Quota litis: Um extra nos honorários?

Luís Menezes Leitão, bastonário da OA, e Sofia Martins, sócia da Miranda, defendem que a proibição do pacto da quota litis mantém toda a razão de ser. Por outro lado, Fernando Antas da Cunha discorda.

Quota litis. Quota palmarium. Sabe o que as diferencia? Sabe que existe uma linha ténue entre ambas? Nem sempre é fácil compatibilizar certas práticas com a advocacia, mas os Estatutos da Ordem dos Advogados (EOA) proíbem expressamente a celebração de pactos de quota litis, quer para advogados em nome individual, quer para sociedades.

Esta quota faz depender os honorários do advogado exclusivamente do resultado obtido pelo mesmo no exercício do patrocínio, ou seja, o cliente apenas paga honorários se a causa for ganha, por exemplo.

A proibição do pacto de quota litis “consiste na proibição da celebração de acordos ‘entre o advogado e o seu cliente, antes da conclusão definitiva da questão em que este é parte, pelo qual o direito a honorários fique exclusivamente dependente do resultado obtido na questão e em virtude do qual o constituinte se obrigue a pagar ao advogado parte do resultado que vier a obter, quer este consista numa quantia em dinheiro, quer em qualquer outro bem ou valor’”, explicou à Advocatus Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos Advogados (OA).

Para o líder dos 32 mil advogados do país, a norma que proíbe estes pactos é necessária para assegurar a independência profissional do advogado, evitando assim interesses diretos no resultado de litígios. “Na verdade, a ‘quota litis’ transformaria o advogado em sócio do cliente naquele processo, o que lhe retiraria o distanciamento que deve sempre ter em relação aos interesses em disputa”, ressalva Luís Menezes Leitão.

A ‘quota litis’ transformaria o advogado em sócio do cliente naquele processo, o que lhe retiraria o distanciamento que deve sempre ter em relação aos interesses em disputa.

Luís Menezes Leitão

Bastonário da Ordem dos Advogados

Proibida em quase todos os ordenamentos jurídicos, salvo raras exceções como nos Estados Unidos da América, tanto o bastonário da OA como Sofia Martins, sócia da Miranda & Associados, defendem a manutenção desta norma.

“O dever primordial de qualquer advogado deve ser o de defender os interesses do seu cliente, independentemente do que possa vir a receber fruto do seu trabalho. O advogado não deve ter nenhum interesse pessoal, sob pena de tentação de entrar por atalhos, esquecendo que o interesse que deve defender não é o seu”, nota a sócia.

Diferente é a posição de Fernando Antas da Cunha, managing partner da Antas da Cunha ECIJA, que defende que numa era cada mais globalizada não faz sentido a proibição do pacto de quota litis.

“Tenho defendido que a nossa profissão deverá continuar a ter uma regulação própria e deverá ser absolutamente intransigente quanto à violação de qualquer obrigação deontológica com que nos guiamos. O que, porém, não deveria acontecer, é que uma Ordem que existe para proteger os interesses dos advogados e dos nossos clientes, possa servir de travão ao desenvolvimento e à dinâmica normal do mercado”, nota o managing partner.

O artigo 105º do EOA faz depender os honorários dos advogados do “resultado obtido”, entre vários outros requisitos, podendo a proibição do pacto de quota litis colocar em causa esta norma. Luís Menezes Leitão garante à Advocatus que não, pois a lei “admite inclusivamente a estipulação de ‘success fee’, atribuindo uma majoração dos honorários em função dos resultados obtidos”.

Também para Sofia Martins, o que a norma prevê é algo bem diferente da quota litis. “O trabalho do advogado é algo muitas vezes pouco palpável para o cliente, sobretudo num cenário de representação no âmbito de um litígio. E também muitas vezes dificilmente quantificável. É por essa razão que o Estatuto prevê vários critérios, que devem ser articulados entre si, face ao caso concreto”, afirma. Entre os critérios, a advogada indica a “importância dos serviços prestados”, a “dificuldade e urgência do assunto” ou o “tempo despendido”.

O trabalho do advogado é algo muitas vezes pouco palpável para o cliente, sobretudo num cenário de representação no âmbito de um litígio.

Sofia Martins

Sócia da Miranda & Associados

Para a sócia da Miranda o que não pode suceder é que o resultado obtido seja o único fator para o cálculo dos honorários.

Assegurando que cada vez mais os clientes exigem uma partilha de risco, Fernando Antas da Cunha adianta que eles estão dispostos a pagar mais por uma boa assessoria.

“Desde há 20 anos que me habituei a esta limitação e que convivo com ela de forma normal. É verdade que durante estes anos, habituei-me a propor aos nossos clientes, em determinadas operações e/ou processos, um determinado valor a título de majoração sobre o resultado final. No plano prático, se me perguntarem qual a diferença, tenho dificuldade em responder”, admite o advogado.

É verdade que durante estes anos, habituei-me a propor aos nossos clientes, em determinadas operações e/ou processos, um determinado valor a título de majoração sobre o resultado final.

Fernando Antas da Cunha

Managing partner da Antas da Cunha ECIJA

Ainda assim, o problema prende-se com a quantificação do ‘resultado obtido’. Como é possível determinar o valor deste critério? “Não há uma quantificação legal, dependendo naturalmente da estipulação das partes”, explica o bastonário da OA.

Por outro lado, o managing partner da Antas da Cunha ECIJA demonstrou à Advocatus várias formas de estipular esse valor.

“Num processo judicial em que o nosso cliente seja autor ou seja réu, numa parte percentual do resultado obtido, seja esse resultado uma parte da condenação, ou da poupança que representou o nosso patrocínio. Numa operação de fusões e aquisições, fixar um valor em função do sucesso da operação. Num processo fiscal, um valor equivalente à poupança gerada ao cliente. Enfim, numa atividade cujo o grande capital é o humano, deverá existir uma flexibilidade para que se possam criar e manter relações estáveis e duradouras com os nossos clientes”, explica.

Fronteira entre quota litis e quota palmarium

Uma linha ténue separa a quota litis da quota palmarium ou success fee. Enquanto na primeira a remuneração consiste integralmente numa percentagem do resultado obtido, na segunda, além dessa percentagem, existe uma remuneração fixa, que é paga independentemente dos resultados da causa.

“A quota palmarium é assim um misto da quota litis e da estipulação prévia de honorários”, explica o bastonário da OA.

Não existe nenhuma fórmula mágica para cálculo da quota palmarium ou success fee. A mesma poderá ser fixada em quantia certa ou em percentagem, podendo ser fixa ou variável em função de várias ocorrências”, refere Sofia Martins.

Podemos concluir que a quota palmarium é uma exceção à quota litis? Luís Menezes Leitão considera que não.

Posição contrária tem Fernando Antas da Cunha, que defende que tem sido considerada uma exceção até aos dias de hoje. “Não obstante, na prática, penso que está a cair completamente em desuso pelo que, como tenho defendido quanto a outros temas, julgo que a nossa Ordem deverá adaptar-se aos tempos modernos”, reforça o managing partner.

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