Pós-pandemia e o uniforme profissional: o fim dos fatos e das gravatas?

O aumento da flexibilidade no escritório trouxe também alterações no vestuário. Algumas empresas garantem que nada mudou mas, noutras, as mudanças começaram muito antes da pandemia.

Se entrar na Mercer, é provável que tenha alguma dificuldade em encontrar trabalhadores com vestuário muito formal. Na consultora de recursos humanos, a tendência de vestuário profissional tem mudado nos últimos anos e estas alterações já começaram antes da pandemia.

Há cinco anos, quem entrasse na Mercer ou recebesse uma visita por parte de um consultor deparava-se com alguém vestido de forma muito tradicional, fato e gravata do lado dos homens e vestuário formal do lado das mulheres. Hoje, o cenário mudou radicalmente. Se fizermos a mesma visita, conseguimos ver pessoas vestidas de forma perfeitamente casual e mesmo desportiva”, descreve Tiago Pimentel, head of marketing and communications da Mercer Portugal.

A mudança de vestuário na Mercer foi implementada como resposta à vontade expressa pelos trabalhadores, assegura Tiago Pimentel, e o facto de ser uma força de trabalho jovem acelerou esta transição. “Esta evolução do dress code não foi radical, mas foi uma resposta clara às expectativas das nossas pessoas”, garante. A evolução começou com o “casual day”, depois com a não obrigatoriedade de gravata, até chegar ao vestuário mais desportivo que se aplica hoje na empresa, explica.

Não sendo esse o caso da consultora, meses a trabalhar remotamente a partir de casa devido à pandemia levaram milhares de profissionais a deixarem de lado os fatos, as gravatas e as roupas mais formais para as substituírem por roupa casual e confortável. “Não tenho dúvidas de que, em muitas empresas, este será um tema que irá surgir por parte das pessoas, que durante o confinamento se habituaram a ter um cuidado diferente no seu vestuário. Acredito que existe uma consciência que há coisas que podem ser alteradas, pelo que sim, acredito que o dress code possa ser uma dessas coisas”, remata Tiago Pimentel.

Durante muitas semanas, o vestuário formal para se deslocarem ao escritório ou estarem presentes em reuniões ou eventos que exigem um dress code mais formal, deixou de ser uma preocupação. Isto, à exceção das reuniões com o chefe, ou com os colegas através de videochamadas (ainda assim, só visível a indumentária da cintura para cima). Um pouco por todo o mundo, a pandemia da Covid-19 levou retalhistas à falência: um dos casos mais mediáticos foi o da Brooks Brothers, uma das mais antigas lojas de fatos dos EUA. O trabalho remoto pode estar a acelerar tendências de vestuário – do informal para o formal -, nos mais diversos setores, mas as mudanças no vestuário profissional já começaram.

Os nossos colaboradores são, no fundo, o rosto da empresa nas relações do dia-a-dia com quem escolhe a nossa energia. As novas peças apostam numa lógica de proximidade ao quotidiano de clientes e colaboradores, com peças de aspeto mais casual.

Joana Garoupa

Diretora de marketing e comunicação da Galp

Em vários setores, como a banca ou a hotelaria, as exigências com a indumentária têm sido aliviadas nos últimos anos. Em muitos casos, o vestuário “mais casual” é uma forma de criar um ambiente mais informal entre os trabalhadores, sem descurar a importância de estar apropriadamente vestido para ocasiões específicas. Nos bancos, o uso da gravata deixou de ser obrigatório durante os meses de verão, sendo exclusiva para saídas públicas ou eventos que assim o exijam. Em Portugal, são exemplo disso o BCP ou a Caixa Geral de Depósitos. Também no Eurobic, o uso da gravata passou a ser facultativo. Lá fora, a roupa casual foi autorizada no banco norte-americano Goldman Sachs.

Hoje, as empresas têm menos receio de seguir as tendências de moda, até porque “o confortável está cada vez mais na ordem do dia e os designers de moda têm contribuído para veicular a ideia de que a formalidade não é necessariamente o oposto de conforto”, explica à Pessoas Mónica Neto, diretora do Portugal Fashion.

Também na hotelaria se começa a assistir a algumas mudanças. Nos hotéis Vila Galé foram retirados acessórios como laços e gravatas e, nas funções em que eram obrigatórios, deixaram de usar-se os blazers ou casacos, garantiu fonte oficial da cadeia hoteleira. Por outro lado, com a pandemia, as máscaras de proteção individual passaram a fazer parte da indumentária.

As fardas também podem estar na moda

Além desta aproximação à moda e às tendências atuais do vestuário, nas empresas começa a verificar-se um pensamento “responsável e sustentável por parte das empresas e dos consumidores, para uma forma de vestir que respeite o bem-estar em contexto profissional”, ressalva Mónica Neto. No que toca ao género, há cada vez menos diferenças entre o vestuário para homens e para mulheres, garante.

Também na Galp, a empresa quis seguir as tendências de moda e, assim, começou a introduzir elementos mais desportivos em vestuário mais formal.

A roupa de trabalho pode comunicar muito mais sobre uma marca do que o logótipo da mesma.

Mónica Neto

Diretora do Portugal Fashion

“No que aos fardamentos diz respeito, há uma abertura crescente para a aposta em design e para as parcerias com designers, que resultam numa personalização do vestuário, muito além da mera aplicação de um logótipo numa t-shirt”, explica a diretora do Portugal Fashion, que defende que o mais importante no vestuário profissional é a comunicação dos valores aliados a cada instituição ou marca e há novas tendências.

A pandemia intensificou a preocupação com questões de segurança e bem-estar e há tendências claras: o vestuário profissional é uma forma de comunicar os valores da organização, e há menos consumo, menos variedade de peças, mais critério de qualidade, conforto e gestão sustentável no que toca ao vestuário dos trabalhadores.

O dress code profissional está, por isso, a ser “desconstruído”, admite a responsável. “Talvez por culpa de uma cultura e moda pouco instalada na nossa sociedade, que certamente traria muito mais criatividade aos dias do mundo de trabalho”, analisa.

Em 2019, a Galp substituiu as fardas “tradicionais” para criar maior “proximidade” entre o cliente e o trabalhadores das estações de serviço e das lojas da marca e, para isso, contou com a ajuda do designer de moda Pedro Pedro. “Os nossos colaboradores são, no fundo, o rosto da empresa nas relações do dia-a-dia com quem escolhe a nossa energia. Por isso, as novas peças apostam numa lógica de proximidade ao quotidiano de clientes e colaboradores, com peças de aspeto mais casual”, explica Joana Garoupa, diretora de marketing e comunicação da Galp.

Coleção de fardas da Galp, apresentada durante a 45.ª edição do Portugal Fashion, em Lisboa.

A coleção das novas fardas foi apresentada num desfile, na 45.ª edição do Portugal Fashion, em Lisboa, com modelos e trabalhadores da empresa. Para a Galp, a decisão foi uma forma de “internacionalizar o talento português” e modernizar os uniformes. Para homem, mulher, unissexo, e com versões específicas para grávidas, o objetivo do designer foi dar vida a peças que representassem “proximidade” ao quotidiano dos clientes.

“O papel do designer enquanto fator diferenciador no fardamento de uma determinada marca é crucial e bastante especializado, tendo um impacto de marketing significativo. Este tipo de parcerias tem vindo também a desconstruir a ideia de que uma farda é algo imposto, inestético, desligado das tendências de moda, e meramente destinado a veicular branding. A roupa de trabalho pode comunicar muito mais sobre uma marca do que o logótipo da mesma”, sublinha Mónica Neto. A responsável conta ainda que alguns trabalhadores já demonstraram vontade de ficar com algumas peças para usar no seu dia-a-dia. “Tivemos a preocupação de desenvolver uma paleta cromática alargada, incorporando novos tons, mais naturais, frescos e atentos às preocupações de sustentabilidade que fazem parte da matriz de atuação da Galp em todas as atividades e mercados onde temos operações.

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