A farsa orçamental continua… mesmo em tempos de pandemia
O Governo colocou mais despesa apenas para voltar a enganar a extrema-esquerda. Não tinha qualquer intenção de executar essa despesa adicional, apesar da necessidade do SNS, das famílias e empresas.
Os números da DGO, apresentados há uns dias, mostram como a farsa da aprovação do Orçamento do Estado (OE), que já vem de 2016, se intensificou em 2020. Nomeadamente, no que diz respeito às respostas orçamentais de combate à crise sanitária, mas também à crise social e económica.
Recorde-se que o governo apresentou o OE 2020 em janeiro desse ano (e não em outubro de 2019, como seria normal, devido às eleições legislativas, que ocorreram exatamente nesse mês de outubro). Nesse OE não se previa a pandemia, dado que ainda não se conheciam praticamente casos na Europa.
Mas depois, em junho, o Governo apresentou um OE retificativo. Nesse documento, o Governo pediu ao Parlamento autorização para aumentar o teto da despesa e do endividamento.
O que sabemos agora? A despesa total executada ficou abaixo do previsto no OE inicial. Sim caro leitor, ficou abaixo do OE antes da pandemia. E, como tal, ficou muito abaixo do previsto no OE retificativo. O que comprova a brutal farsa que foi o OE retificativo. Serviu apenas para aumentar o teto do endividamento (porque houve menos receita, sobretudo fiscal).
O Governo colocou mais despesa apenas para voltar a enganar a extrema-esquerda. Não tinha qualquer intenção de executar essa despesa adicional, apesar da enorme necessidade que o SNS, as famílias e as empresas têm de apoios. Uma farsa levada ao extremo! Mas com custos sociais e económicos terríveis.
A apresentação do OE é uma competência exclusiva do Governo, mas a sua aprovação é competência exclusiva da Assembleia da República. Ou seja, é o Governo que tem de decidir o que quer fazer no ano seguinte, mas é o Parlamento que lhe dá essa autorização.
De uma forma simples, podemos dizer que, em matéria orçamental, o OE solicita três aprovações (ou seja, o Governo pede ao Parlamento três autorizações): a criação de receita, o teto de despesa e o teto do endividamento.
Isto é, o Governo solicita autorização ao Parlamento para criar receitas, para definir qual o montante máximo que pode gastar e qual o montante máximo que pode pedir emprestado em dívida pública.
Desde o OE2016 que assistimos a uma farsa orçamental. O Governo coloca no papel do OE um número em matéria de despesa e depois avança com uma execução completamente diferente.
Isso foi sobretudo visível no investimento público. Houve sempre grandes promessas de investimento por parte do Estado – havia que contentar a extrema-esquerda que foi aprovando os OE – mas depois a execução ficou muito abaixo.
A tabela abaixo mostra como as taxas de execução do investimento público (o executado face ao previsto no OE) foram substancialmente mais baixas na legislatura 2016-2019 do que tinham sido anteriormente.
Na semana passada, a DGO divulgou o seu boletim mensal de execução orçamental, apresentando a execução de 2020 em contabilidade pública. A execução orçamental em contabilidade nacional (a que corresponde ao reporte a Bruxelas) apenas será conhecida no final de março. O défice ficou, em contabilidade pública, em cerca de 10.3 mil milhões de euros. Trata-se de um agravamento de cerca de 9.6 mil milhões face a 2019. Representará cerca de 5.3% do PIB (assumindo uma quebra do PIB de 8%, passando o PIB de 212 mil milhões para 195 mil milhões), embora seja expectável um défice em contas nacionais superior, mais em torno dos 7%.
Ora, este valor é inferior ao previsto no OE retificativo, que tinha previsto, em contabilidade pública, um défice de 13.8 mil milhões.
E é inferior não, como referiu o ministro das Finanças, fruto apenas de uma menor quebra do PIB do que o previsto há uns meses. O que se passou é que o Governo executou muito menos despesa do que a prevista. E o Governo executou menos despesa do que o previsto, não apenas face ao OE retificativo, mas também face ao OE inicial.
Ou seja, o Governo sub-executou a despesa. O investimento público aumentou face a 2019 apenas 170 M€ (100 M€ na saúde). Passou de 4.8 mil M€ para 5 mil M€. O governo tinha autorização para 6.4 mil M€. Refira-se que a despesa com juros desceu, face a 2019, cerca de 500 M€! Ou seja, o aumento do investimento é menos de metade da poupança com os juros. A aquisição de bens e serviços aumentou 300 M€ (passou de 13.2 mil M€ para 13.5 mil M€). O executivo tinha autorização para 15 mil M€ de despesa nesta rúbrica.
As dívidas a fornecedores eram em fevereiro de 1574 M€ e em dezembro de 1428 M€. Uma redução muito pequena, e não podem avançar com a desculpa de que compraram muito mais (não compraram como está referido).
Ou seja, o Governo tinha autorização do Parlamento para apoiar mais a saúde e a economia. Mas não o fez. Aliás, um estudo recente do FMI mostra que Portugal teve uma das respostas orçamentais à crise mais baixa da União Europeia. A razão é simples. A dívida pública é muito elevada e, como tal, a margem orçamental é muito estreita.
O mais extraordinário é que o governo nem sequer executou o que tinha previsto no OE2020, na sua versão original, que foi aprovado em janeiro, antes de se estar em pandemia.
A tabela abaixo compara a execução da despesa em dezembro de 2020 com o OE2020 inicial e com o OE retificativo.
A aquisição de bens e serviços ficou substancialmente abaixo do previsto no OE20 (cerca de 900 M€) e ainda mais abaixo que o previsto no OER (menos cerca de 1.6 mil M€). Os subsídios e outra despesa corrente também ficaram muito abaixo do previsto, sobretudo esta última, que foi de 850 M€, quando estava previsto, no OE20, cerca de 2.5 mil milhões e cerca de 2.9 mil milhões no OER.
O investimento também ficou muito aquém do previsto pelo Governo no OE20. Menos 1.2 mil milhões de euros de investimento executado face ao OE20 e menos 1.2 mil milhões face ao OER.
Nota: valores em milhões de euros. Fonte: OE2020, OE2020 retificativo e boletim de execução orçamental de dezembro da DGO.
E até na saúde isso é visível como demonstra a tabela abaixo. Ao longo destes últimos cinco anos, entre 2016 e 2019, o Governo sub-executou sempre o investimento na saúde.
Mesmo em 2020, o Governo acabou por investir menos no SNS do que o previsto no OE inicial. Repare, não se trata de executar menos do que o previsto no OE retificativo. Não se limitou a executar menos face ao previsto já com a pandemia. Executou menos que face ao previsto antes da pandemia.
Um Governo sem rumo e estratégia, sem capacidade de atuação, que vai a reboque dos acontecimentos no combate à pandemia e que é incapaz de ter um plano de apoio à economia, às empresas e às famílias.
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