A Autoridade Tributária e o Direito da União Europeia
O Direito que cabe à Autoridade Tributária aplicar não é (nem pode ser) diferente, nem para mais nem para menos, do Direito que cabe aos tribunais aplicar
Continua na ordem do dia a discussão em torno da vinculação da Autoridade Tributária ao Direito da União Europeia. Neste contexto, em abono da desvinculação, vozes há que se arrogam de uma pretensa impossibilidade de desaplicação pela Autoridade Tributária de normas legais (mesmo que desconformes ao Direito europeu).
Ultrapassado o pleonasmo, o uso da expressão (“normas legais”) parece dirigir-se em exclusivo às normas domésticas – i.e., às normas previstas na legislação nacional de Direito tributário.
Perante o princípio do primado do Direito europeu e a cláusula geral de empenhamento na construção da União Europeia, ambos com assento constitucional, esta posição não pode deixar de surpreender.
Sendo igualmente inconsistente com o princípio da subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei previsto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Quer a jurisprudência europeia quer a jurisprudência dos nossos tribunais administrativos e fiscais superiores desmentem o acerto de tal posição.
A Autoridade Tributária tem o dever de desaplicar normas nacionais de Direito tributário incompatíveis com o Direito da União Europeia, independentemente da natureza – originária ou derivada – da norma europeia preterida. As tarefas hermenêutica e aplicativa do Direito, intrínseca e naturalmente subjacentes à sua atividade, assim o clamam.
O silêncio não é uma opção nem tampouco a transferência para os tribunais da primeira tomada de posição sobre a matéria – i.e., sobre um caso concreto que expressamente lhe seja dirigido, no âmbito de um procedimento tributário, em que tal questão de compatibilidade se coloque.
Independentemente da adoção pela Autoridade Tributária de uma prática comissiva (ativa) ou omissiva (silente) a este respeito, a incorreta interpretação e aplicação do Direito europeu – com a consequente prevalência do Direito tributário nacional colidente – sempre redundará em erro de Direito, não imputável ao contribuinte, cujo desvalor deve impor a invalidade dos atos tributários praticados.
Deste modo, com a devida salvaguarda dos meios de reação e prazos previstos na lei, o interessado que demonstre ter sido lesado pela prática de um ato tributário desconforme ao Direito da União Europeia está constitucional e legalmente munido de legitimidade para contestá-lo perante a Autoridade Tributária.
O princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, assim o impõe. E, a coberto deste princípio, vários são os preceitos da legislação tributária que refletem este “estado da arte”. A título de exemplo: os artigos 9.º, n.os 1 e 2, 65.º, 69.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, e 9.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Tudo isto deveria representar uma “verdade de la palisse”. Infelizmente, nem sempre é o caso.
Vitórias pírricas por parte da Autoridade Tributária são de evitar, que vigore a máxima “O Direito que cabe à Autoridade Tributária aplicar não é (nem pode ser) diferente, nem para mais nem para menos, do Direito que cabe aos tribunais aplicar!”
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