O que separa Trump de Kamala nas propostas económicas?

A poucos dias das eleições nos Estados Unidos, os principais candidatos já deram a conhecer algumas das propostas para os próximos quatro anos da maior economia do mundo. O que defende cada um?

A menos de 80 dias das eleições nos Estados Unidos, e com a campanha eleitoral na estrada, tanto os Democratas como os Republicanos já anunciaram algumas das propostas para a maior economia do mundo para os próximos quatro anos.

Ainda que as políticas fiscais apresentadas não estejam no centro do debate – estando esse mais focado nos ataques ao adversário – prevê-se que o programa económico da dupla democrata formada por Kamala Harris e Tim Walz tenha um custo de 1,7 biliões de dólares (cerca de 1,89 biliões de euros) ao longo de uma década, segundo as contas do Comité para um Orçamento Federal Responsável.

Por outro, a despesa para a execução do programa representado por Donald Trump e JD Vance mantém-se desconhecida. No entanto, também se prevê um corte nos impostos e um aumento da despesa. Isto tudo, numa altura em que a dívida pública supera os 35 biliões de dólares e o défice orçamental caminha para os 2 biliões de dólares este ano, o que corresponde a 7% do produto interno bruto (PIB).

Ambos os programas preveem um aumento do défice. A única diferença é que a proposta dos democratas é mais equilibrada por haver a intenção de aumentar despesa mas recuperar receita”, conclui Pedro Braz Teixeira, economista e diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade.

“Curiosamente – ou não – os programas são hoje mais parecidos um com o outro do que noutros tempos. Há mais semelhanças entre os republicanos e os democratas hoje do que divergências. Ambos são de alguma forma protecionistas, intervencionistas e estadistas e ambos terão um impacto negativo sobre o défice”, aponta o analista de política internacional Henrique Burnay.

Segurança Social

Donald Trump coloca “a defesa dos seniores” como um dos pilares do seu manifesto, defendendo uma revogação da tributação das prestações sociais para os idosos, que atualmente ajudam a garantir a sustentabilidade da Segurança Social bem como o sistema de seguro federal, o Medicare.

A proposta fez soar os alarmes e os especialistas do Comité para um Orçamento Federal Responsável foram rápidos a alertar que “sem uma fonte de receitas em alternativa”, esta revogação agravaria o défice dos Estados Unidos até 1,8 biliões de dólares até 2035 – valor que inclui menos 1,05 biliões de dólares em receitas da Segurança Social e menos 750 mil milhões de dólares em receitas da Medicare. Ao abrigo da legislação atual, os idosos que tenham um rendimento bruto inferior a 25.000 dólares por ano (ou 32.000 para casais casados) não pagam impostos sobre as prestações de reforma para a Segurança Social.

Os Republicanos têm tido o hábito de gerar défices. Apesar de terem, por norma, um discurso muito grande contra a dívida, quando estão no poder a realidade é outra. Trump traz o risco de aumentar ainda mais o défice e dívida pública americana”, alerta Pedro Braz Teixeira.

Mais IRC

Entre as várias medidas que, na sua maioria, obrigam a que haja um aumento da despesa, há uma vinda da ala democrata que poderá, em sentido contrário, aliviar o défice: aumentar para 28% o Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC). Em 2017, esta taxa era de 35% mas foi reduzida para 21% quando Donald Trump foi eleito presidente.

Segundo as contas do think tank internacional Tax Foundation, esta medida resultaria num alívio do défice de cerca de um bilião de dólares num espaço de uma década, “aumentado de forma significativa as receitas fiscais entre os anos 2026 e 2035”.

"A medida faz parte de uma estratégia fiscalmente responsável que visa voltar a colocar dinheiro nos bolsos dos trabalhadores e garantir que os bilionários e as grandes empresas paguem a sua quota-parte.”

James Singer, porta-voz da campanha de Kamala Harris e Tim Walz à presidência dos Estados Unidos

Reuters

“Esta proposta tem o seu valor porque deve envolver uma redução de benefícios fiscais, e os chamados tax loopholes. Dá a ideia que dos democratas há uma intenção de aumentar a despesa mas a preocupação de procurar receita para financiar algumas medidas“, explica Pedro Teixeira Vaz. Uma realidade que, para já, não está refletida nas propostas de Donald Trump.

Combate ao aumento de preços… ou não

Com intenções de chegar à Sala Oval da Casa Branca, Kamala Harris escolheu o combate à crise inflacionista, sobretudo a inflação alimentar, como um dos temas centrais da campanha presidencial, prometendo avançar com um controlo sobre os preços.

Em julho, a taxa de inflação naquele país manteve a trajetória de decréscimo iniciada em abril (3,4%), situando-se nos 2,9%. No entanto, este alívio não afastou a perceção de que o setor usou o pretexto de uma inflação alta para subir ainda mais os preços a fim de aumentar as suas margens.

Em março, a Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos chegou mesmo a recomendar que o Senado analisasse mais de perto os lucros dos retalhistas alimentares, como o Walmart e o Kroger, que se mantêm elevados desde a pandemia. Segundo as contas do Financial Times, os preços dos alimentos aumentaram cerca de 25% desde março de 2020, mais rapidamente do que os salários de muitos trabalhadores.

Como presidente, assumirei os custos elevados que são mais importantes para a maioria dos americanos e trabalharei para que seja aprovada a primeira proibição federal de sempre contra a manipulação dos preços alimentares.

Kamala Harris, vice-presidente e candidata democrata às eleições presidenciais dos Estados Unidos

Os opositores de Harris não hesitaram em fazer críticas. Para a Tax Fundation, qualquer controlo de preços é à partida “mau” – até porque, explica, “prejudicam os consumidores ao reduzir os incentivos para produzir bens com preços controlados” – e induziria mais despesa pública.

O tema da redução dos preços alimentares também é uma das bandeiras da campanha de Donald Trump. No manifesto, os republicanos comprometem-se em reduzir “os custos da energia” e promover “políticas económicas que façam baixar o custo de vida e os preços dos bens e serviços do dia a dia”. No entanto, a proposta não detalha de que forma fará isso. E na verdade, até suscita dúvidas sobre a sua exequibilidade uma vez que o candidato republicado anunciou que pretende aumentar as taxas alfandegárias entre 10% a 20% sobre os parceiros comerciais dos Estados Unidos.

“Muitas pessoas gostam de dizer que é um imposto sobre nós. Não, […] é um imposto que não afeta o nosso país”, garantiu Donald Trump aquando do anúncio da medida, no mês passado. No entanto, “toda a gente sabe que serão os consumidores a pagar esse aumento dos impostos. Nota-se uma clara falta de conhecimento”, critica Henrique Burnay.

“Vai impactar, sobretudo, as exportações da UE para os EUA, e coloca em risco haver uma escalada de retaliações e uma guerra comercial”, sugere, por sua vez Pedro Braz Teixeira. E a Tax Foundation sustenta a tese. Na sua análise, o think tank estima que se este aumento se verificar poderá ser “objeto de retaliação por parte de todos os parceiros comerciais”, e “isso mais do que anularia todos os benefícios das principais reduções fiscais para a produção económica e o emprego, resultando numa perda líquida para a economia dos EUA”.

Crise da habitação e menos imigrantes

À semelhança da Europa, também os preços das rendas aumentaram exponencialmente nos Estados Unidos desde a pandemia. Tanto os democratas como os republicanos querem usar o tema como uma das bandeiras da campanha, defendendo a construção de nova habitação e o apoio, sobretudo, àqueles que procuram adquirir a primeira casa mas que têm menos rendimentos.

Para ajudar os novos compradores de casas, os republicanos reduzirão as taxas de juro através do corte da inflação, libertarão partes limitadas de terrenos federais para permitir a construção de novas casas, promoverão a propriedade de casas através de incentivos fiscais e apoio à primeira habitação.

À semelhança do combate ao aumento dos preços, os republicanos também não explicam quando, quanto e como pretendem implementar estas medidas. No entanto, parte dela poderá ser difícil de concretizar, uma vez que Donald Trump pretende levar a cabo a “maior campanha de deportação da história dos Estados Unidos”, o que resultará numa quebra da mão de obra no setor da construção civil, que tal como na Europa, depende fortemente da classe imigrante.

Ao todo, Donald Trump compromete-se em deportar entre 11 a 20 milhões de imigrantes, com a possibilidade de recorrer à Guarda Nacional, algo que poderá criar um défice no mercado de trabalho daquele país. Ademais, é provável que qualquer programa de deportação em massa seja quase imediatamente confrontada com uma enxurrada de contestações legais por parte de ativistas da imigração e dos direitos humanos.

“Seria uma catástrofe não só para a economia americana como também dos países da América Latina que não têm capacidade para absorver os trabalhadores que saíram de lá”, alerta Pedro Braz Teixeira.

Em 2023, a agência de imigração e alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês) deportou cerca de 140 mil imigrantes, ação avaliada em 420 milhões de euros. Nos quatro anos durante a administração de Donald Trump foram deportadas 1,5 milhões de pessoas, já durante o mandato de Joe Biden, do qual Kamala Harris fez parte, 1,1 milhões de pessoas foram reencaminhadas para os seus países de origem.

O impulso pela nova construção também é defendido pelos democratas. Harris e Walz defendem a atribuição de um incentivo fiscal para as construtoras que avancem com a construção de edifícios destinados a pessoas à procura da sua primeira casa. No total, os democratas esperam que nos próximos quatro anos sejam construídas até três milhões de novas habitações, tanto para aluguer como para venda.

Fora isso, e já de olho, sobretudo, no eleitorado mais jovem, Kamala Harris anunciou um crédito de até 25.000 dólares para a aquisição da primeira habitação. Segundo as contas do Comité para um Orçamento Federal Responsável, as medidas para a habitação apresentadas pela dupla democrática teria um custo de até 200 mil milhões de dólares.

Mais natalidade

Com vista a impulsionar a natalidade do país, tanto os democratas como os republicanos prometem conceder subsídios às famílias mais carenciadas.

O plano de Harris prevê uma expansão do Crédito Fiscal para Crianças, aumentando o abono dos atuais 2.000 dólares para 3.000 dólares. No caso das crianças com menos de seis anos de idade o cheque seria de 3.600 dólares e para as crianças no primeiro ano de vida, o abono seria de 6.000 dólares.

Os republicanos também são a favor deste apoio concedido às famílias mais carenciadas. Na verdade, Trump e JD Vance querem que o valor do abono salte de 2.000 dólares para 5.000 dólares.

O Presidente Trump há muito que defende um maior crédito fiscal para as crianças, e queremos que se aplique a todas as famílias americanas

JD Vance, candidato republicano à vice-presidência dos Estados Unidos

Independentemente do valor, certo é que se espera um aumento da despesa significativo nos cofres do Estado, com ambas as propostas. Segundo as contas mais conservadoras do Comité para um Orçamento Federal Responsável, a expansão do crédito fiscal para crianças poderia custar aos cofres do Estado entre 1,6 e três biliões de dólares ao longo de uma década.

Uma reforma sobre as gorjetas

Tanto os democratas como os republicanos querem alargar a sua base de eleitores, estando de olho nos cerca de quatro milhões de trabalhadores da classe média baixa que dependem fortemente dos rendimentos acumulados à margem dos seus salários fixos. O primeiro a dar esse sinal foi Donald Trump que prometeu isentar os impostos sobre as gorjetas. E um dia depois, Kamala Harris ecoou a proposta.

“Trata-se de uma população muito importante nos Estados Unidos e de um rendimento muito significativo. Ambos estão a apontar para um tipo de eleitorado e ambos apresentaram a proposta no Nevada, um estado que pode ‘virar‘”, explica Henrique Burnay.

 

Embora seja uma medida com interesse para os eleitores que mais dependem destas gratificações, trata-se de mais uma medida que aumentaria a despesa nos cofres públicos. Ambas carecem de detalhes, mas no caso da proposta de Kamala Harris, que defende que esta isenção abranja apenas os trabalhadores do setor dos serviços e da hotelaria, a Tax Foundation estima que a medida teria um custo de cerca de 100 mil milhões de dólares ao longo do período orçamental de 10 anos. Quanto à proposta de Donald Trump, que também pouco esclarece, o think tank prevê uma perda de receita de 107 mil milhões de dólares entre 2025 e 2034.

Mas interessa?

Desde de que Joe Biden anunciou a desistência da candidatura à presidência, as sondagens conduzidas têm sugerido que a corrida à Casa Branca deverá ser renhida, com Kamala Harris a surgir à frente em muitos resultados mas com uma margem reduzida face a Donald Trump. Mas isso pouco significa, uma vez que as eleições só estão marcadas para o dia 5 de novembro e até lá, além das comissões, também os debates irão servir para convencer (ou desencorajar) os eleitores.

As propostas económicas desempenham, no entanto, um papel relevante no debate eleitoral.

“Os dados da economia neste momento são bons, mas não são ótimos. Há um risco de alguns eleitores continuarem a associar Trump a alguma prosperidade económica, e embora Kamala Harris se tenha esforçado para se ‘deslocar’ do legado de Biden, vai continuar a estar associada à performance económica do presidente“, considera o analista de política internacional, Henrique Burnay.

 

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