A moda de investir sem pensar está a crescer perigosamente
Os ETF são o novo amor dos investidores, mas muitos confundem a diversificação e o tédio da génese destes produtos com apostas perigosas e caras de algumas ofertas que estão a propagar como cogumelos.
Os portugueses descobriram os ETF como quem descobre o amor de Verão: tarde, mas com fervor. Um milhão de investidores nacionais já entrou na dança dos Exchange-Traded Funds, o dobro de 2022, revela a BlackRock. O problema é que, na ânsia de escapar ao marasmo dos depósitos bancários, muitos podem estar a saltar da frigideira para as brasas.
Os ETF nasceram com uma promessa sedutora: diversificação instantânea a preço de saldo. E durante anos cumpriram religiosamente. Os ETF tradicionais, aqueles que replicam índices amplos como o S&P 500 ou o MSCI World, são como um bom vinho do Douro: simples, honestos, e fazem exatamente aquilo que prometem. Com comissões que podem ser tão baixas como 0,05% a 0,20% ao ano, oferecem acesso barato a milhares de empresas globais. É o capitalismo democrático na sua forma mais pura.
Mas a indústria financeira tem um problema congénito: nunca se contenta com o suficiente. E assim, o que começou como uma solução elegante de investimento passivo transformou-se num casino onde os produtos se multiplicam como cogumelos. A indústria global de ETF atingiu 18,8 biliões de dólares em setembro (cerca de 61 vezes o PIB de Portugal), um crescimento de 26,7% apenas este ano. E é aqui que a história começa a ficar interessante… ou preocupante, dependendo da perspetiva.
os ETF estão a tornar-se cada vez menos diversificados: no espaço de 26 anos, a quantidade de ativos num fundo cotado caiu 76%, com a carteira de um ETF mediano de ações a passar de cerca de 500 títulos em 1998 para cerca de 120 no ano passado.
Em 1998, cerca de 85% dos fundos indexados ponderava as suas posições de ações e obrigações pela capitalização de mercado, revelam Daniel Sotiroff e Jonathan Baikov, da Morningstar. Em 2024, essa percentagem caiu para apenas 40%. Isto significa que os ETF estão a tornar-se cada vez menos diversificados: no espaço de 26 anos, a quantidade de ativos num fundo cotado caiu 76%, com a carteira de um ETF mediano de ações a passar de cerca de 500 títulos em 1998 para cerca de 120 no ano passado.
É a era da “desversificação”, o oposto de diversificação, mas com um nome bonito para vender melhor. Em vez de comprar o mercado inteiro, os investidores estão a concentrar apostas em nichos cada vez mais estreitos: empresas de criptoativos que guardam bitcoin, ações de empresas de urânio de média capitalização, ETF que replicam transportes marítimos de crude. Parece investimento, soa a investimento, mas é especulação disfarçada de produto financeiro respeitável.
E depois há o expoente máximo desta criatividade febril: os ETF alavancados de uma só ação. Estes produtos procuram duplicar ou triplicar os ganhos (ou perdas) diários de uma única empresa, tendo nascido em 2022 focados em gigantes como a Nvidia, Apple, Microsoft ou Tesla, pela mão das sociedades gestoras Tradr ETFs, GraniteShares, Defiance e Rex Shares pela linha T-Rex.
No entanto, agora, a criatividade destas gestoras desceu na escala de capitalização até empresas minúsculas e voláteis, na sua maioria ligados ao setor da inteligência artificial. Este ano, estes produtos altamente exóticos somam mais de 110 produtos listados nas bolsas norte-americanas, em comparação com 38 no ano passado, de acordo com dados da Morningstar e CFRA Research, gerindo mais de 23 mil milhões de dólares, com volumes de negociação diários a ultrapassarem 9 mil milhões de dólares.
Os retornos de muitos destes produtos parecem saídos de um casino: um ETF que procura duplicar os ganhos da Rigetti Computing, uma empresa que desenvolve processadores quânticos, e outro focado na D-Wave Quantum, que fabrica computadores quânticos especializados em otimização para resolução de problemas complexos na área das finanças e logística, valorizaram mais de 300% desde março e abril, respetivamente.
Números que fazem sonhar… até acordarmos para a realidade dos custos que, surpresa, contribuem para que os ETF alavancados de ação única (“longlevered single stock ETF”) apresentem uma rendibilidade média de 0,79% por mês abaixo do esperado, segundo um estudo de Hendrik Bessembinder, publicado em julho.
A comissão de gestão anual destes ETF alavancados ronda os 0,84% a 1,3%. Não parece muito, quando comparado com a média dos fundos de investimento. O problema é que esta é apenas a ponta do icebergue. Os custos reais, escondidos nas entranhas dos swaps de retorno total que estes fundos usam para criar alavancagem, podem atingir taxas anualizadas de 15% a 20%, segundo os especialistas.
O problema não são os ETF em si. O problema é a indústria financeira não conseguir resistir à tentação de transformar um produto simples e útil numa fonte de receitas cada vez mais sofisticadas.
Os dados do estudo de Hendrik Bessembinder mostram que os “atritos”, incluindo custos de financiamento de swaps, consomem meio ponto percentual de retornos por mês nestes produtos. Contudo, estes custos variam consoante a volatilidade das ações subjacentes, o que faz com que quanto mais selvagem o cavalo, mais caro é montá-lo.
É o que sucede precisamente com os novos ETF alavancados que dominam atualmente a oferta, dado serem sustentados em ações de empresas mais pequenas e voláteis, e por isso apresentam custos de financiamento mais elevados. A taxa base de financiamento pode começar em 6%, mas dispara temporariamente para valores bem mais elevados quando as ações têm oscilações violentas, como sucede com muitos destes títulos.
Mas há outro custo, este totalmente gratuito (ou melhor, inevitável): a degradação por volatilidade. Como os portefólios destes fundos são acertados diariamente para manter a alavancagem constante, os retornos compostos de longo prazo divergem dramaticamente do múltiplo prometido.
Vejamos, por exemplo, uma ação que sobe 10% num dia, depois desce 9,09% no dia seguinte, voltando ao preço inicial. Um ETF 2x alavancado subiria 20% no primeiro dia (de 100 para 120 euros), mas desceria 18,18% no segundo dia (de 120 para 98,18 euros). A ação subjacente termina onde começou, mas o ETF alavancado perdeu 1,82%. É matemática, não magia negra, e o resultado é igualmente doloroso para o investidor desprevenido.
Alguns estudos apontam para que ETF alavancados 2x de longo prazo têm custos de excesso (acima da comissão oficial) de cerca de 1,4% a 1,5% por ano, simplesmente devido a esta degradação combinada com os custos de reajustamento do portefólio.
Se quer investir em ETF — e deveria considerar seriamente fazê-lo –, restrinja as opções ao básico. Um ETF que replique um índice global diversificado, com custos baixos e liquidez elevada, é possivelmente a melhor forma de um investidor comum construir riqueza a longo prazo.
A indústria de ETF movimentou 1,54 biliões de dólares em novos influxos até setembro, um recorde. Mas será que todos estes investidores sabem no que estão a meter-se? Os dados sugerem que não. Uma coisa é investir num ETF do índice global MSCI World, outra bem diferente é comprar um ETF 2x alavancado de uma empresa com menos de 200 milhões de euros de capitalização bolsista.
Isto significa que o problema não são os ETF em si. O problema é a indústria financeira não conseguir resistir à tentação de transformar um produto simples e útil numa fonte de receitas cada vez mais sofisticadas. E os investidores, deslumbrados por retornos de três dígitos e seduzidos pela promessa de riqueza instantânea, esquecem-se de uma verdade antiga: não há almoços grátis. Quanto mais exótico o produto, maiores os riscos escondidos.
Os três maiores emitentes de ETF — iShares (BlackRock), Vanguard e State Street — controlam atualmente quase 60% do mercado global, mas são os restantes mais de 900 fornecedores, cada um com menos de 5% de quota, que lançam os produtos mais criativos (e arriscados). É um mercado hiperconcentrado no topo e hiperfragmentado na cauda, que se reflete numa estrutura que gera tanto estabilidade como risco sistémico, como alertou há uns anos o Banco Central Europeu.
Se quer investir em ETF — e deveria considerar seriamente fazê-lo –, restrinja as opções ao básico. Um ETF que replique um índice global diversificado, com custos baixos e liquidez elevada, é possivelmente a melhor forma de um investidor comum construir riqueza a longo prazo. Invista regularmente e ignore o ruído. Mas se um produto promete duplicar ou triplicar os ganhos diários de uma ação, se investe em “tendências” ou “temas” da moda, se tem custos elevados ou estruturas que não compreende totalmente, fuja.
Os ETF podem ser a galinha dos ovos de ouro. Mas se escolher mal, pode acabar apenas com uma omelete cara e indigesta. E a culpa não é da galinha, mas de quem insiste em querer que ela voe.
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