Exportadoras portuguesas tocam “ouro olímpico” em Paris

Das roupas de Guimarães e óculos de Vila de Conde às fachadas de Braga, tendas de Freamunde ou merchandising de Vizela, empresas portuguesas aproveitaram os Jogos Olímpicos para reforçar exportações.

Quando a delegação portuguesa navegou num dos 94 barcos que percorreram seis quilómetros do Sena, da ponte Austerlitz até à Torre Eiffel, o entusiasmo com a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris foi redobrado em Guimarães. A Decenio, marca de vestuário que o grupo Cães de Pedra comprou em 2014 à falida Ricon e que tem mais de 30 lojas próprias no país e vende online para uma centena de países, idealizou e produziu os uniformes dos 73 atletas que vão representar Portugal. A cada um entregou 25 peças, desde fatos, polos, sweaters, saias, calções, bonés, lenços ou sapatilhas.

É a segunda vez que a marca detida pelo grupo liderado por Ricardo Herculano Fernandes é responsável pelos trajes oficiais da equipa portuguesa em Olimpíadas, depois da estreia em Tóquio. “Um evento desta envergadura traz-nos, obviamente, um reconhecimento e notoriedade incomensuráveis”, sublinha ao ECO a responsável de marketing, Carolina Rodrigues. Vão ser usados nas ocasiões mais formais e nas cerimónias oficiais, como as de abertura e encerramento. E os porta-estandartes, o canoísta Fernando Pimenta e a marchadora Ana Cabecinha, envergaram conjuntos desenhados exclusivamente para este momento, bordados à mão, durante dois meses, pela Cooperativa Aliança Artesanal de Vila Verde.

Fernando Pimenta e Ana Cabecinhas foram os porta-estandarte na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris. EPA/MOHAMMED BADRA

Na cara, os atletas nacionais vão usar óculos de sol com armações produzidas no atelier Okiatto instalado em Vilar, uma pequena freguesia de Vila do Conde, onde a gigante israelita Shamir produz lentes oftálmicas para óculos graduados. “Trata-se de uma startup que nasceu em 2020, em plena pandemia, e que se localiza na sede da Shamir em Portugal. Um dos focos deste projeto foi precisamente a recuperação de profissões em vias de extinção, como é o caso dos artesãos. A produção artesanal de armações é uma delas, sendo cada vez mais rara na Europa”, explica ao ECO Luís Feijó, CEO da subsidiária portuguesa.

O gestor lisboeta, recrutado em janeiro de 2005 à Carl Zeiss, em Setúbal, fala num “contrato com um valor muito significativo para a Shamir Portugal, com um conjunto distinto de benefícios para ambas as partes”. Sendo os Jogos Olímpicos um dos eventos desportivos mais assistidos no mundo, é uma “oportunidade única de exposição, com prestígio e credibilidade da marca a nível mundial”. “Ver os óculos da coleção Okiatto a compor os trajes nacionais dos nossos atletas vai ser seguramente um momento emocionante e marcante para aqueles que, todos os dias, com as suas mãos, assumem o papel principal na produção destas armações”, completa.

 

Uma emoção que Jorge Carneiro, diretor comercial da Bysteel, sentiu já no verão passado, quando, após cinco meses de obra, ficou pronta a fachada com cerca de 10 mil metros quadrados em alumínio, vidro e material compósito, que desenhou e executou para a arena que vai servir de palco para as provas de badminton e ginástica nos Olímpicos e para o halterofilismo nos Paralímpicos. Através da Bysteel FS, especializada na conceção, engenharia e execução de fachadas e envelopes arquitetónicos para edifícios, a empresa do grupo DST ganhou um contrato no valor de 5,5 milhões para a construção do envelope arquitetónico da Arena Porte de la Chapelle.

Arena Porte de la Chapelle

O porta-voz da empresa de Braga, onde tem uma unidade fabril com uma área de cerca de 8.000 metros quadrados, conta ao ECO que este contrato “surgiu por convite da direção de obra do empreiteiro geral Bouygues, em consequência da boa relação fruto de outros trabalhos com o mesmo cliente”. “É uma obra com grande visibilidade desde o Périphérique [via de cintura externa a Paris com 35 quilómetros], tendo sido uma obra que correu muito bem em termos de prazo e qualidade de construção”, acrescenta.

Foi neste país, em 2012, que a Bysteel, que conta com 414 trabalhadores, iniciou o processo de internacionalização na Europa, na altura com um primeiro contrato no valor de 250 mil euros. França é atualmente o maior mercado para a empresa minhota, tendo no ano passado contribuído para cerca de 50% do volume de faturação total de 59,5 milhões de euros. Na região de Paris tem atualmente várias encomendas em carteira, como as estruturas metálicas e os envelopes arquitetónicos para as três gares (Palaiseu, St Aubin, Orsay) da nova linha 18 do Metro da capital francesa.

De Braga para Freamunde (concelho de Paços de Ferreira), a Irmarfer também esteve nos últimos meses ocupada com o fornecimento de pisos técnicos e outros materiais para os operadores que estiveram envolvidos na montagem das estruturas para os Jogos, como as bancadas ou as vedações. Mas a “presença maior” em Paris, relata ao ECO o responsável da empresa especializada na produção e aluguer de estruturas temporárias, é nos eventos paralelos da responsabilidade da organização dos Jogos ou de outros clientes privados, como a embaixada do Brasil, que vão usar as suas estruturas de formato orbital vocacionadas para jantares de gala.

Afonso Barros, CEO da Irmarfer
Afonso Barros, CEO da Irmarfer

“Muito do nosso negócio passa por agências criativas e de marketing, que já nos conhecem de outras aventuras. Estivemos mais de um ano a trabalhar com elas para implementar estas estruturas”, frisa Afonso Barros. Desde 2019 detida a meias (50%/50%) pelo fundo de private equity Crest e pelos cinco irmãos Ferreira, que fundaram este negócio há 25 anos, esteve envolvida nos Jogos do Rio de Janeiro (2016) e está a investir num polo logístico com cerca de 5.000 metros quadrados em França, junto a Lyon, para “facilitar a operação” no Centro da Europa, servindo a partir dali os mercados francês, suíço, alemão, italiano e belga.

Com perto de 240 trabalhadores e duas instalações industriais em Freamunde – além da fábrica construída há nove anos para as estruturas e palcos para eventos, no complexo original estão situadas as outras duas empresas do grupo: a S2E (stands para feiras) e a gráfica Imagindustrial (impressão digital de grandes dimensões) –, a Irmarfer tem clientes sobretudo nos festivais de música, nos eventos empresariais – a Web Summit é o maior em Portugal, com mais de 30 estruturas específicas – e no desporto. Há poucos meses estreou-se na Fórmula 1 à boleia do Rock in Rio.

Negócio dentro e fora da competição

Habituada a produzir milhões de cachecóis, gorros, bonés, bandeiras e outros adereços desportivos para grandes competições desportivas e clubes europeus como o Bayern de Munique, Roma, Chelsea ou Marselha, a portuguesa 4 Teams também aproveitou os Jogos Olímpicos de Paris para reforçar as vendas, que no ano passado ascenderam a 6,4 milhões de euros. A exportação representa cerca de 90% e tem os melhores clientes no Reino Unido, França, Itália, Espanha, Alemanha e Suécia.

“Produzimos cerca de seis a sete mil peças de merchandising desportivo para vários eventos, incluindo empresariais, organizados por clientes nossos no contexto dos Jogos Olímpicos. Estamos a falar de t-shirts, polos, calças, casacos e algumas toalhas sublimadas [com desenho impresso]”, indica ao ECO Nuno Santos, diretor comercial da empresa de Vizela, que emprega cerca de uma centena de funcionários na unidade fabril.

Produzimos cerca de seis a sete mil peças de merchandising desportivo para vários eventos no contexto dos Jogos Olímpicos. Estamos a falar de t-shirts, polos, calças, casacos e algumas toalhas sublimadas.

Nuno Santos

Diretor comercial da 4 Teams

Também do distrito de Braga, mais precisamente de Vila Verde, saíram os calções, camisolas e saiotes que serão usados pelos canoístas portuguesas nestas provas olímpicas. Fundada em 2016 e gerida por Miguel Fernandes, a marca de vestuário de alta competição Nautikay foi escolhida pela Federação Portuguesa de Canoagem para abastecer os equipamentos que diz terem sido “confecionados com tecidos inovadores que acompanham o crescimento dos principais músculos durante a cadência da remada e garantem total liberdade de movimentos”.

Já dentro de água, oito em cada dez caiaques que estarão em competição nas provas de canoagem de velocidade foram fabricados pela M.A.R Kayaks em Vila do Conde, onde emprega 200 pessoas e produz 4.000 caiaques e canoas por ano. A empresa fundada pelo antigo canoísta Manuel Ramos, mais conhecido por Nelo, que fatura dez milhões de euros por ano e exporta 90% da produção, de Atlanta a Tóquio, já subiu dezenas de vezes ao pódio nas anteriores edições.

Outras participações olímpicas que se repetem em Paris são as dos cabos náuticos para as provas de vela fabricados pela gaiense Cotesi, controlada pela família Violas, e que vão ser usados por várias seleções; e a dos produtos têxteis da P&R, que fatura 16,5 milhões e emprega 240 pessoas em São Veríssimo, no concelho de Barcelos. Detida pelo empresário Duarte Nuno Pinto e celebrizada pela camisola envergada pelo velocista Usain Bolt em Pequim (2008), para esta competição, que se prolonga até 11 de agosto e na qual participam 11 mil atletas, entrou no desenvolvimento de fatos de banho da Arena e de equipamentos de atletismo para a Adidas e Le Coq Sportif.

Camas, luvas e autocarros

Vários setores industriais aproveitam este megaevento para reforçar as exportações. Foi o caso do cluster do mobiliário, que no ano passado aumentou as vendas ao exterior em 11%, em termos homólogos, e superou pela primeira vez a fasquia dos 2,2 mil milhões de euros. França é o principal destino do mobiliário português com uma quota de 32%, seguido de Espanha (26%) e da Alemanha (6%). Gualter Morgado, diretor executivo da associação do setor (APIMA) salienta que, em 2023, “o que ajudou a equilibrar as exportações para França foi a área de contract [para hotéis e restauração, entre outros], que está relacionada com os Jogos Olímpicos”.

Ora, as camas em que os atletas portugueses vão descansar na Vila Olímpica, em Paris, não foram fabricadas em Portugal – a Ergomotion tem fábricas na China, no Vietname e no México -, mas saíram do armazém de Lisboa, que “responde ao negócio online da empresa e a pequenas encomendas, entre as quais as camas inteligentes [disponibilizadas] à equipa Portugal 2024”. É na capital portuguesa que a empresa fundada na Califórnia (EUA) tem a sede europeia e gere a operação nos mercados da Europa, Médio Oriente, África, Rússia e América Latina.

No âmbito de um protocolo com o Comité Olímpico de Portugal (COP), a Ergomotion equipou os quartos com 62 camas do modelo ErgoSportive e os respetivos colchões e almofadas. É a primeira vez que a empresa se associa a este organismo, mas a diretora de marketing, Mónica Araújo, confia que “mediante aquele que tem sido o feedback bastante positivo [nas redes sociais] por parte dos primeiros atletas a chegarem a Paris, esta é uma colaboração que reúne todas as condições de continuidade no futuro”.

Nas estradas da capital francesa, e no âmbito de uma parceria entre a Toyota e o Comité Olímpico Internacional, uma dúzia de autocarros movidos a pilha de hidrogénio (modelo H2.City Gold) fabricados pela CaetanoBus em Vila Nova de Gaia vão ajudar à mobilidade durante as Olimpíadas. Já da fábrica do grupo em Ovar saíram 250 unidades do novo “Acessible People Mover” (APM), um veículo elétrico a bateria com velocidade máxima de 20 km/h e autonomia até aos 100 quilómetros, projetado para serviços de “quilómetro final” e para transportar pessoas com necessidades especiais de acessibilidade, que foi concebido de propósito para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Paris.

A produção arrancou em fevereiro e este projeto representou um investimento de dez milhões de euros na unidade que emprega cerca de 250 pessoas, segundo José Ramos, presidente da Toyota Caetano Portugal. Na prática, este é o 12.º modelo da unidade industrial inaugurada em 1971 no distrito de Aveiro e que foi a primeira fábrica da marca japonesa na Europa. Os 250 APM vão transportar atletas, organizadores, funcionários e visitantes — para os utentes em cadeiras de rodas inclui rampa para o embarque, piso plano e configuração dos bancos) – e apoiarão igualmente a deslocação de pequenos produtos e na assistência de emergência.

E se alguma coisa correr mal, é com luvas da Raclac, fabricadas em Vila Nova de Famalicão, que os cerca de 32 mil voluntários convocados pela Fédération Nationale de Protection Civile (FNPC) irão prestar os primeiros socorros nos locais das provas. No ano passado, o fundo Vallis, que já detinha 50% do capital desde 2016, reforçou para 80% a participação no negócio liderado por Pedro Miguel Costa, assumindo dessa forma o controlo da empresa que há seis anos investiu 20 milhões de euros para se tornar na primeira fábrica da Europa a produzir luvas de exame de nitrilo.

A Associação Empresarial de Portugal (AEP) destaca que “os Jogos Olímpicos, pela sua dimensão e exposição mundial, são uma grande oportunidade” para as empresas portuguesas. “Através da sua ligação diária com as empresas, [testemunhamos] a existência de produtos de elevada qualidade, com elevado grau de incorporação nacional e forte reconhecimento nos mercados internacionais, em diversos setores da economia portuguesa, desde o agroalimentar à indústria transformadora”, comenta Luís Miguel Ribeiro.

França permanece como um importante parceiro económico para Portugal ao oferecer oportunidades de negócio em diversos setores de atividade. Ao nível do comércio internacional de bens, é nosso segundo cliente e o nosso terceiro fornecedor.

Luís Miguel Ribeiro

Presidente da AEP

O presidente da associação empresarial nortenha ressalva, no entanto, que “apesar de se tratar de uma boa oportunidade, os Jogos Olímpicos não são a única plataforma de divulgação das empresas portuguesas em França”. A própria AEP tem, por exemplo, programada para este ano, através do seu projeto de internacionalização BOW – Business On the Way, a participação na feira Batimat Paris, para o setor da construção e materiais de construção.

“Face à elevada incerteza do contexto geopolítico para as empresas portuguesas, [vemos] sempre margem para uma melhoria no apoio ao desígnio das exportações, um pilar fundamental ao crescimento económico sustentado do país. E não nos podemos esquecer que a França permanece como um importante parceiro económico para Portugal ao oferecer oportunidades de negócio em diversos setores de atividade. Ao nível do comércio internacional de bens, França é nosso segundo cliente e o nosso terceiro fornecedor”, recorda o dirigente associativo.

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