A matemática perversa no Novobanco
À sombra da restruturação de uma instituição sistémica da banca nacional, apoiada pelos contribuintes, houve um aproveitamento porventura ilícito e é preciso apurar responsabilidades.
Enquanto no salão nobre do Ministério das Finanças se formalizava a venda da participação de 25% do Estado no Novobanco ao francês BPCE, a Polícia Judiciária realizava buscas na instituição financeira, na consultora KPMG, um escritório de advogados e mais duas dúzias de locais, devido a suspeitas de corrupção, burla qualificada e branqueamento de capitais relacionadas com a venda de ativos durante a reestruturação do banco.
Um dos protagonistas é Volkert Reig Schmidt, que liderou até há pouco tempo a GNB SA, gestora de ativos do Novobanco incumbida de vender o património associado a projetos cujo crédito entrou em incumprimento. Em causa estarão negócios envolvendo o projeto Greenwoods, nomeadamente a venda da Herdade da Ferraria, em Sesimbra, conduzida por Schmidt e que acabou por ir parar às mãos da sua mulher e mais três sócios, alegadamente por um valor muito inferior ao de mercado e da avaliação do banco.
Não será o único caso nem o maior. A investigação dirigida pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal incide sobre o período desde 2018, já depois de ter sido comprado pela Lone Star (75%). O que significa que apanhará os muitos negócios de venda de imóveis e carteiras de crédito malparado do Novobanco: Viriato, Sertorius, Albatroz, Nata 1 e Nata 2. Operações de milhares de milhões de euros, todas com descontos no valor dos ativos que se traduziram em elevadas perdas financeiras para a instituição, que por sua vez foram tapadas com dinheiro do Mecanismo de Capital Contingente, do Fundo de Resolução (FdR), financiado com dinheiro dos contribuintes, mas pago pelos restantes bancos.
Estamos a falar de ativos tóxicos, créditos de recuperação incerta ou impossível, pelo que os descontos são naturais. Resta saber se, ainda sim, foi-se longe demais.
Os negócios foram auditados, inclusive pelo Tribunal de Contas, que foi muito crítico dos descontos elevados a que os ativos foram vendidos (chegaram aos 75%). Considerou que não foi minimizado o recurso a fundos públicos (FdR) e identificou riscos de conflito de interesses e potenciais impedimentos. Foram identificados investidores que conseguiram lucros de mais de 60% com a revenda do património um ano depois. E há mesmo casos de imóveis vendidos no dia a seguir a serem adquiridos que geraram mais-valias acima dos 200%. O relatório, divulgado em julho de 2022, foi enviado para o Ministério Público.
O mecanismo era perverso. O Novo Banco não tinha estímulo para reduzir ao máximo as perdas, uma vez que tinha 3.890 milhões da almofada do Mecanismo de Capital Contingente. Mais, as perdas geradas na venda dos ativos engrossaram os prejuízos, que por sua vez deram direito, mais tarde, a 740 milhões em créditos fiscais.
À sombra da restruturação de uma instituição sistémica da banca nacional, apoiada pelos contribuintes, houve facilitismo, houve um aproveitamento porventura ilícito e é preciso apurar responsabilidades.
Enquanto decorriam as buscas, o ministro das Finanças referiu que a venda vai permitir ao Estado recuperar “quase dois mil milhões de euros injetados na instituição”. A conta é um pouco perversa. Joaquim Miranda Sarmento está a somar os 1,67 milhões da venda com cerca de 380 milhões em dividendos recebidos pelo Tesouro e o FdR. Esqueceu-se foi de deduzir os 740 milhões que o Novo Banco poupou em impostos.
O timing das diligências da polícia judiciária é estranho, mas vendo bem até casa com o argumento de uma longa novela cujo desfecho ainda está por escrever.
Ao menos o país ficou com um banco saudável e robusto. O negócio vai de vento em poupa, com 610 milhões de euros de lucros entre janeiro e setembro.
Sobrou uma fatura pesada. Quando foi aplicada a medida de resolução do BES foram injetados 4,9 mil milhões, a que se somam 3.405 milhões do Mecanismo de Capital Contingente. Uma fatura a ser paga pelos bancos nas próximas décadas.
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