X Encontros de Coimbra: “Com a fragilidade da economia não nos podemos dar ao luxo da incerteza e lentidão”

Os sub40 da X Edição dos Encontros de Coimbra, Joana Galvão Telles, Cristiana Gonçalves Correia - da Morais Leitão- , Antonio Júdice Moreira e Rute Alves - da PLMJ - em entrevista à Advocatus.

Joana Galvão Telles (Morais Leitão), Cristiana Gonçalves Correia (Morais Leitão), Antonio Júdice Moreira (PLMJ) e Rute Alves (PLMJ) respondem ao desafio lançado pela Advocatus. O grupo sub40 dos Encontros de Coimbra de Arbitragem -. que esta quinta -feira dá início à sua X Edição – explica como é que a Covid-19 veio mudar (ou não) o paradigma da arbitragem em Portugal. Um evento em parceria com o ECO/Advocatus.

Este ano, a organização está nas mãos da sócia da PLMJ, Mariana França Gouveia e da sócia da Morais Leitão, Catarina Monteiro Pires. Inscrições disponíveis aqui.

Nos vossos escritórios, dedicam-se mais a que tipo de arbitragem?

 

As sociedades de grande dimensão, como é o caso da ML e da PLMJ, estão especialmente vocacionadas para arbitragens com um elevado nível de complexidade. Mais do que falar numa especialização por setores de atividade, trata-se, sobretudo da capacidade que as nossas equipas, multidisciplinares altamente especializadas, têm para dar resposta às exigências de arbitragens nacionais de grande dimensão e complexidade, bem como de dirimir ações que envolvem múltiplas jurisdições e enquadramentos legais.

 

Quais são as áreas onde a arbitragem é mais recorrente? Ou deveria ser?

 

A arbitragem enquanto mecanismo voluntário e alternativo de resolução de litígios tem sido cada vez mais utilizada nos principais setores da economia nacional e as suas inegáveis vantagens têm sido reconhecidas pelo mercado. O crescimento e desenvolvimento desta área resulta exatamente da procura do mercado. O setor da construção e os litígios resultantes de operações de M&A têm sido especialmente ativos em matéria de arbitragem, à escala nacional e internacional e é fácil de perceber porquê: desde logo, porque é possível reunir no Tribunal Arbitral a necessária especialização e experiência na indústria. É igualmente vantajoso o facto de se poder adequar o procedimento aos detalhes, quase filigrânicos, tanto de um litigio de construção como de aspetos financeiros de M&A, com prazos mais alargados para preparação das peças processuais, depoimentos de peritos e/ou testemunhas por escrito – muito relevante em matérias em que a prova é muito técnica e complexa. Acresce ainda a possibilidade também de incluir outros instrumentos processuais que conduzam à melhor e mais justa solução possível, como por exemplo incidentes de produção de documentos, através da conhecida tabela redfern.

Existem outros exemplos em que a arbitragem tem sido frequentemente utilizada, como sejam os grandes projetos públicos, nos quais se incluem, por exemplo, os transportes, energia e concessões.

Por outro lado, embora seja mais óbvia a vantagem de se adequar o procedimento, mesmo densificando-o, para este tipo de litígios complexos sem perder a rapidez da decisão final, a verdade é que a arbitragem também pode – e deve – ser utilizada para litígios de menor complexidade. A possibilidade de se adequar o procedimento ao litígio, faz com que a arbitragem seja a melhor solução para as disputas menos complexas ou de menor valor, uma vez que também é passível de ser simplificado o caminho para a decisão do tribunal, não prejudicando a possibilidade das partes apresentarem as suas posições e a estrita obediência aos princípios fundamentais, incluindo o do contraditório.

Estamos seguros de que o mercado está cada vez mais informado sobre as vantagens e possibilidades que a arbitragem comporta e de que caminharemos para uma ainda maior penetração deste meio alternativo de resolução de litígios no mercado português.

 

Sentem que em Portugal as empresas ainda “fogem” da arbitragem ou já começa a ser uma solução mais popular?

Todas as empresas querem “fugir” dos litígios. Os modelos adversariais de resolução de litígios, onde se incluem os tribunais judiciais e arbitrais, absorvem recursos de uma empresa que deviam estar a ser usados na sua atividade e não a custear disputas judiciais. Em muitos casos, a arbitragem é a solução que melhor resolve esse problema para as empresas. Por outro lado, com a constante especialização e aumento de experiência da nossa comunidade arbitral – incluindo dos nossos árbitros – as decisões são cada vez melhores e os utilizadores da arbitragem reconhecem essa competência na justeza da decisão. A crescente popularidade da arbitragem em Portugal é a maior prova de que as empresas não têm fugido desta via de resolução de litígios.

 

Que grupo sub-40 é este? Tem uma abordagem diferente de ver a arbitragem?

 

Nós gostamos de pensar que sim, aliás, temos a responsabilidade de garantir que assim seja.

A comunidade portuguesa sub40 nasceu há mais de 10 anos, pelas mãos de advogadas e advogados que são hoje líderes reconhecidos pelo mercado e nos seus respetivos escritórios. Isaac Newton disse “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes” e a nossa responsabilidade é essa, querer ir mais longe porque já começámos com o avanço dos que vieram antes de nós.

E esse querer ir mais longe traduz-se na maior irreverência e liberdade da geração sub40 e das vantagens reais que daí temos retirado. Os sub40 representam uma geração com um nível de preparação e experiência em arbitragem, tanto a nível académico como profissional, quer em termos nacionais, quer mesmo com experiência internacional, que não tem paralelo na geração acima. Foi há pouco mais de 10 anos que tivemos a primeira pós-graduação em arbitragem em Portugal, era uma matéria que estava fora das faculdades. Hoje todas as faculdades oferecem cadeiras, seminários, pós-graduações, mestrados e até doutoramentos em arbitragem. E há já três faculdades de direito portuguesas que formam, treinam e enviam equipas formadas por estudantes para participar em competições muito relevantes na área da arbitragem internacional, como é o caso do Willem C. Vis International Arbitration Moot, em Viena, onde participam equipas vindas de todos os cantos do mundo. E é esse o nosso público, o que não só quer saber mais, mas o que quer pensar mais a arbitragem.

Juntar essa superior preparação académica com a vontade de discutir e pensar a arbitragem é o que torna os eventos sub40 tão populares, bem como a possibilidade dos sub40 serem ouvidos sem temores reverenciais ou cerimónia. E os vários over40 que assistem aos nossos eventos não retiram esse protagonismo muito menos a condução da discussão dos sub40, antes pelo contrário, é por isso que ali estão.

 

Estão envolvidos na organização dos EdC há 10 anos mas apesar de integrados são independentes; Independentes em que sentido?

 

Nós não estamos todos envolvidos na organização dos Encontros há 10 anos. Os 4 pioneiros na organização do evento sub40 dos Encontros de Coimbra foram o Miguel Almada, o Pedro Metello de Nápoles, o Filipe Vaz Pinto e a Filipa Cansado Carvalho. Hoje somos nós, amanhã serão outros.

Mas sim, desde o princípio que foi dada, na altura pelo José Miguel Júdice e pelo António Pinto Leite, absoluta liberdade (não diríamos independência), na determinação dos temas, nos convites aos oradores e até mesmo no formato do evento sub40.

Liberdade que continua mesmo depois da sucessão na organização pela Mariana França Gouveia e pela Catarina Monteiro Pires. Essa liberdade permitiu-nos internacionalizar os nossos temas, painéis e participantes, fazer sessões em inglês e usar formatos dinâmicos e disruptivos, muito para além do típico painel com oradores e moderação.

Essa liberdade foi instrumental e fundamental para o sucesso do evento ao longo de 10 anos. Temos inúmeras histórias de participantes que iam a Coimbra apenas para o nosso evento. Considerando a qualidade do evento principal, isso é o maior elogio que nos podem fazer.

Como se juntaram, há dez anos?

 

Como dissemos, não fomos nós, mas foi a consciência e visão do Dr. José Miguel Júdice e do Dr. António Pinto Leite. Consciência de que a geração “menos 40”, que estava a dar os primeiros passos na organização de eventos próprios, poderia trazer valor acrescentado para os Encontros de Coimbra, e visão, porque nos últimos 10 anos fomos testemunhas de que o nosso evento sub40 ajudou a sedimentar uma maior e mais internacional comunidade arbitral em Portugal.

 

Que temas se vão debruçar?

 

Este ano o tema global comum dos EdC é a «arbitragem ao serviço de um mundo em mudança» e, dentro deste, o tópico incontornável é o do impacto da pandemia na arbitragem. Em que medida é que o confinamento global mudou o paradigma da arbitragem, se e em que medida essa mudança será temporária ou permanente ou se, de certo modo, veio aprofundar necessidades de mudança que também já se vinham sentindo antes. Os desafios que colocou e coloca no futuro, tanto aqueles mais práticos, como a forçada desmaterialização e virtualização dos processos, produção de prova, audiências, etc., mas também aqueles mais técnicos, relacionados com pilares fundamentais da arbitragem, desde logo a pressão sobre a efetiva tutela jurisdicional, materializada no direito à defesa e contraditório e no princípio da igualdade. Enfim, vai ser um tema muito interessante.

Por outro lado, o tratamento do tema será feito na linha de internacionalização dos EdC e da sessão sub40 em particular, beneficiando da perspetiva de várias jurisdições e de diferentes experiências. No primeiro painel deste ano, conduzido em inglês, contamos apenas com a presença de uma advogada portuguesa, Matilde Líbano Monteiro, os restantes oradores e moderador são de diversas nacionalidades e juntar-se-ão de diversas partes do mundo: Kabir Duggal, Victor Bonnin, Jennie Wild, Carlos Barceló e, por fim, no papel de moderador, Pacôme Ziegler.

 

Que novidades nos trazem para este ano em termos de evento?

 

Este ano temos uma novidade que ainda não encontrámos em eventos semelhantes, que é um workshop de cocktails.

O evento sub40 dos Encontros de Coimbra é conhecido pela sua dinâmica ao nível de networking, incluindo o tradicional e muito concorrido jantar sub40.

Como nas circunstâncias em que estamos é impossível organizar jantares com mais de 100 pessoas, quisemos garantir que os nossos participantes conseguiriam, ainda assim, beneficiar do networking informal e descontraído que tinham em Coimbra.

Desafiámos os reputadíssimos árbitros internacionais, Valeria Galindez e Marcelo Ferro, para nos ensinarem o seu cocktail preferido enquanto são entrevistados pelo Miguel Pereira da Silva sobre arbitragem.

Na sequência desse workshop / entrevista, os participantes serão divididos aleatoriamente em vários breakout rooms para fazer networking enquanto bebem os seus cocktails.

 

O vosso ‘target’/público’ é também diferente?

 

Sim, o nosso target é diferente desde logo porque é sub40. Aceitamos com imenso gosto que os over40 assistam à nossa sessão, sempre o fizemos, mas também fazemos questão de manter a relevância e independência nos sub40, porque é esse o espaço que queremos providenciar.

O nosso público também é diferente, talvez mais internacional que o do evento principal, porque temos sempre sessões em línguas que não o português, em regra inglês, mas também já tivemos em espanhol. Isso permite que o público sub40, tendencialmente mais disponível para viajar, aproveite uma visita a Portugal para estar no nosso evento sub40, ou vice-versa.

 

Qual a importância da comunicação para este tipo de divulgação, sendo uma área que, para muitos, é desconhecida?

 

A comunicação é o princípio, o meio e o fim. A comunicação tem sido instrumental para o desenvolvimento da arbitragem. É muito importante que a arbitragem e todas as iniciativas e oportunidades na comunidade arbitral, quer nacional, quer internacional, sejam divulgadas, principalmente entre as gerações mais novas. É fundamental que a comunicação seja eficaz, na divulgação e no conteúdo, para que se consigam cativar pessoas boas, que se interessem e gostem desta área, que queiram trabalhar e investir na arbitragem em Portugal e no mundo. Ainda há muito para fazer, muito para crescer, para dar a conhecer. A pool de árbitros em Portugal ainda pode, com beneficio para a arbitragem e seus utilizadores, ser alargada. Nesta área em particular, a rede de contactos que se vai criando nesta área é fundamental e é também construída nestes eventos que, além de interessantes e atuais, também têm os seus momentos de convívio.

O Warren Buffet diz que uma comunicação eficiente acrescenta 50% de valor a tudo o que fazemos; o nosso objetivo nos EdC e na sessão sub40 em particular, é comunicar bem a arbitragem, trabalhar na divulgação da comunidade arbitral portuguesa e na sua internacionalização.

 

De que forma é que o covid vos limitou este ano na celebração destes Encontros de Coimbra?

A maior limitação foi mesmo não podermos realizar uma sessão presencial, seguida do tradicional jantar sub40. Sentimos que é mais difícil manter o público envolvido no debate por videoconferência e discutir de forma mais aberta sobre os desafios da arbitragem e de se trabalhar em arbitragem. O covid democratizou os grandes eventos internacionais, que passaram a estar disponíveis nos nossos ecrãs, no entanto, a nossa sensação é que não os tornou mais interessantes, antes pelo contrário. Queríamos fazer diferente, desejavelmente melhor. Identificados os desafios, trabalhámos nas soluções com base no nosso ADN de excelência e internacionalização.

Essas soluções passaram, desde logo, pela parceria com a Eco/Advocatus que nos garante que também ao nível de suporte técnico os EdC estarão na linha da frente. Por outro lado, fomos obrigados a reinventar o modelo do encontro, queiramos torná-lo o mais dinâmico possível, mas também queiramos que fosse inovador e não perdesse a sua grande componente de networking, que, pré-covid, tinha o seu expoente maior no concorrido jantar sub 40.

Por isso tivemos a ideia de integrar um workshop de cocktails na entrevista aos nossos key note speakers seguido de convívio em break out rooms aleatórias.

A vantagem é que estamos a conseguir atrair muito mais participantes e de vários países diferentes, o que seria mais difícil caso o evento fosse realizado em Coimbra, como habitual.

 

A arbitragem foi beneficiada ou prejudicada com a Covid?

 

A doutrina diverge, diria um advogado. Fora de brincadeira, depende mesmo – e é a resposta a esta pergunta que vamos discutir no nosso evento.

O que é certo é que a Covid veio criar inúmeras e profundas dificuldades na economia, sendo alguns setores mais afetados que outros. Estas dificuldades dão lugar a tensões, que escalam para conflitos. Um dos elementos para a eficaz resolução desses conflitos será a rapidez e a certeza. Com a fragilidade da economia não nos podemos dar ao luxo da incerteza e lentidão. A arbitragem está numa posição privilegiada para dar resposta a essas preocupações, por isso, de um ponto de vista de aumento do volume de negócio, isto é, novos litígios arbitrais, estamos seguros que o covid, a curto e médio prazo, veio beneficiar a arbitragem.

Mas depois temos o reverso da medalha. A Covid obrigou a uma reinvenção dos procedimentos, dos formatos, que conduzem à boa decisão final. A expectativa que as partes, os advogados e os árbitros tinham do procedimento, da resolução do litígio, era outra completamente diferente. Não sabemos o impacto que esta nova realidade, mais virtual, terá na garantia dos direitos das partes, na direção do processo pelo Tribunal Arbitral, nos serviços prestados pelos advogados, peritos, produção e ponderação da prova. Aqui é difícil prever se a arbitragem vai sair beneficiada ou prejudicada. Talvez no final do dia 8 tenhamos uma resposta diferente.

 

A Covid veio mudar ou não o paradigma da arbitragem relativamente aos custos, audiências e deslocações?

 

No imediato, sem dúvida. Grande parte das audiências, mesmo as de produção de prova, foram simplesmente realizadas por videoconferência, em vez de serem suspensas ou adiadas sine die, o que obviamente tem um impacto significativo nos custos, sobretudo em arbitragens internacionais, com partes, árbitros, testemunhas e peritos espalhados pelos quatro cantos do mundo. É curioso porque nos últimos anos esteve muito em voga o tema da inteligência artificial na arbitragem e um dos argumentos dos “negacionistas” da possibilidade de substituição de pessoas por robots, era a importância da prova testemunhal e da chamada “imediação da prova”. Com audiências virtuais talvez este argumento perca alguma da sua força.

Mas é difícil prever em que medida a mudança veio para ficar. Discutimos brevemente o tema com alguns dos oradores deste ano e as nossas impressões não são totalmente coincidentes: há quem anteveja um regresso a audiências presenciais logo que possível e há quem acredite que o futuro são as audiências tendencialmente virtuais. Uma coisa é certa: a pandemia mostrou que existem alternativas ao modelo “one fits all” que existia e deverá permitir maior flexibilidade na definição do que faz sentido em cada caso no futuro.

 

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