Ex-secretário de Estado da Indústria, antigo diretor da Startup Lisboa e desde sempre intimamente ligado ao empreendedorismo nacional. Morreu João Vasconcelos, tinha 43 anos.
Uma das únicas vezes que estive a sós com o João Vasconcelos — ele estava sempre rodeado de gente — foi uns meses antes de o João ser convidado para ser secretário de Estado da Indústria. Encontrámo-nos na rua da Prata, no edifício-sede da Startup Lisboa, e ele estava de Havaianas. “É o melhor sítio para se trabalhar”, disse-me, olhando para os pés. “Já viste as ideias a que somos expostos, a quantidade de gente nova com ideias incríveis que conhecemos?” João gostava de calçar os sapatos dos outros, e esta simplicidade complexa deixava boquiabertos todos os que o rodeavam.
Jaime Jorge, fundador da Codacy e um dos primeiros “moradores” da Startup Lisboa, que João inaugurou e liderou durante quase quatro anos, explica. “O João era a nossa luz. Há muitas empresas que só existem porque o João existiu, pessoas cuja carreira só existe porque o João existiu. Ele era a luz, a cola que nos ligava a todos. Foi o João que nos puxou para a Startup Lisboa, foi ele que me ajudou quando eu não tinha mais ninguém.”
Feito é melhor do que perfeito
Ao mesmo tempo, em 2012, Pedro Oliveira, cofundador da Landing.jobs, vivia os primeiros dias da sua startup, também na rua da Prata. “O João sempre foi um impulsionador e mentor da Landing.jobs e de tantas outras startups em Portugal, lançou a Startup Lisboa como CEO e foi onde eu cresci e aprendi a gerir uma empresa. Teve um papel fundamental no crescimento consistente das startups em Portugal. A frase que mais me marca, o João dizia sempre: ‘feito é melhor do que perfeito’. Deixa muito trabalho feito e muitas saudades”.
João Vasconcelos mexia-se, ajudava, dava sugestões e opiniões, fazia acontecer. A ele Portugal deve, em grande parte, a promoção mediática do Web Summit, a sua visibilidade. A ele deve também iniciativas como a Startup Portugal, a estratégia nacional para o empreendedorismo, a Indústria 4.0 e até o projeto Aylan Kurdi Caravan. “Cheio de energia, com uma vontade enorme de colaborar, de partilhar, de ver o país desenvolver-se, de ouvir as startups portuguesas pelas bocas do Mundo. Fez muito pela comunidade de empreendedores, fez muito por Lisboa e acredito ter feito bastante por Leiria”, acrescenta Rui Couto, cofundador da incubadora portuense Founders Founders.
João não tinha amarras quando se tratava de dar uma opinião sincera sobre qualquer ideia ou negócio já implementado e tinha uma generosa vontade de fazer crescer Portugal através da indústria, das empresas e, sobretudo, dos empreendedores.
No currículo de João Vasconcelos estão cargos como o de diretor executivo da Startup Lisboa, entre 2011 e 2015. Antes disso, tinha desempenhado funções de adjunto e assessor do gabinete do primeiro-ministro, para a área dos assuntos regionais e económicos, entre 2005 e 2011 e entre 1999 e 2005 esteve na vice-presidência da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE). Mas na vida real, João tinha muito mais impacto do que o papel pode fazer adivinhar. Acabou por sair do governo por causa das viagens ao europeu de futebol, em França, pagas pela Galp, cujo processo está sob investigação judicial.
“Se a Startup Lisboa inovou em alguma coisa, foi na criação, pela primeira vez, de um ambiente só de empreendedores, de um repositório de boas práticas e de informação. Sabíamos sempre quando um investidor se portava mal, ou truques de clientes e fornecedores, evitando assim que muitos cometessem os mesmos erros várias vezes”, contava João Vasconcelos no prefácio d’O livro dos fazedores, sobre a génese do ecossistema de startups português.
“Demasiado cedo para alguém que tanto deu e que tinha ainda tanto para dar. O João será sempre sinónimo de paixão, ambição e amizade”, assinala Miguel Santo Amaro, cofundador da Uniplaces. “O João era uma força da natureza, transportava consigo o espírito do empreendedor, a ambição de fazer, sem medos ou burocracias. Foi um irmão mais velho para mim em Lisboa — acolheu-me na Startup Lisboa e daí para a frente foi um exemplo de como fazer acontecer. Foi o nosso porta-estandarte para o empreendedorismo em Portugal e no mundo”, acrescenta.
Miguel Fontes, que sucedeu a João Vasconcelos à frente da incubadora lisboeta, assinala que “a vida prega-nos partidas difíceis de aceitar. É muito cruel ver alguém tão novo como o João, com tanta energia e com tantos projetos ser parado assim tão de repente. O meu pensamento, neste momento, está com a mulher, Isabel, e com os seus dois pequeníssimos filhos”. Já a ex-secretária de Estado da Indústria, Ana Lehmann — que substituiu Vasconcelos no cargo –, num post no Facebook, recorda a maneira como João era “combativo, visionário, com uma imensa e contagiante energia positiva”
João era assim: não parava. Há um mês, anunciou com entusiasmo o seu mais recente projeto, como chairman e head of advisory board para Portugal da startup de mobilidade Flash. “Lisboa é uma das melhores cidades do mundo para se desenvolver um negócio digital”, defendeu, acrescentando que, à falta de petróleo e de outras riquezas mais palpáveis, aqui “o que conta é a nossa maneira de ser, como recebemos culturas diferentes e gostamos de viver a diversidade”.
Como escreveu João numa das suas últimas publicações no Facebook, “quanto mais tempo passamos online mais valorizamos tudo o que é offline, a natureza, as emoções, a arte, a cultura, a manufatura, tudo o que nos transmite sentimento”. A urgência de fazer acontecer e o entusiasmo em tudo o que fazia e dizia convenceu investidores a aplicar o seu dinheiro em Portugal, empresas a mudarem as suas sedes para território nacional e até estrangeiros a virem viver para o país. Talvez por isso lhe sirva que nem uma luva o cargo de “chief happiness officer”, que envergava durante os tempos de Startup Lisboa. O responsável por garantir a felicidade. Portugal deve-lhe esta imagem que hoje temos, de que este não é só um sítio bom, mas o melhor sítio para viver e empreender.
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João Vasconcelos, o chief happiness officer de Portugal
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