A Covid-19 e o setor imobiliário: Rebenta a bolha?
Prevê-se que o fim das moratórias dos créditos à habitação traga uma vaga de incumprimentos que culminará com a entrega das casas aos bancos e com o fecho da torneira do crédito à habitação.
Não é novidade alguma que os preços dos imóveis em Portugal estão sobrevalorizados, nomeadamente nos centros urbanos mais apetecíveis como Lisboa, Porto ou Cascais. Desde 2013 até ao último trimestre de 2020 que os preços dos imóveis para habitação crescem a um ritmo médio acumulado superior a mais de 30% do rendimento de uma família média com dois filhos a cargo.
Para esse cenário de sobrevalorização imobiliária contribuíram múltiplos fatores ao longo dos anos, como a melhoria generalizada das condições laborais e económicas no mercado interno, os programas governamentais de captação de investimento nacional e estrangeiro, incluindo os vulgarmente chamados Vistos Gold, a retoma da concessão fácil de crédito e a manutenção das taxas de juros em mínimos históricos, enquadrada numa política monetária expansionista em Portugal e na União Europeia.
Em particular, o elevado poder de compra de investidores estrangeiros que pretendem entrar no mercado imobiliário português através do Programa Vistos Gold, a expansão da exploração de imóveis para turismo, a concessão demasiado fácil de crédito à habitação com baixíssimas taxas de juro às famílias portuguesas e a escassez de imóveis para arrendamento (em parte também gerada pelos fatores anteriores), levou a um desequilíbrio progressivamente acentuado entre a (cada vez maior) procura e a (cada vez menor) oferta de imóveis para habitação.
Neste cenário de sobrevalorização crescente dos preços dos imóveis para habitação foram muitos os que alertaram para a circunstância de se estarem a formar bolhas imobiliárias em vários países europeus, incluindo Portugal.
Só em setembro de 2020, já em plena pandemia da Covid-19, é que se verificou pela primeira vez em mais de 5 anos um decréscimo mais significativo dos preços dos imóveis para habitação: na ordem dos 2,1 %, face ao mês de outubro de 2020.
Não obstante esta diminuição, os atores do mercado imobiliário resistem ainda a uma correção mais acentuada dos preços, enquanto os construtores civis continuam a investir largamente na construção ou reabilitação de mais e mais imóveis para habitação, quer no centro das cidades quer, principalmente, na periferia.
Resta saber se a descida dos preços dos imóveis para habitação se reverterá, manterá ou acentuará.
Considerando o contexto pandémico atual, em que as medidas de combate à propagação da Covid-19 obrigaram a uma paralisação quase total da economia portuguesa, e a inevitável aproximação do fim dos apoios extraordinários às empresas e às pessoas singulares económica e socialmente afetadas por essas medidas, as previsões não são animadoras.
Com efeito, é facto público e notório que as medidas de combate à Covid-19 levaram ao fecho prolongado de várias atividades económicas, nomeadamente as relativas a bens não essenciais, com empresas e trabalhadores a não conseguirem subsistir sem apoios governamentais extraordinários.
No curto-médio prazo, o fim dos apoios governamentais trará muito provavelmente uma progressiva diminuição ou reconversão das atividades das empresas, bem como um período de aumento significativo do número de insolvências, com consequente aumento do desemprego e da diminuição da oferta de trabalho.
Naturalmente, o aumento do desemprego e a diminuição da oferta de trabalho importarão a diminuição dos rendimentos das famílias e trarão, a um só tempo, uma forte retração no consumo de bens e serviços e, consequentemente, na realização de investimentos. O que, ciclicamente, trará mais insolvências e desemprego.
No setor imobiliário, a diminuição do investimento terá ainda como origem uma restrição independente da evolução da pandemia: a partir de 1 de janeiro de 2022, ficarão excluídos do Programa Vistos Gold os imóveis novos ou para reabilitação sitos nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, bem como em grande parte do Algarve e em cidades como Aveiro, Braga e Coimbra.
Ao exposto acresce o tão temido fim das moratórias públicas e privadas (da Associação Portuguesa de Bancos) concedidas no âmbito de créditos à habitação e de créditos ao consumo.
O fim das moratórias depende do tipo de moratória e da data em que foi requerida, mas, grosso modo, grande parte das moratórias públicas para créditos à habitação terminará até 30 de setembro de 2021 ou 31 de dezembro de 2021. Já algumas moratórias privadas para créditos à habitação terminaram em 31 de março de 2021 (se pedidas em 2020), enquanto outras terminarão até 31 de dezembro de 2021.
Atualmente, várias associações que prestam apoio em situação de endividamento, como a DECO ou a Cáritas, alertaram já para o número crescente de famílias que pedem apoio para o pagamento das rendas dos imóveis onde residem e das despesas relacionadas com a casa, bem como para o aumento da taxa de esforço das famílias para a liquidação de empréstimos, muitas na ordem dos 80%.
Prevê-se, assim, que o fim das moratórias dos créditos à habitação traga uma vaga de incumprimentos que culminará com a entrega das casas aos bancos e, mais cedo ou mais tarde, com o fecho da torneira do crédito à habitação.
A médio prazo, dependendo do prolongamento temporal da fase aguda da pandemia da Covid-19 em que nos encontramos e da consequente necessidade de manutenção de medidas económicas e sociais de contenção da doença e, posteriormente, da maior ou menor capacidade de recuperação da economia – nomeadamente, através de planos governamentais de estímulos à recuperação – é muito possível que surjam os ingredientes habituais das crises cíclicas do setor imobiliário.
Com efeito, a recessão nas condições económicas e laborais, com aumento das insolvências e do desemprego, a diminuição do consumo e do investimento, o incumprimento generalizado dos créditos à habitação (e ao consumo), a retração da concessão de crédito, o aumento das taxas de juro e o fim dos Vistos Gold nas grandes cidades e suas periferias levarão com elevada probabilidade à inversão acentuada da balança da oferta e da procura, com consequente dificuldade no escoamento dos imóveis e progressiva queda dos seus preços de venda.
Rebenta a bolha.
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