2017: o regresso do resgate? (I)
Portugal está mais perto de um resgate, como sucedeu em 2011? Portugal está agora numa posição francamente melhor do que há seis anos, mas não está de todo livre de um igual destino.
Depois da emissão de dívida da semana passada onde ficou patente que a subida de juros do mercado secundário se refletiu num aumento dos custos de financiamento do Estado, não faltou também quem dissesse que tal significava que Portugal estava caminhar para uma situação parecida com 2010 ou 2011, ou seja pouco antes do pedido de resgate.
Neste artigo, tento fazer uma comparação muito breve e de certo modo simplista, tendo em conta apenas as principais variáveis: crescimento, défice e dívida pública, ratings e as taxas de juro de mercado e spreads face à Alemanha. Em artigos futuros, irei complementar a análise não só destas variáveis, mas também incluir outras como o endividamento externo, política monetária e ambiente externo em geral.
Tendo em conta apenas as perspetivas atuais para o crescimento e finanças públicas, e sem querer estragar a surpresa de quem for ler todo o artigo, a conclusão que Portugal está agora numa posição francamente melhor do que há seis anos. No entanto, não está de todo livre de um igual destino.
As perspetivas de crescimento e para o défice são melhores, e claro, as taxas de juro partem de um nível mais baixo, ainda que o diferencial face à Alemanha seja superior. No entanto, o stock de dívida é bastante maior, teima em não baixar, pelo que o impacto de uma subida dos juros será também ainda mais difícil de gerir do que em 2011.
Começando pelo crescimento. No início de 2011, já era praticamente consensual que Portugal iria passar por uma recessão, no entanto as estimativas do governo inscritas no famoso PEC IV – que apontavam para uma queda de 0.9% acabaram por ser largamente ultrapassadas pela realidade -, o PIB caiu 1.8%, mas mesmo assim um pouco menos do que a troika previu aquando da assinatura do memorando.
Claro que em 2012 a situação continuou a deteriora-se. O PEC IV previa um crescimento de 0,3%, depois da assinatura do memorando a Troika previa uma queda de 1.8% e a realidade, como todos sabemos foi bem pior, com uma contração de 4%, a que se seguiu uma nova contração superior a 1% em 2013. Atualmente, embora as perspetivas não sejam fantásticas – o crescimento potencial teima em ser baixo, mesmo as estimativas mais conservadoras apontam para um crescimento acima de 1% nos próximos anos.
As melhores perspetivas estão não só relacionadas com o (reduzido) impacto das reformas estruturais, mas também com uma menor necessidade de consolidação orçamental. O défice do Estado é agora bem menor do que em 2011. Na altura, o défice era estimado que tivesse ficado nos 5% do PIB e baixasse para os 3% em… 2012! Como sabemos, a realidade foi pior. Não só o ponto de partida de 2011 foi ainda pior como a redução foi bastante mais lenta, e apenas se tenha chegado aos 3% (sem “one offs”) em 2015.
Já quanto à dívida, a comparação entre 2011 e a atualidade, bastante menos simpática. Em 2011, o governo estimava então que a dívida pública atingisse os 88% do PIB, começando depois a descer logo em 2013. No entanto, acabou por ser revista em alta ainda em 2011 para 111% do PIB, depois da inclusão da dívida da maioria das empresas públicas, tendo subido praticamente ininterruptamente desde então, fruto da lenta redução do défice, da forte recessão no período do ajustamento e do tépido crescimento dos últimos anos.
Atualmente, a dívida está por volta dos 130% do PIB, esperando o governo que desça residualmente já este ano – algo (no mínimo) bastante improvável…
No entanto, numa nota menos negativa, embora o stock seja agora bastante mais elevado e mesmo tendo em conta toda a incerteza quanto ao sistema financeiro, existe agora menos desconfiança quanto ao “verdadeiro” valor da dívida do que há seis anos já que uma grande parte da dívida de empresas públicas foi incluída nas contas das administrações públicas e não subsistem já grandes surpresas quanto às Parcerias Público-Privadas.
Quanto ao acesso a mercado, que se pode medir pela evolução dos ratings e das taxas de juro, a comparação é ainda menos simpática para a situação atual:
- Começando pelos ratings: em 2011, Portugal tinha ainda um rating de “investment grade”, mas a tendência era claramente negativa, com sucessivos “downgrades” e o acesso a mercado a tornar-se cada vez mais difícil. Atualmente, apesar de os ratings estarem estáveis há mais de 2 anos (depois de terem até recuperado até 2015), Portugal está abaixo de “investment grade” pelas três maiores agências e está perto de perder acesso ao programa de compras do BCE caso a (famosa) última agência que mantém Portugal acima da linha de água altere o seu rating.
- Quanto às taxas de juro de mercado, a comparação com há seis anos é melhor, mas apenas quando se compara a taxa de juro absoluta. Em 2010, a taxa de juro média a 10 anos andou nos 5.4%, disparando para mais de 10% em 2011. Em 2016, apesar do aumento gradual, a taxa de juro a 10 anos andou em média pelos 3.2%. Nos primeiros dias deste ano, já passou os 4%, embora tenha descido nos últimos dias, emissão da semana passada já refletiu este aumento.
- Mas tão ou mais importante do que acompanhar a evolução do nível das taxas de juro, é mesmo acompanhar a evolução da medida de perceção de risco — o spread face às taxas alemãs. E aqui, a comparação face a 2010 e 2011, já é mais preocupante. Atualmente, o spread anda por volta dos 350 pontos base. O ano passado, a média foi de cerca de 310 pontos, bastante menos do que em 2011 (760 pontos), mas já acima dos 260 pontos de 2010. Ou seja, ainda que o programa de compras do BCE esteja de certa forma a distorcer o mercado de dívida pública da área do euro, a perceção de risco por parte dos investidores é agora maior do que em 2010 – mesmo com um défice bastante menor e com perspetivas de crescimento mais animadoras.
Este aumento do spread sinaliza uma mensagem bastante clara do mercado de dívida pública: embora o défice seja agora bastante mais baixo e não se anteveja uma recessão, o elevado stock de dívida é cada vez mais difícil de gerir, sem uma aceleração do crescimento e sem uma continuação do ajustamento que se iniciou com o programa de ajustamento.
Em suma, Portugal está ainda relativamente longe de perder o acesso ao mercado e as variáveis de “fluxo” (crescimento e défice) melhoraram. No entanto, a variável de stock (dívida) piorou, pelo que a sensibilidade a um aumento das taxas de juro de mercado será também maior. Muito provavelmente, 2017 não será como 2011, mas a distância, medida por estas variáveis, não é assim tão grande.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
2017: o regresso do resgate? (I)
{{ noCommentsLabel }}