A tentação da internet

Um fundo de investimento privado tentou comprar uma parte importante da internet. Felizmente, houve bom senso e a tentativa falhou. Mas o risco ainda não desapareceu.

Uma parte muito importante da internet que conhecemos hoje poderia ter desaparecido no dia 1 de maio. O fundo de investimento Ethos tentou adquirir a gestão do domínio .org, que é usado por milhões de instituições sem fins lucrativos. De um momento para o outro, ONG, escolas, entidades cívicas e fundações estariam em risco de ser varridas da internet e substituídas por sabe-se lá quem.

É importante perceber que o argumento anti-privatização é profundamente liberal. A privatização de alguns serviços é contrária à cidadania e à liberdade dos seus cidadãos, e este é claramente um caso desses. Aliás, se fossem necessários exemplos, bastaria olhar para o estado dos serviços de saúde americanos, quase totalmente privatizados, para perceber que há certas coisas que não podem ser movidas exclusivamente pelo lucro.

Imagine-se o que seria se a gestão ambiental, por exemplo, estivesse ao serviço de interesses privados. O argumento serve da mesma forma para a internet. A sua existência tem de ser considerada um direito humano básico, graças à dimensão de liberdade que confere aos seus utilizadores.

Assim que o domínio .org fosse privatizado, a sua política seria gerida por quem pagasse mais. E, se a China ou a Rússia não gostassem da Amnistia Internacional (como não gostam), estariam mais do que dispostas a pagar para as excluir. Ou até a comprar o fundo de investimento e a geri-lo a seu gosto, com as consequências que se esperam. Quando quem manda tiver o interesse dos acionistas em mente, o público perde, e colocar a internet neste joguete é insensato.

A razão pela qual a gestão destes domínios está na mão de entidades sem fins lucrativos é precisamente para impedir estas situações – e o facto de uma destas entidades ter tentado concretizar esta venda só confirma quão atentos têm de estar os defensores da liberdade. Foi precisa uma mobilização global de milhares de organizações para conseguir bloquear a decisão final e, embora a história tenha passado maioritariamente à distância dos utilizadores comuns, o final feliz é uma vitória para todos eles. Falta assegurar que o risco não se repete, porque o desfecho pode ser diferente da próxima vez.

Já há problemas suficientes na governação global. Também esta semana foi anunciada a candidatura da Rússia à presidência da comissão de gestão dos direitos humanos nas Nações Unidas. Como o ridículo mal afeta a ONU, provavelmente vão ganhar. Convém que, dentro do possível, a gestão da Internet se mantenha afastada disto.

Ler mais: um livro essencial para entender a forma como o ICANN foi criado e a forma como é gerido é o Ruling the Root. A obra navega entre a análise institucional das instituições económicas e a necessidade de uma governação global graças ao papel da internet.

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