A bazuca. Qual o calibre da munição e quem a paga?
Se nesta fase a UE não emitir uma forte mensagem de coesão, arrisca-se a ser dissolvida por inutilidade, voltando, quanto muito, a ser uma entidade meramente económica.
Já sabemos que vamos ter uma “bazuca” da União Europeia (UE) para a crise, mas falta saber o mais importante: o calibre da munição (quanto nos cabe) e quem a paga? Eis a nossa proposta.
Confrontados com a crise, os países da UE seguiram, inicialmente, uma política de injeção de liquidez na economia através da manutenção do poder de compra dos cidadãos. Por ser insustentável para as finanças públicas e por conter riscos inflacionistas será uma política de curto prazo.
O primeiro mês de atividade económica reduzida provocou um abalo enorme na economia e uma 2ª vaga da pandemia, ou mesmo o prolongamento desta, terá efeitos devastadores. As empresas estão a acumular prejuízos e, sob pena de entrarem em falência, é necessário que iniciem, rapidamente, a produção e a transação de bens e serviços.
É urgente pois um plano dirigido à recuperação económica e à restruturação económica e financeira das empresas, que lhes possibilite retomar a atividade e manter ou gerar novos empregos. Nada mais catastrófico, neste momento, do que uma aguda crise de desemprego.
O Conselho Europeu decidiu-se por um pacote de recuperação de 1,5 mil milhões de euros, cerca de 10% do PIB dos países da UE antes da crise, a ser integrado no “Quadro Financeiro Plurianual” (MFF) do orçamento europeu de 2021-27.
O MFF é um instrumento adequado e é célere o suficiente para que a economia não estagne. Sendo um fundo financiado por dívida emitida pela Comissão Europeia, competirá aos Estados-membros (EM) “pagá-lo” mediante transferências futuras para o orçamento da UE. Esse pagamento será feito com impostos, seja por aumento dos atuais, seja pela criação de novos.
Dificilmente podemos esperar que seja a fundo perdido. Certos EM, sendo já contribuintes líquidos da UE, não estão dispostos a pagar mais impostos para transferir receitas para outros países. Sejamos justos, se nós não gostamos de pagar mais impostos, os cidadãos desses países também não. Não nos esqueçamos que o projeto da Constituição Europeia foi chumbado em dois dos países fundadores, a França e a Holanda.
A nossa proposta para a resolução deste impasse é a opção por uma solução mais arrojada, não só no plano económico, mas também político, para afirmar a Europa. Consistiria numa solução a dois tempos.
De imediato, um pacote de recuperação integrado no MFF, mas de valor inferior aos 1,5 biliões de euros previstos, o que permitiria baixar a taxa de juro, consistindo num empréstimo aos países aderentes.
De seguida, um plano de médio e longo prazo, sustentado em fundos que não se destinem os EM, mas que seriam canalizados para investimentos em grandes projetos públicos europeus dos quais todos deveríamos beneficiar, pessoas e empresas, independentemente do país.
Seriam projetos públicos europeus estruturantes, de grande dimensão, que, ao contrário do que acontece até agora, em que a UE cofinancia e os EM executam, seriam executados pela Comissão e constituiriam infraestruturas europeias.
Esses projetos deveriam, ao mesmo tempo, criar emprego em todos os EM e desenvolver as respetivas economias, bem como projetar a Europa como uma potência de primeiro plano. Enunciamos alguns exemplos:
- A criação de um sistema europeu de reserva alimentar e de preservação de recursos hídricos.
- A criação de um sistema de defesa europeu.
- O alargamento e a modernização das redes transnacionais de transporte (autoestradas, ferrovias, aeroportos e portos), de comunicação (rede de satélites, de fibra ótica e de antenas) e de transmissão energética.
- A criação de uma rede europeia de universidades e centros de investigação tecnológica orientados para a excelência científica, a liderança industrial, a inovação e a competitividade.
- A recuperação do património monumental europeu, valorizando a história e a cultura europeia, como um dos mais importantes e valiosos ativos da sua economia e que a possam diferenciar de outros países.
O que carateriza esta opção estratégica é que, com ela, ninguém estaria a “dar dinheiro aos outros” mas antes para uma causa comum, o que lhe proporcionaria uma maior aceitação pública e permitiria alavancar a economia nas próximas décadas.
Os fundos necessários a este plano, após as necessárias alterações aos tratados europeus, devem provir de dívida emitida pela Comissão Europeia, a serem pagos com os proveitos que os projetos gerassem.
Esta opção é fundamental. Em primeiro lugar, porque, sendo geralmente aplicações de longo prazo, seriam o ideal para financiar um plano económico de médio e longo prazo. Em segundo lugar, porque permitiria retirar eventuais excessos de liquidez que ocorressem, evitando-se situações inflacionistas. Em terceiro lugar, permitiria que os cidadãos europeus aplicassem as suas poupanças e delas retirassem rendimentos. E por último, seria uma forte manifestação de coesão política na UE.
Um dos problemas atuais da UE é a sua ausência de visibilidade na vida diária dos cidadãos europeus. Estes projetos trariam essa visibilidade e os próprios cidadãos ganhariam investido nos títulos necessários à sua construção.
Se os europeus não fizerem os necessários investimentos na sua economia, outros o farão, como por exemplo a China, que saindo mais cedo da crise pandémica que a Europa e dispondo de um músculo financeiro que não temos, aproveitará a oportunidade.
A Chanceler alemã e a comissária Vestager já alertaram o governo chinês para a tentação em adquirir empresas europeias estrategicamente colocadas e que disponham de know-how que lhes interesse. Mas países debilitados económica e financeiramente dificilmente serão capazes de resistir às propostas chinesas.
As grandes crises, como a atual, provocam sempre grandes vazios, podendo dar origem a grandes cataclismos. Foi o que aconteceu após a 1ª guerra mundial em que uma crise política, social e económica, associada a lideranças políticas fracas, conduziu ao surgimento de uma nova ordem mundial – comunismo, nazismo, fascismo e militarismo que, em última instância, levaram à 2ª guerra mundial.
Atualmente estamos próximos de um novo vazio, com uma crise económica grave, o Brexit, os Estados Unidos a distanciar-se cada vez mais da Europa e o populismo. A China deseja a primazia política e económica do mundo e a Rússia deseja refazer o espaço político, militar e económico perdido.
Pelo contrário, o exemplo do plano “Marshall” permitiu a consolidação da democracia na Europa Ocidental e a criação de um espaço comum político-económico de paz, entendimento e bem-estar. O seu sucesso foi o catalisador das mudanças na Europa do Leste e no surgimento da democracia naqueles países.
Este é mais um momento crucial para a Europa. Se nesta fase a UE não emitir uma forte mensagem de coesão, arrisca-se a ser dissolvida por inutilidade, voltando, quanto muito, a ser uma entidade meramente económica. A insegurança e a desconfiança dos cidadãos assim o determinarão.
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