PS ganha ao Governo no corte de IRS, gestão orçamental coube a Sarmento

Entre 2024 e 2025, dos 3,7 mil milhões de euros de alívio fiscal, 70% foi graças ao PS e um terço é da autoria da AD, mas a gestão orçamental coube sobretudo a Miranda Sarmento.

O Governo aprovou em Conselho de Ministros uma nova redução de IRS, a terceira apresentada por Luís Montenegro e Joaquim Miranda Sarmento, para produzir efeitos já nos salários a pagamento este ano, mas, afinal, quem é responsável político pelo corte de impostos sobre os rendimentos singulares nos orçamentos de 2024 e 2025? Na verdade, o PS foi responsável político por um corte de IRS de cerca de 2,6 mil milhões de euros em dois anos, nos orçamentos de 2024, ainda proposto pelo governo socialista, e 2025, enquanto o Governo da AD apresentou e foi responsável direto por um corte de IRS de 1,1 mil milhões de euros, sem considerar a atualização de escalões deste ano e já considerando a nova proposta, agora anunciada, e estimada em 500 milhões de euros. Já a gestão orçamental desta redução total de impostos em sede de rendimento de particulares, e o respetivo impacto nas contas públicas, acabou por ser da responsabilidade política e orçamental de Miranda Sarmento nos dois anos em análise.

Vamos às contas: Em concreto, fazendo contas ao alívio total gerado em dois anos para os contribuintes, de 3.691 mil milhões de euros, 71% ou 2.626 mil milhões de euros foram resultado das iniciativas socialistas, o que corresponde a 71% do total, e menos de um terço (28%) ou 1.065 milhões de euros são da responsabilidade dos dois Governos da Aliança Democrática (AD), chefiados por Luís Montenegro, segundo as contas do ECO com base na Conta Geral do Estado de 2024 (OE2024) e no relatório do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), e já contabilizando a redução adicional do imposto de 500 milhões de euros, com efeitos retroativos a janeiro, proposta pelo Governo e que ainda terá de passar pelo crivo do Parlamento.

Só em 2024, sob a batuta do então ministro das Finanças, Fernando Medina, o Governo socialista de maioria absoluta baixou o imposto em 1.926 milhões de euros, dos quais 200 milhões destinaram-se ao alargamento do IRS Jovem, medida que, na altura, ainda estava confinada a cinco anos de isenção faseada e exigia a obtenção de pelo menos uma licenciatura.

Fonte: Conta Geral do Estado de 2024

Mais tarde, já enquanto líder da oposição, o PS de Pedro Nuno Santos conseguiu aprovar, em coligação negativa com o Chega, outra iniciativa, em julho do ano passado, que baixou o imposto em mais 450 milhões de euros, através da redução das taxas entre 0,25 e 1,50 pontos percentuais até ao 6.º escalão, isto é, até os 41.629 euros anuais de matéria coletável. De salientar, contudo, que a baixa do IRS obtida a meio do ano do passado beneficiou também de outras medidas como a subida, proposta pelo BE, da dedução específica, que é montante que abate ao imposto, e que passou de 4.104 euros para 4.350,24 euros, e a atualização do mínimo de existência, da responsabilidade de PSD/CDS, e que diz respeito ao montante isento de imposto.

Este impacto extra de 450 milhões sentiu-se logo no bolso dos contribuintes porque o então primeiro Executivo de Luís Montenegro decidiu refletir na redução das tabelas de retenção na fonte, em setembro e outubro, com efeitos retroativos a janeiro. Ainda assim, esta medida não violou a norma travão, que impede o Parlamento de cortar mais receita fiscal face ao programa no OE, porque os descontos mensais de IRS funcionam como adiantamentos do imposto a pagar. A verdadeira fatura só chega no ano seguinte, isto é, em 2025, na altura do acerto de contas, que é quando o contribuintes têm de liquidar o IRS dos rendimentos obtidos no ano anterior.

Por isso, os referidos 450 milhões de euros de custo adicional com a descida do IRS só foram inscritos nas contas de 2025. Do mesmo modo, outra parte relativa ao alargamento do IRS Jovem, da autoria do PS, no valor de 250 milhões também só contou este ano. Tudo somado, são 2.626 milhões de euros de redução do IRS aprovados pelo PS, primeiro estando no Governo e depois na oposição.

Fonte: Relatório do Orçamento do Estado para 2025

Chegada ao poder, em abril de 2024, a primeira equipa de Luís Montenegro ainda tentou levar avante a sua proposta redução do IRS até ao 8.º e penúltimo patamar de tributação, mas face ao muro erguido por PS e Chega, viu-se forçada a retirar a iniciativa, conseguindo apenas fazer passar a atualização do mínimo de existência, que corresponde ao valor isento de imposto.

Para Orçamento do Estado de 2025 (OE2025), aprovado graças à abstenção do PS, o Governo da coligação PSD/CDS avançou com a atualização dos escalões do IRS em 4,6%, o dobro da inflação prevista, mas não alterou as taxas do imposto. E subiu novamente a dedução específica, desta feita para 4.462,15 euros, ou seja, dando mais 107,91 euros limpos de impostos. O custo deste novo alívio fiscal vai refletir-se especialmente nas contas públicas de 2026, pelo que ainda não foi contabilizado neste somatório de medidas fiscais.

Ainda assim, a medida mais emblemática e com maior impacto foi o alargamento do IRS Jovem, de cinco para dez anos de benefício, e a contribuintes até aos 35 anos mesmo sem grau académico superior. A fatura chega aos 525 milhões de euros, de acordo com o relatório do OE 2025.

Para além disso, o primeiro Executivo de Montenegro ainda conseguiu duplicar o limite da consignação de IRS, de 0,5% para 1%, destinada a instituições de utilidade pública, uma medida que teve um custo de 40 milhões de euros, inscritos no Orçamento do Estado para 2025. No entanto, esta benesse deixou de fora as associações juvenis e de estudantes, como o ECO já noticiou, de acordo com um ofício da Autoridade Tributária.

Fonte: Relatório do Orçamento do Estado para 2025

Juntando agora a proposta, que o Governo acaba de submeter à Assembleia da República, de uma nova descida das taxas entre 0,4 e 0,6 pontos percentuais até ao 8.º e penúltimo escalão, são mais 500 milhões de euros de corte de receita em IRS. Tudo somado, dá 1.065 milhões de euros em redução do imposto sobre agregados familiares, e sem incluir a atualização de escalões deste ano.

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, acompanhado pelo seu governo, à chegada para a sessão plenária de apresentação do Programa do XXV Governo Constitucional, na Assembleia da República, em Lisboa, 17 de junho de 2025. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSAJOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

A nova descida do IRS em 500 milhões de euros, proposta pelo Governo de Luís Montenegro para ter efeitos já este ano, volta a estar nas mãos de Chega e PS para passar incólume pelo crivo do Parlamento. E há risco de coligação negativa como a de há um ano, quando o partido de André Ventura votou ao lado do projeto dos socialistas, à revelia da coligação da Aliança Democrática (AD) – PSD/CDS, que sustenta o Executivo. Mas PSD está mais confiante desta vez.

Apesar da “maioria maior”, com 91 eleitos, Montenegro não tem o poder absoluto, só alcançado com pelo menos 116 cadeiras das 230 do hemiciclo. Por isso, precisa de um consenso com o Chega, que subiu a líder da oposição, com 60 parlamentares, ou com o PS, que caiu para terceira força política, com 58 deputados, para conseguir aprovar uma a redução das taxas do IRS entre 0,4 e 0,6 pontos percentuais até ao 8.º escalão, o que dará uma poupança até cerca de 15 euros mensais, no caso de um casal com dois filhos, ambos a ganhar um ordenado bruto de 3.000 euros por mês.

Basta uma ou outra força partidária para viabilizar a baixa do imposto: com o partido de Ventura, a AD consegue 151 votos, mais 35 do que o necessário; com o PS, alcança o apoio de 149 deputados, mais 33 do que os precisos para uma maioria absoluta.

E, para que as tabelas de retenção na fonte reflitam esse alívio fiscal já em setembro com retroativos a janeiro, em plena véspera das eleições autárquicas, como pretende o Ministério das Finanças, é preciso que o diploma seja aprovado até 16 de julho, último plenário com votações antes da Assembleia da República encerrar para férias. Caso os prazos derrapem, só em setembro os deputados poderão aprovar a proposta e os efeitos nos bolsos dos contribuintes só deverão chegar mais tarde, em outubro.

O Ministério das Finanças, liderado por Joaquim Miranda Sarmento, tem intenção de retroagir a descida do imposto a janeiro, já em setembro, tal como já defendeu em entrevista ao ECO, em plena campanha eleitoral para as legislativas de 18 de maio. Mas, para tal, é preciso que os trabalhos no Parlamento não derrapem.

Porém, se Chega, com 60 eleitos, e PS, com 58 parlamentares, se juntarem no chumbo, conseguem 118 votos, o que é mais do que suficiente para fazer cair a medida. À partida nenhum dos dois quer deitar já a toalha ao chão. E o líder da bancada do PSD, Hugo Soares, parece confiante: “Eu não tenho qualquer tipo de dúvida que os dois maiores partidos da oposição terão a responsabilidade de não só aprovarem as medidas, mas também de permitirem já agora que este processo legislativo seja um processo legislativo célebre, porque quanto mais tempo estiver aqui no Parlamento, mais tempo demoram os portugueses a ter uma baixa de impostos e os portugueses não perdoarão aos políticos se atrasarem este processo legislativo com discussões e conversas que não dizem nada à vida dos portugueses”.

O presidente do partido de extrema-direita, André Ventura, já disse que está disponível para negociar a proposta do Governo, se este aceitar descer mais nos escalões mais baixos e garantir aumentos de deduções fiscais com habitação e saúde.

E afastou uma eventual nova coligação negativa. “Não me parece, acho que se houver boa vontade do Governo esse cenário não vai acontecer”, afirmou Ventura, esta quinta-feira citado pela Lusa, anotando que terá, na próxima semana, contactos com a bancada parlamentar do PSD, ainda antes de o diploma ser discutido e votado no Parlamento. Em concreto, o líder do Chega pretende que as descidas no IRS sejam mais acentuadas para “os que ganham menos e para a classe média”.

O Chega vai propor alterações de diminuição da incidência fiscal nos escalões mais baixos, isto é, onde se ganha menos e onde se ganha abaixo do salário médio, e vamos propor que essa descida seja maior.

André Ventura

Presidente do Chega

Neste sentido, “o Chega vai propor alterações de diminuição da incidência fiscal nos escalões mais baixos, isto é, onde se ganha menos e onde se ganha abaixo do salário médio, e vamos propor que essa descida seja maior”, explicou. Por outro lado, o partido quer garantir um aumento das deduções em matéria de despesas de saúde e de habitação. “Se estas duas metas forem assumidas também pelo Governo, eu diria que temos condições para conseguirmos rapidamente, nos próximos meses, ter um pacote fiscal em termos de IRS e em termos de IRC”, sinalizou.

Do lado do PS, já não existe o braço de ferro com Pedro Nuno Santos, que abandonou os comandos do partido, depois do terramoto eleitoral que atirou os socialistas para terceira força política. Há um ano, o então secretário-geral do PS traçou uma linha vermelha e travou a descida das taxas nos escalões mais elevados (7.º e 8.º), e conseguiu, em coligação com o Chega, fazer passar um projeto autónomo que baixou o imposto apenas até ao 6.º patamar de tributação.

Na altura, foi viabilizada a iniciativa dos socialistas, com a abstenção do partido de André Ventura, que aplicou uma descida das taxas entre 0,25 e 1,50 pontos percentuais até ao 6.º nível de tributação, isto é, até os 41.629 euros anuais de matéria coletável, o que corresponde a um vencimento mensal bruto de cerca de 3.000 euros, para um contribuinte não casado e sem dependentes, segundo as contas do fiscalista Luís Nascimento, da consultora Ilya para o ECO.

Agora, o candidato único à liderança do PS, José Luís Carneiro, está mais aberto a firmar pactos com Luís Montenegro em várias matérias, incluindo impostos. De salientar, no entanto, que os socialistas defendiam o IVA zero em produtos alimentares essenciais, a decida do IVA da eletricidade e a baixa do IUC e opunham-se a um nova redução do IRS, de acordo com o programa com que concorreram às legislativas antecipadas de 18 de maio.

Neste momento, “o grupo parlamentar do PS vai avaliar a proposta e tomará uma posição em breve”, adiantou ao ECO o líder da bancada, Pedro Delgado Alves, escusando-se a mais comentários.

O grupo parlamentar do PS vai avaliar a proposta e tomará uma posição em breve.

Pedro Delgado Alves

Líder do grupo parlamentar do PS

O programa do Governo já consagrava uma nova descida do IRS até ao 8.º escalão em dois mil milhões de euros até 2029, com uma redução de 500 milhões já em 2025, sendo este um adicional ao Orçamento do Estado para 2025 (OE2025). O 8.º penúltimo nível de tributação abrange matéria coletável até 83.696 euros anuais, o que corresponde a um salário bruto mensal de cerca de 7.000 euros. As taxas variam, atualmente, entre 13%, para o primeiro nível de tributação, e 45% para o 8.º. patamar.

A proposta que deu entrada no Parlamento esta quarta-feira, depois de ter sido aprovada num Conselho de Ministros extraordinário em formato eletrónico, é diferente da versão original que o PSD apresentou há um ano, a qual propunha baixar as taxas dos 7.º e 8.º escalões em 0,50 e 0,25 pontos percentuais, passando de 43,50% para 43% e de 45% para 44,75%, respetivamente, e que caiu com os votos de PS e Chega, em coligação negativa. A nova iniciativa, enviada agora aos grupos parlamentares, pretende reduzir a tributação dos dois patamares em 0,40 pontos para 43,10% e 44,60%. Isto é, baixa menos no 7.º escalão mas mais no 8.º.

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