionalizar qualquer empresa. Tem de haver uma política. Sou das pessoas que defende que o Estado não deve intervir nem salvar empresas quando há erros de gestão, erros de apreciação do mercado, há desorganização interna. O Estado aí não deve intervir. Neste caso decidiu intervir. A fundamentação é que era uma empresa tecnológica e, de facto, ela é muito importante e sobretudo no tecido norte do país. A Efacec tem só à sua volta um ecossistema de 2.800 pequenas e médias empresas que são fornecedoras de serviços. Durante este período de intervenção pagou a estas empresas mais de 440 milhões de euros. Em todo este período de intervenção em que a Efacec se manteve, pagou ao Estado português 100 milhões de euros em impostos e contribuições para a Segurança Social. E continuou a funcionar.
Estado não deve intervir nem salvar empresas quando há erros de gestão, erros de apreciação do mercado, há desorganização interna.
Também acompanho o Tribunal de Contas quando diz que nos processos de intervenção tem de se ver muito bem como é que se segue, acompanhar o processo, estar presente. Isso foi feito através da Parpública, gerida pelo Ministério das Finanças. Não tinha tutela sobre isso, mas acredito que os meus colegas, quer o ministro Fernando Medina, quer o secretário de Estado João Nuno Mendes, são pessoas de grande qualidade e procuraram assegurar isso e fazer o melhor possível.
E o que é que não acompanha?
Não acompanho o Tribunal de Contas quando diz que nenhum objetivo foi conseguido e que acabou por ser saldar num fracasso. Não é esse o entendimento de um dos órgãos mais competentes que temos na Comissão Europeia, a Direção-Geral de Concorrência. A DGCom tem duas cartas que dirigiu ao Estado português, em 22 de junho de 2023 e em 26 de outubro de 2023. Nessas cartas diz, claramente, que o Estado português fez as avaliações financeiras que qualquer operador de mercado devia fazer. O processo foi limpo, transparente e competitivo. A escolha que o Estado português fez era a melhor escolha possível. A escolha da Mutares é aquela que assegura maior rentabilidade e que assegura a maior possibilidade de recuperação do investimento que o Estado português fez. E, portanto, isto é feito por pessoas que são altamente competentes na esfera financeira.
Acredita que o Estado português vai acabar por reaver a totalidade do dinheiro investido?
No período de intervenção, o Estado português, até pelas regras europeias das ajudas estatais — isto foi sempre feito em interação com a DGCom — só podia pôr o mínimo para manter a empresa a funcionar, que eram cerca de dez milhões de euros que foram postos durante 20 meses, o que dá 200 milhões de euros. Para finalizar o processo de venda tinha de se fazer a estruturação financeira da empresa e o que o Estado português pôs em termos do investimento pré-fecho foram 201 milhões de euros, mais 30 milhões para contingências. A isto tem de se deduzir os 72 milhões de euros que é garantias. O Estado português ficou sem garantia, mas depois há mais 35 milhões do Banco de Fomento. Em súmula, o Estado português pôs cerca de 204 milhões de euros, que se adicionam aos 200 anteriores. Portanto, o investimento do Estado português são 420 milhões de euros. O próprio Tribunal de Contas reconhece que o Estado português — porque fizemos um acordo agressivo com a Mutares — tem direito a 3/4, a 75% do valor gerado pela empresa. Por isso o Tribunal de Contas reconhece que o Estado pode recuperar cerca de 385 milhões de euros, a que tem que acrescentar os 35 do Banco de Fomento, o que dá cerca de 420. O que digo é que a magnitude daquilo que foi o investimento do Estado português e a magnitude daquilo que podemos recuperar é similar.
E isto é muito importante: tem uma empresa a funcionar. Cada dia que passa é uma resposta à questão da crítica sobre o falhanço da Efacec. Quando estávamos a fechar o processo de venda, a Efacec tinha uma carteira de encomendas executável de 500 milhões de euros. O ano passado teve 160 milhões de euros de vendas e acredito que este ano vai adicionar a isso mais 100 milhões. Se olhar para o percurso da empresa, que sofreu um colapso da sua estrutura acionista, tem ao nível tecnológico capacidades e competências que não temos mais no país e na Europa também são escassas. Ainda agora entraram nos Estados Unidos. Venderam 132 sistemas de carregamentos elétricos para o Estado do Utah. Voltou a ganhar um grande projeto na Dinamarca, que é o carregamento dos comboios com baterias elétricas. Ganhou novos projetos na Holanda, na empresa Porthos, na rede elétrica espanhola, na rede elétrica francesa. Porquê? Porque têm os transformadores, têm os instrumentos e os equipamentos eletromecânicos, elétricos, as soluções de automatização que são vitais para o funcionamento das nossas redes elétricas, dos nossos sistemas de energia e também no sistema de transportes.
A magnitude daquilo que foi o investimento do Estado português e a magnitude daquilo que podemos recuperar é similar.
Se à DST tivessem sido dadas condições idênticas às que foram dadas à Mutares, por exemplo, o perdão de dívida dos bancos, não teria sido uma melhor solução? Não teria o Estado injetado menos dinheiro a Efacec?
Tem toda… É uma pergunta muito relevante. Quando apanhei o processo da DST, o 23.º Governo constitucional a que pertenci, tomou posse no dia 30 de março de 2022 e uma semana antes tinha sido assinado o acordo com a DST. Quando o 23.º Governo constitucional toma posse, há duas coisas que ficaram na minha cabeça: uma, sem dúvida, a Efacec para encontrar uma solução, e a outra, a guerra da Ucrânia que tinha começado seis dias antes de tomarmos posse. Começou toda a convulsão na Europa, os preços da energia a disparar, o custo de vida, e tivemos de desenhar todos os pacotes de ajuda às empresas e às famílias. Foram cerca de seis mil milhões de euros, dos quais 1.500 milhões foram só para ajudar as pessoas ao nível dos combustíveis. Não foi muito bem percecionado pelo país porque somos maus no marketing político. Por exemplo, os espanhóis puseram toda essa ajuda diretamente na fatura, quando as pessoas iam às bombas. Nós não conseguimos isso. Mas, ao mesmo tempo, comecei a olhar para a Efacec e estava confiante que a solução com a DST ia avançar. Só que o acordo que foi assinado com a DST tinha pressupostos financeiros, ao nível das taxas de juro, do trade finance que não foram aceites pela Comissão Europeia. Tentámos tudo para aproximar as duas partes. Tenho um grande respeito pelo Dr. José Teixeira, o CEO da DST, um dos nossos grandes empresários. Reuni com ele, mas às tantas chegámos à conclusão que não havia condições. Foi uma pena ter falhado, mas tentámos tudo para que resultasse. Tem toda a razão, se tivéssemos conseguido, tínhamos impedido muita coisa. Mas a vida não é aquilo que a gente quer. A vida é como aquilo que é possível fazer nas circunstâncias em que atuamos.
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Vender Efacec à DST teria “impedido muita coisa”
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