A liderança de um modernizador
Algo está muito errado neste o país quando um cidadão é perseguido por ter defendido o interesse do país, do Estado a das populações. E, ao mesmo tempo, nenhum processo-crime é instaurado à EDP.
Em anteriores artigos de opinião manifestei a minha opinião sobre o enquadramento tributário das barragens e da sua venda, bem como as peripécias da AT e do Governo nesta matéria.
Gostaria, agora, de fazer uma declaração de interesses. Não sou nem nunca fui membro do Movimento Cultural das Terras de Miranda (MCTM) e nada me liga a essa região, mas há duas razões para as minhas intervenções.
A primeira advém do facto de ter exercido, durante 36 anos, funções em diversas áreas da AT, nomeadamente na inspeção tributária, na gestão de impostos (Diretor de Serviços do IMT e do IS), na investigação criminal (Diretor de Serviços da DSIFAE) e como Subdiretor-geral. Toda a minha vida profissional foi dedicada a servir os cidadãos e a combater a fraude e a evasão fiscal.
A segunda advém do facto de, durante duas décadas, ter trabalhado com o Doutor José Maria Fernandes Pires, um dos membros do MCTM, em projetos ícones para a AT. Para mim foi, acima de tudo, um prazer e uma honra com ele ter trabalhado. Aliás, todos os que, com ele, direta ou indiretamente trabalharam, reconhecem-lhe a visão estratégica, a liderança, o conhecimento técnico e, sobretudo, a sua vontade na prossecução de objetivos ambiciosos. Quando muitos diziam “isso não é possível” ele dizia “isso é possível e vamos fazer”.
Para além das melhorias funcionais que introduziu nas unidades que dirigiu, foi na criação de sistemas de gestão para a AT que mais se destacou, permitindo que ela seja aquilo que hoje é: Um serviço público eficiente, uma referência na administração pública portuguesa, bem como a nível europeu e internacional, como pude constatar quando tive de acompanhar técnicos da “troika” que vinham analisar o funcionamento da AT. O projeto “e-fatura”, de que Portugal foi pioneiro, é hoje uma referência na Europa e em todo o mundo, no âmbito do combate à fraude e à evasão fiscal.
Para que os portugueses entendam a sua relevância na AT elencarei, sem ser exaustivo, alguns dos projetos mais relevantes:
(i) “Reforma dos Impostos sobre o Património” que informatizou, automatizou e digitalizou a gestão do IMI, IMT e IS, a avaliação de imóveis e a atribuição de benefícios fiscais conexos. Estes sistemas permitiram que os contribuintes interagissem remotamente com a AT e, em menos de duas décadas, triplicou os impostos arrecadados sem que houvesse aumento de taxas – 1º Prémio no concurso “Boas Práticas da Administração Pública”;
(ii) “Justiça Fiscal Electrónica” que informatizou, automatizou e digitalizou os processos da dívida executiva, de contra-ordenação e de revisão administrativa e judicial, autênticos “cancros” que durante décadas “minaram” a atividade da AT e que ninguém conseguia resolver – Prémio de Excelência no concurso “Boas Práticas da Administração Pública” e Prémio “Internacional award for Inovation in Tax Management Regarding Efficiency, atribuido pela maior organização mundial de administrações tributárias – CIAT;
(iii) “Sistema Electrónico de Controlo e Prevenção da Evasão Fiscal” – 1º Prémio no concurso “Boas Práticas da Administração Pública”;
(iv) “Plano Estratégico Para a Qualidade no Serviço ao Contribuinte” que disponibilizou aos contribuintes meios que lhes possibilitassem interagir com a AT sem se deslocarem fisicamente aos serviços – 1º Prémio no concurso “Boas Práticas no Setor Público – Serviço ao Cidadão, Administração Central Direta e Administração Regional”;
(v) “Gestão de Projetos e Serviços (GPS)” que permitiu o trabalho em rede em toda a AT e a digitalização dos seus procedimentos – Prémio CIO Awards promovido pela IDC para distinguir projetos inovadores na categoria de “Estado e Setor Público”;
(vi) “Notificações Eletrónicas da AT” que permitiu que muitas das notificações e citações fossem efetuadas por meios eletrónicos – Prémio Computerworld e prémio CIO/Iberoamericanos;
(vii) Sistema “e-fatura” que revolucionou o controlo do cumprimento das obrigações fiscais pela AT e colocou todos os portugueses a exigirem fatura e que permitiu o preenchimento automático das declarações de IRS no que respeita às deduções à coleta e possibilitou a recuperação das receitas em sede de IVA e Impostos sobre o Rendimento. Segundo o INE a diferença (gap) entre o IVA teórico e o cobrado reduziu-se de 2.200M€ em 2012, para 414M€ em 2018 – Prémio CIO Awards promovido pela IDC para distinguir projetos inovadores na categoria de “Estado e Setor Público” e Prémio “Navegantes XXI” promovido pela ACEPI – Associação da Economia Digital – para distinguir o melhor projeto digital na Administração Pública;
(viii) Sistema “e-circulação” que informatizou a emissão e a comunicação dos documentos que acompanham as mercadorias em circulação – prémio CIO Awards promovido pela empresa IDC para distinguir projetos inovadores na categoria de “Estado e Setor Público.
Ou seja, entre 2004 e 2014 a AT ganhou, em oito projetos submetidos, 11 prémios. Nem antes nem depois houve mais prémios.
De realçar ainda que (i) quando hoje tanto se fala em economia digital, a AT já a tinha implementado; (ii) quando o INE elabora as suas previsões mensais sobre a atividade económica em Portugal, muita da informação provem do e-fatura, (iii) quando se implementou o projeto “Simplex” no qual “até as vacas podem voar”, a AT teve participação direta ou indireta em 2/3 dos projetos (foi a sua informação e os seus sistemas que “deram asas às vacas”) e (iv) quando Portugal foi atingido pela pandemia a sua atividade não paralisou. Tudo estava preparado para que ela funcionasse em teletrabalho, não sendo necessário qualquer improviso.
E tudo porque alguém pôs “mãos à obra” e colocou a AT na vanguarda da eficiência e da inovação, à frente de toda a administração pública portuguesa e como uma referência internacional.
A abertura de um processo de inquérito disciplinar ao Doutor José Maria Pires, pela diretora geral (DG) da AT, é uma notícia perturbadora, mas não me apanhou desprevenido. Era, aliás, de esperar perante o papel subserviente que a liderança da AT está a ter perante o Governo. A AT deve ser um órgão independente competindo-lhe cumprir com a Lei e com as orientações políticas emanadas. Se for uma “caixa-de-ressonância” das vontades governamentais questiono-me se ela será independente, nomeadamente frente a um Governo que neste processo da EDP dá sinais de um nervosismo e comprometimento que não prenunciam nada de bom, como já expus anteriormente. Devemos, todos, estar atentos aos resultados.
Segundo informa o próprio Ministério das Finanças (MF), o visado colaborou na elaboração de um documento em que o MCTM alertou o Governo para a necessidade de garantir a cobrança dos impostos devidos pelo negócio das barragens e para a probabilidade de existirem manobras de planeamento fiscal destinadas a evitar esse pagamento.
Esse documento foi entregue também ao Senhor Presidente da República, que o enviou para o Primeiro-Ministro e este para o Ministério das Finanças. Tendo tomado dele conhecimento, seria suposto que a DG da AT mandasse investigar imediatamente a EDP a fim de garantir a defesa do interesse público, como se exortava no documento e como é sua obrigação. Mas não, a pessoa a quem compete o combate à evasão fiscal decidiu nada fazer nesse domínio, deixando a EDP em paz. Ao mesmo tempo, mandou instaurar um inquérito disciplinar ao funcionário.
O MF informa que o processo se destina a averiguar se o funcionário violou o dever de exclusividade. Repare-se, um cidadão que é funcionário da AT, colaborou para que um movimento cívico alertasse o Governo para a necessidade de o Estado cobrar os impostos que são devidos por uma empresa ao próprio Estado. Ensinou alguma empresa a fugir ao Fisco? Não. Ensinou algum governante a “fechar os olhos” e a nada fazer para autorizar um negócio que é um esquema de evasão fiscal? Também não.
O Movimento e o referido cidadão, pediram a quem cabe a representação e a defesa do interesse público para que não deixassem de o fazer. Onde está então a violação do dever de exclusividade? A um funcionário da AT cabe exatamente essa função, de promover a aplicação da lei fiscal e foi o que ocorreu neste caso, como em tantos outros em que trabalhou e trabalha, no seio da AT. Por que motivo esse pedido foi ignorado?
Algo está muito errado neste o país quando um cidadão é assim perseguido por ter defendido o interesse do seu país, do Estado a das populações. E algo está muito mal quando, ao mesmo tempo, nenhuma inspeção e nenhum processo-crime por fraude fiscal, foi instaurado à EDP, apesar dos pesados indícios publicamente conhecidos – até agora o Ministério das Finanças não informou dessa instauração e disse apenas no dia 14 de abril, 3 meses depois da abertura do inquérito disciplinar, que a AT tinha iniciado a recolha de elementos (?).
E algo está também muito mal quando, depois de conhecer aquele alerta, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), conjuntamente com o Ministro do Ambiente, declararam à comunicação social que não eram devidos impostos pelo negócio, quando é evidente que eles são devidos – o IMI, o IMT e o Imposto do Selo.
Sabemos agora, pelo MCTM, que a nota elaborada foi feita a pedido do Ministro do Ambiente, o que denota toda a hipocrisia existente nesta história. Interessante é vermos agora o Ministério das Finanças e a DG da AT a “sacudirem a água do capote” e a empurrarem o problema um para o outro. Querem lá ver que não há responsáveis?
O Doutor José Maria Pires fez o que sempre fez, em toda a sua brilhante carreira na AT, feita a pulso, com base no seu mérito, na sua inteligência e na sua excecional capacidade de trabalho e de investigação – defender, de forma determinada, altamente qualificada e corajosa o interesse público e o seu país.
Pouca gente sabe disso em Portugal, mas ele foi o mais brilhante e visionário arquiteto de toda a transformação ocorrida na AT. Foi ele que concebeu, planeou e implementou o sistema e-fatura, a modernização da Justiça Tributária, a desmaterialização e automatização dos procedimentos internos e do sistema de interface com os contribuintes. É à sua liderança que se deve a salvação do país do colapso durante o resgate e a solidez atual das receitas fiscais. Os grandes homens são sempre simples e discretos, como é o seu caso e, embora alguns “pavões” se vangloriem com o trabalho alheio, é importante que o país os conheça a todos.
Ele sempre disse que o seu trabalho é o trabalho de uma grande equipa, e isso é verdade. Sei-o por experiência própria. Como todos os grandes líderes, sempre se soube rodear dos melhores e mais qualificados, e todos os funcionários da AT sabem disso.
Há um lado menos bom em Portugal que leva alguns a não gostarem dos melhores, a persegui-los e a difamá-los. Uma pessoa com estas qualidades mete medo a muita gente, num país entregue aos grandes lóbis e aos pequenos e grandes esquemas, que às vezes conseguem colocar o sistema fiscal a funcionar ao contrário, tirando aos pobres para dar aos ricos, ao contrário que que estabelece a Constituição, como vemos todos os dias nas audições parlamentares do Novo Banco, para dar só um exemplo, e também neste negócio da EDP, para dar outro.
Cobrar impostos não é uma função fácil nem a mais simpática (em especial para aqueles que acham que não os devem pagar, que infelizmente ainda são muitos neste país), mas é essencial para a integridade de um país. E isso implica não ter medo dos poderosos e dos pequenos poderes, qualidade que em Portugal escasseia. É isso que explica todos os ataques de que tem sido alvo, desde a Lista VIP, da qual foi totalmente ilibado, até este processo ignóbil, tendo em vista destruir a sua obra. Mas ela está aí, fala por si. E ele também, felizmente.
Como dizia o Padre António Vieira, “Se servistes à pátria, que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis, ela o que costuma”.
Espero pelo arquivamento deste processo, com o necessário pedido de desculpas públicas do Governo e do Presidente da República ao visado e a todos os portugueses, para voltar a acreditar que vivemos num Estado de Direito.
Senhor Presidente da República é para situações destas que nos encaminhamos? Proteger as liberdades dos cidadãos é uma OBRIGAÇÃO sua, nomeadamente quando foi o documento entregue a Sua Excelência que originou todo este imbróglio. Se ficar a “assobiar para o ar”, amanhã seremos nós a assobiar.
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