“Plano do Hidrogénio vai custar muito caro aos consumidores portugueses”

Fundadores da Tertúlia Energia, Abel Mateus, Luís Mira Amaral e Pedro Clemente Nunes, apontam os principais erros da aposta do Governo no hidrogénio. Leia o texto na íntegra.

O Plano do Hidrogénio é justificado pelo Governo como sendo crucial para a descarbonização da economia. Também nos preocupam as alterações climáticas, mas a descarbonização é um problema planetário que só se resolve quando os grandes poluidores como a China, EUA e Japão reduzirem as emissões de CO2. Parece que querem fazer crer que Portugal ao descarbonizar vai limpar a atmosfera por cima do território nacional, o que é um mito.

Nós apenas contribuímos com 0,15% das emissões mundiais: tudo o que fizermos não tem impacto sobre o clima do planeta. Por isso, devemos acompanhar as metas propostas coletivamente pela UE, mas não ser mais ambiciosos, como o Governo está a ser ao fixar um objetivo de descarbonização no setor elétrico de 80% para 2030, quando a UE só recomenda 50%. É que existem custos enormes para os consumidores da descarbonização, que o País não pode suportar depois da maior crise económica dos últimos cem anos.

A premissa básica de que parte o artigo publicado no ECO de 6 de agosto, e assinado por um engenheiro, um professor em políticas públicas do ambiente e alunos da Universidade Nova, é um erro da mais elementar ciência económica. Suponha o leitor que se dirige a um stand de automóveis para comprar um carro e que na salinha de espera depara com um jornal de automóveis que traz um artigo a dizer que a marca e modelo que pretende vai estar disponível para a semana a um preço 60% mais barato.

A mais elementar decisão é que não compre o automóvel e adie a decisão para a semana seguinte. Um dos argumentos base do Manifesto para a Recuperação Económica é tão simples como isto. E não deixa de ser surpreendente que os signatários do referido artigo usem este mesmo argumento para concluir o contrário, ou seja, que o leitor compre imediatamente o automóvel porque daí a uma semana vai estar mais barato! Que racionalidade económica é esta?

Com efeito, os autores dizem que com as taxas sobre o carbono, o hidrogénio verde irá ficar ao mesmo preço do hidrogénio produzido a partir de gás natural em 2030 e muito mais barato em 2050. Então se é assim, a produção de hidrogénio verde só deverá fazer-se entre 2030 e 2050. Fazê-lo agora só ia desperdiçar recursos num projeto não competitivo. Mas é isso mesmo que os subscritores do Manifesto propõem: esperar para ver como evoluem as tecnologias e os preços relativos! Só investir se se esta tecnologia quando e se se tornar competitiva.

E mesmo para 2030 e 2050 não são confiáveis as projeções dos autores, pois não apresentam qualquer justificação técnica. Os 100 euros por tonelada de carbono em 2030 é obviamente um número arranjado para poderem viabilizar o projeto nessa data! A tonelada de carbono está a 25 euros e obviamente que ninguém consegue fazer uma previsão a dez anos de distância. Mas a evolução do shale gas está a indiciar uma queda nos preços do gás natural, ao contrário dos fortíssimos aumentos que os autores sugerem.

Foi esta lógica perversa que levou José Sócrates e Manuel Pinho a incentivarem os empresários, através de preços garantidos e reservas de mercado, a investir fortemente nas eólicas e até nas solares em 2005 enquanto que, se se tivessem feito hoje estes investimentos (como muitos países o estão a fazer), a preços 60% mais baratos para as eólicas e 20 vezes mais baratos para a energia solar, teriam poupado aos consumidores uma grande parte dos 22 mil milhões de Euros, em rendas excessivas e tecnologias imaturas! E ainda não contabiliza o que os consumidores vão ter que pagar por estas energias até 2028.

De facto, todos os documentos publicados (Comissão Europeia e Governo) e opiniões da indústria do hidrogénio reconhecem esta evolução: que hoje o custo de produzir hidrogénio verde é pelo menos três vezes superior ao de outras formas de o produzir, e o referido artigo até diz que por isso é necessário subsidiar a sua produção, evidentemente, à custa do contribuinte. Se daqui a 10 ou 20 anos, como os autores sugerem, o hidrogénio pode competir com outras formas de o utilizar em mistura com gás natural ou em transportes pesados, então será nessa altura que se tomará a decisão de o produzir e não agora, pois é irracional.

Curiosamente, o artigo não aborda os enormes custos que teria a utilização do hidrogénio para substituir o gás natural nas centrais termoelétricas, que é exatamente um dos principais setores que a Estratégia do Hidrogénio contempla.

O argumento de que existem fundos estruturais já assinados ao hidrogénio e que se não os gastarmos neste vão-se perder é propaganda barata. Primeiro, cabe aos países preparar as suas estratégias de recuperação para apresentar à Comissão. Segundo, os fundos para a transição energética podem usar-se de forma mais racional, como defendemos.

Aconselharíamos os autores a estudar um livro clássico sobre investimentos, como o de A. Dixit e R. Pindyck, Investment under Uncertainty, Princeton U. Press, e a teoria das opções reais que medem o valor de adiar uma decisão (porque o investimento, uma vez feito, é irreversível), e o valor da flexibilidade (poder optar por diferentes tecnologias).

Outro argumento é o da flexibilidade. Continua a existir uma grande incerteza sobre a evolução tecnológica em diferentes utilizações da energia. Por exemplo, em relação aos automóveis, os elétricos com bateria de lítio levam uma vantagem incomparável em relação aos de hidrogénio (5,2 milhões contra uns meros 7 mil), e grandes empresas como a GM e Daimler Benz acabam de anunciar que vão abandonar o hidrogénio. A queda espetacular do preço dos painéis solares está a levar cada vez mais empresas e famílias a instalar as suas próprias gerações de energia. As pequenas centrais de biomassa e novas soluções de armazenamento à base de baterias, apontam para sistemas cada vez mais distribuídos de produção da eletricidade e não para um sistema centralizado como o da Estratégia do Governo.

Mas, mais ainda, a inovação não se introduz através da planificação central, como a Estratégia do Governo pretende obrigar a economia a aceitar. Uma estratégia correta deveria encorajar com incentivos horizontais a descarbonização, ou seja, neutrais em relação à tecnologia, e deixar que o mercado e a inovação ditem a melhor solução. Não devemos colocar os ovos todos no mesmo cesto.

Por exemplo, a Comissão Europeia fez uma queixa à Organização Mundial do Comércio acusando a China de dumping nos preços dos painéis solares. Ora, se esta queixa tiver procedimento, a UE irá aplicar fortes direitos aduaneiros sobre estes, o que poderá inviabilizar os últimos leilões da energia solar em Portugal.

Finalmente, o outro erro fundamental do artigo e da Estratégia do Hidrogénio é que afirma que substituindo fontes de energia mais baratas por outras mais caras vai dinamizar o crescimento. Ora, é da elementar teoria do crescimento que uma economia só cresce se baixar custos ou aumentar produtividade, ou inventar novos produtos e melhorar a qualidade dos produtos. A Estratégia do Hidrogénio nada faz quanto a isto.

Não, e, antes pelo contrário, repete os erros das eólicas que contribuíram para a nossa estagnação, que está à vista de todos podemos deixar de repudiar quer a tentativa de nos colarem a um modelo ultrapassado, quer a manipulação da ciência para defender apologeticamente posições de políticas públicas erradas, quando o nosso país está a sofrer uma das maiores catástrofes da sua história recente: é uma afronta aos milhares de pobres deste país. O nosso Manifesto (www.tertuliaenergia.com) contém um conjunto de propostas claras e concretas de como recuperar a economia. A insistência na Estratégia do Hidrogénio do Governo é como se alguém dissesse a um filho a quem lhe ardeu a casa: não te preocupes porque te vou oferecer um Ferrari!

  • PhD Universidade de Pennsylvania e professor universitário de Economia
  • Pedro Clemente Nunes
  • Professor catedrático do IST (especialista em Química)

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