A nova Economia do Hidrogénio Verde – Políticas Públicas e novos “Business Models”
Para o primeiro leilão de hidrogénio, a ocorrer em 2021, a quantidade de Hidrogénio Verde a concurso será de meia quilotonelada, para uma incorporação na Rede de Gás Natural de aproximadamente 0,1%.
I – O Hidrogénio Verde como novo vetor energético
A entrada do Hidrogénio Verde no sistema energético nacional é um dado incontornável, atendendo aos ambiciosos objetivos a que Portugal se encontra vinculado no âmbito do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e, mais concretamente, ao nível do Plano Nacional de Energia e Clima 2030.
É também esse o sentido para que apontam as diversas estratégias ou planos nacionais na generalidade dos Estados-Membros da União Europeia (e, bem assim, fora dela, como evidenciam os cados dos EUA ou do Japão), focando-se, pelo menos numa fase inicial, na importância deste vetor energético para os setores de transporte rodoviário e ferroviário de passageiros, serviços de logística urbana, transporte marítimo de passageiros e, inclusive, aviação civil.
Posteriormente, perspetiva-se que as próprias infraestruturas de abastecimento, preferencialmente com produção local associada, possam cumprir um papel relevante – em especial, num cenário como o português – fornecendo, inclusive, uma solução com aptidão técnica para o armazenamento sazonal de energia renovável.
Pese embora as críticas subjacentes a esta opção de política económica, energética e ambiental estrutural – que, segundo entendemos, não só não devem ser rejeitadas como inclusive permitem encetar uma discussão técnica imprescindível – os dados apontam para um contributo muito expressivo do Hidrogénio Verde para a transição energética, destacando-se o seu contributo estrutural como complemento à eletrificação do consumo em geral.
Efetivamente, sendo inequívoco o papel da eletrificação ao nível da mobilidade, da climatização ou dos processos industriais, os desafios ao nível da indústria pesada, dos transportes aéreos ou da navegação são muito mais expressivos, sendo justamente nestes últimos segmentos que o Hidrogénio Verde poderá desempenhar um papel essencial e protagonizar uma alteração estrutural ao nível da produção e alocação eficiente dos recursos energéticos.
II – As principais determinantes no plano económico financeiro
Não existindo ainda um verdadeiro mercado integrado do Hidrogénio Verde na generalidade dos casos, a literatura científica e o próprio histórico da política energética à escala internacional evidenciam que os incentivos indutores à respetiva estruturação ocorrem essencialmente ao nível da oferta.
Nesse sentido, o Hidrogénio Verde é um vetor energético cujos alicerces de mercado se caracterizam essencialmente por uma procura induzida pela oferta (“supplier-induced demand”), onde as políticas públicas (também ao nível do impacto junto dos business models) acabarão por ter uma importância muito significativa para induzir produtores e consumidores a realizar movimentos de substituição entre inputs e outputs que, direta ou indiretamente, estão associados a emissões de Carbono.
Ainda assim, estando em causa um vetor energético com elevados valores de CAPEX, a viabilidade dos respetivos business models está, pelo menos no médio-prazo, largamente dependente da atribuição de incentivos que, em termos não necessariamente idênticos, permitam:
(i) Amortizar os elevados custos de capital (CAPEX), em especial os associados à infraestrutura de produção, eletrolisadores e restante sistema.
Ainda assim, de acordo com dados publicados pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) relativamente à realidade nacional, a redução do CAPEX entre 2020 e 2040, resulta na redução do custo de produção de hidrogénio, do valor inicial de 4,69 €/kg H2 para 3,30 €/kg H2 em 2040.
(ii) Acelerar os rácios de rendibilidade dos projetos e, bem assim, a maturidade dos métodos e tecnologias de produção.
Naturalmente que existem outros custos a considerar, nomeadamente OPEX, custos de energia elétrica e ainda custos relativos ao consumo de água imanentes à eletrólise aquosa que, num contexto de alguma instabilidade ao nível dos ciclos hidrológicos, não pode ser negligenciada.
III. Tipologia de Business Models
Conforme referimos no ponto precedente, a ausência de um mercado estruturado para o Hidrogénio incrementa a importância de compatibilizar as políticas públicas de apoio à introdução deste novo vetor energético com as necessidades dos business models equacionados pelos operadores/promotores.
Ora, existindo uma intervenção pública de âmbito setorial, compreende-se que a definição dos princípios-base dos referidos business models seja também parte integrante das políticas públicas envolvidas, desde o desenho do próprio sistema até à implementação dos seus mecanismos de financiamento.
Tendo novamente em consideração a experiência dos vários modelos à escala europeia e internacional, poderão assim perspetivar-se os vários modelos alternativos para os business models da nova Economia do Hidrogénio Verde:
(i) Modelo de pagamentos diretos (base contratual ou concursal)
Neste modelo, que pode ter acoplado um modelo contratual ou concursal, os promotores recebem um pagamento que deverá cobrir o custo incremental do Hidrogénio Verde face a uma produção sucedânea (e, por definição, com emissões de CO2 associadas).
Neste caso, tendo o Hidrogénio Verde um custo superior ao de outros vetores sucedâneos (v.g. Gás Natural), compreende-se a importância subjacente à introdução de mecanismos de compensação que permitam aos promotores a internalização temporária do sobrecusto de produção e inibam uma oneração excessiva dos consumidores.
(ii) Modelo de proveitos regulados (ou permitidos)
Este segundo modelo pressupõe uma remuneração alicerçada uma regulação ponderada dos custos suportados pelo promotor (incluindo pagamentos fracionados ao longo da cadeia de valor).
Exemplos relevantes são o modelo de Base de Ativos Regulados ou ainda o modelo de “Cap and Floor” (CAP), este último já vigente ao nível de alguns projetos eólicos a operar em Portugal.
Não será de excluir uma combinação de ambos os exemplos, dependendo naturalmente do modelo regulatório vigente em cada ordenamento jurídico.
(iii) Modelo de obrigações exógenas (fora do circuito do Hidrogénio Verde)
O terceiro e último modelo em consideração pauta-se pelo estabelecimento de um conjunto de obrigações aos agentes de mercado que estão fora do circuito do Hidrogénio (produtores de combustíveis fósseis ou consumidores finais), nomeadamente de passar a produzir ou consumir quantidades periodicamente revistas de Hidrogénio Verde.
A experiência evidencia, todavia, que este tipo de modelo não é suficientemente autónomo, devendo ser acoplado com medidas de natureza fiscal ou financeira, de que é exemplo, no caso português, a imposição da Taxa de Carbono sobre uma séria de produtos, tais como petróleo, gasolina, fuelóleo, carvão, entre outros.
IV – Em especial, o caso português
De acordo com os dados conhecidos, o modelo português vai caracterizar-se por uma estrutura híbrida em que existirão apoios diretos com a imposição de algumas obrigações exógenas, de natureza fiscal e não só, que incrementem progressivamente o custo da unidade marginal de Carbono.
No que se reporta aos pagamentos associados aos leilões, de acordo com os dados até agora conhecidos, será implementado um mecanismo de apoio que consiste na atribuição de um prémio variável sobre o preço de Gás Natural que permita igualar o preço de produção do Hidrogénio Verde.
Recorde-se que no “Leilão Solar 2020” a nova opção remuneratória, designada por “prémio fixo por flexibilidade” foi a que mais lotes foram adjudicados (cerca de 75% da quantidade adjudicada no leilão).
No cenário envolvendo o referido “prémio fixo por flexibilidade”, o promotor recebe o preço de fecho do leilão, por contrapartida do pagamento ao SEN de um seguro de cobertura do risco contra picos do preço de mercado e do recebimento do preço de mercado.
De acordo com os dados conhecidos, no âmbito das regras dos leilões relativos ao Hidrogénio Verde poderá ficar previsto um mecanismo de ajustamento periódico do apoio concedido (por exemplo, taxa fixa regressiva ou taxa variável indexada a um determinado parâmetro), com o intuito de mitigar eventuais riscos de sobrecompensação pela redução dos custos de produção – sendo essa uma diferença clara face ao modelo de feed-in tariff (FIT).
Relativamente consensualizada parece-nos a aproximação dos futuros leilões de Hidrogénio Verde aos moldes já hoje aplicados aos leilões solares através, por exemplo, da alocação das quantidades por lotes e limitando a quota máxima de capacidade que um único proponente possa ganhar.
Novamente de acordo com os dados conhecidos, para o primeiro leilão, a ocorrer em 2021, a quantidade de Hidrogénio Verde a concurso será de meia quilotonelada, para uma incorporação na Rede de Gás Natural de aproximadamente 0,1%.
Até lá, seguramente que muito ainda haverá a discutir em torno da otimização dos business models que permitirão, sobretudo através da ação do decisor público, tornar o mercado do Hidrogénio Verde uma realidade competitiva e não apenas desejável.
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